Ausência de futuro no PSD e no PS. Portugal bloqueado
A política não é, nunca foi, uma actividade social livre, nem é um mero acto decorrente da vontade ou do capricho. É antes o resultado duma profunda imaginação sociológica que opera num campo configurado pela estrutura ternária do tempo: passado, presente e futuro. São esses tempos, feitos dos interesses conflituantes dos grupos sociais, que o Estado - através dos seus protagonistas - têm de saber arbitrar. À direita e à esquerda, o que vemos actualmente?
No Governo, o PSD revela-se incapaz de gizar um plano para Portugal. Um plano que escape à ditadura das finanças impostadas pela troika. Coelho não tem uma política portuguesa para a Europa, outra para África, outra ainda para o Atlântico Norte e Sul. Só vende empresas nacionais (lucrativas) aos chineses (também podia vender as que têm passivo!!). Esta ausência de desígnio para o Portugal do séc. XXI faz hoje de Portugal um mero protectorado gerido por uma espécie de comissão de sábios nomeados pelos FMI, BCE e Bruxelas. São eles, de facto, que têm as chaves da soberania portuguesa nas mãos, e o Governo em funções é uma espécie de filial ou subsidiária com poderes delegados para, no seu próprio país, executar um conjunto de instruções nas finanças públicas e na economia oriundas dum livro de instruções escrito em língua estrangeira. Este tem sido o papel delegado do Gov do PSD comissionado por Pedro Passos Coelho e Gaspar. Do lado do principal partido da oposição, o PS, cujo líder aspira a ser PM de Portugal, o discurso alternativo à governação também não tem sido melhor. Ou seja, António José Seguro, num estilo de liderança suave e pouco assertivo, não consegue apresentar um pacote de medidas credíveis que revele resolver problemas do desemprego, da justiça, do crescimento económico, do combate à corrupção e outros e, ao mesmo tempo, observe os constrangimentos impostos pelo acordo do memorando da troika que nos tem empobrecido e escravizado em nome dum suposto bem maior, designado equilíbrio das finanças públicas.
O passado já o conhecemos, o país teve um PM que reformou alguns sectores mas também endividou Portugal e adiou o crescimento sustentável da nossa economia; o presente, também vai sendo conhecido: Coelho não governa, vai gerindo o dia-a-dia do país, como se este fosse uma micro-empresa e, ao contrário do que solenemente prometera, recrimina o passado como se Sócrates ainda estivesse no poder e sequestrasse a própria autonomia de vontade de todos e de cada um dos membros do Governo do PSD. Sócrates funciona aqui como o bode expiatório com vista a inocentar a actual incapacidade governativa do Gov em funções. Por isso é invocado a torto e a direito, para colmatar a ausência de projecto político do PSD para Portugal. A técnica é velha e só já cai quem quer. Dito isto, percebe-se que o passado foi feito de calotes, e o presente é um tempo sem perspectiva, sem potencial de crescimento, sem esperança, porque sem projecto que vá além da troika e do equilíbrio das finanças públicas. De certo modo, Portugal regressou à pequenez do método e da praxis política que dinamizou quase meio século de acção de Salazar: poupadinho, servil e obediente e iletrado. O ideal era evitar a IIGM, e, nesse domínio, teve sucesso.
