terça-feira

Bode expiatório. (Re)evocação de Rene Girard

A análise duma crise numa determinada sociedade, visando o seu sistema político e os sub-sistemas social e económico, consiste em tentar compreender as questões subjectivas que auxiliam na explicação das frustrações de expectativas que denunciam esse desajustamento entre as promessas - comunicadas pelos partidos vencedores das eleições - e as realizações efectivamente conseguidas pelo escol dirigente. Em Portugal o fosso entre estes dois mundos já é brutal, escandaloso. Relatórios de consultoras mundiais, artigos de jornais internacionais, todos convergem para a possibilidade de uma 2ª Grécia estar a germinar em Portugal. Não apenas pela teoria das vizinhanças geográficas, mas porque a evidência dos indicadores esmaga a pretensão de considerar que a situação começa a melhorar. Na relação do Estado com a economia das grandes empresas, é o que se vê na conduta quase hegemónica na EDP (num mercado onde inexiste concorrência), na questão do BPN - (que é tão escandalosa quanto criminosa) e em que os grupos parlamentares tratam a questão como se fosse um assunto de feudos e neo-feudos de pura guerrilha urbana, na relação do Estado com o cidadão, em que impera o arbítrio do Estado - senhor poderoso - que tributa o contribuinte desprotegido até à medula. Tudo se passa hoje numa Europa onde Portugal já pontifica como o país cujo sistema fiscal é o mais pesado de todos, esbulhando o cidadão para alimentar o funcionamento da máquina do Estado. O jornal inglês The Guardian faz hoje eco dum terrível testemunho, publicado abaixo, mesmo sendo algo abusiva aquela correlação entre austeridade e morte em Portugal. Seja como for, Portugal, os portugueses vivem hoje na necessidade de eleger uma vítima expiatória para que seja culpada de tudo de mau que vai acontecendo ao país. Algo, ou alguém, que sirva para concentrar em si todo o pretexto do sacrifício e, ao mesmo tempo, inocentar os verdadeiros culpados do estado lastimoso a que as nossas finanças públicas e o estado da nossa economia nacional chegaram. E quem são eles? São aqueles que praticaram erros, omissões, silêncios, cumplicidades - foram (e são) cúmplices - dos processos e das estratégias políticas que Portugal assistiu desde 1986, ano da adesão de Portugal à então CEE. Curiosamente, esses players políticos, embora noutras funções, são os mesmos que ainda ocupam a cadeira do poder, juntamente com outros que já passaram por S.Bento, mas que têm igualmente a sua cota de responsabilidade no sacrifício colectivo que hoje temos de suportar. No meio de tudo isto, será escolhido para o sacrifício, o tal bode expiatório, aquele que for o mais ingénuo e imprudente de entre os verdadeiros culpados pela crise global a que chegámos e nos colocou hoje sob a pata tutelar dum regime de protectorado ao pior estilo do séc. XIX.

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