Daqui nasce um caminho bifurcado que tem, ou terá, consequências a prazo. Quer na esfera do PS, quer na própria esfera governamental. Ao nível do PS é natural que a sua direcção comece progressivamente a ser contestada, designadamente por quem está melhor posicionado para o fazer: o edil da capital, António Costa. Tem prestígio, experiência política e uma larga rede de contactos no país, por isso tem legitimidade para o fazer, e até já começou a ser desafiado para levar mais longe as críticas internas que tem feito à actual direcção de António J. Seguro, sobretudo acusando este de não ter a coragem de assumir o passado, nem de conseguir estruturar uma narrativa portadora de um projecto para o futuro de Portugal. Por isso, é plausível que A.Costa seja, a médio prazo, o candidato natural à liderança no PS e, num próximo Congresso, apresente uma nova moção de estratégia para Portugal com base na qual também possa conquistar o partido. Seria o dois em um... Ao nível do PSD, parece hoje não haver alternativa a Passos Coelho, mas mais grave é não haver uma ideia e um projecto de sociedade desenvolvimentista para Portugal, oriundo da comissão de sábios do partido da Lapa. O que originará, a prazo, um desgaste e uma frustração crescentes sobre a actual liderança que, embora seja telegénica e articulada, não partilha com o país real aquilo que este quer: uma saída digna e com menos impostos para o buraco em que os chamados sucessores do regime enfiaram o país desde 1986, ano da nossa adesão à então CEE. E aqui, urge sublinhar, o actual PR, Cavaco silva tem tantas ou mais responsabilidades do que qualquer outro dirigente político, até por ser aquele que há mais tempo está - ininterruptamente - no poder, como também pela natureza das funções executivas que exerceu, e, agora, pelas funções de representação que desenvolve. Daqui resulta uma dupla (ou tripla) crise: a do PS, por ter uma liderança fraca, pouco credível e mobilizadora e sem carisma; e a do PSD que, apesar de ter mais bases em torno do líder, tem o país real contra si, mormente por neste seu 1º ano de governação nada mais ter feito ao país e aos portugueses do que lançar-lhes impostos, como quem lança chumbos de caçadeira aos tordos e às perdizes em contexto de caça.
Foi neste ambiente de dupla crise politico-partidária, que decorreu o congresso mais enfadonho do PSD de que há memória. Um congresso que não foi virado para o país, nem para o partido, porque, simplesmente, o país e os partidos são hoje elementos sequestrados pelo mesmo regime de protectorado que, de fora para dentro, dita o que se pode e deve fazer intra-muros.
Num país assim, de que nos adianta ter um líder do PS que quer ser PM e, para o efeito, e como mola diferenciadora da acção do actual PM, diz que quer uma "austeridade inteligente"; e de que nos serve ter um PM - que o é - mas teleguiado a partir de Bonna e dos ditâmes do FMI e do BCE?
Assim, com Portugal inteiramente bloqueado, torna-se impossível construir uma imagem de futuro que nos abra caminho e esperança para sequer ter um lampejo de sorte e de alternativa ao actual estado de coisas.
Com a agravante de em Belém, o país ter um actor político sempre mais preocupado com o valor das suas reformas e a sua agenda pessoal do que, verdadeiramente, com os interesses efectivos de Portugal e dos portugueses. Além de que os seus "brilhantes" conhecimentos de economia, em particular de finanças públicas, de nada têm servido, nem para equilibrar o défice ou avisar o Gov do buraco existente nas empresas públicas ao tempo da coabitação com o ex-PM, Sócrates. Nesse sentido, Cavaco mais não é do que o Américo Tomás dos novos tempos: aparece para cortar fitas em feiras e inaugurações e, quando há, comer o bolo-rei. Daí a 3ª dimensão da crise supra-referida...
Contudo, e na área do PS, uma coisa parece ser provável. António Costa já referiu não ser candidato a nada, além da autarquia que tem em mãos, mas de cuja função já deve estar farto. Mas também acrescentou que não enjeita nenhuma outra possibilidade que o horizonte político lhe possa colocar, mormente por saber que ainda é demasiado cedo sair da capital e lançar-se para Belém, ao estilo Sampaio... Daí a necessidade de um estágio pelo meio que se poderá chamar - liderança do PS para, a partir dessa plataforma, reunir tropas para conquistar o partido, primeiro, o Palácio de S. Bento, depois. O país virá depois...
Na área do PSD, qualquer previsão hoje ainda seria mais chata e estéril do que o actual estado de coisas em que o partido da Lapa, qual Conselho de Gerência de uma pequena empresa, se encontra.
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