Os chaparros do meu Portugal, um património valioso. O Fado do sobreiro
As notícias d´hoje, que recolocam o caso Portucale na agenda judicial, são, paradoxalmente, um bom pretexto para pensarmos nesta imagem: um sobreiro com uma das suas pernadas decepado, à semelhança do que o "tal" empreendimento, promovido por uma certa instituição bancária, desejava: trocar abate de sobreiros, que é um acto proibido e anti-ecosistema, para construir um empreendimento turistico na zona de Benavente. Pobre Ricardo que ainda não compreendeu o significado do conceito de desenvolvimento sustentável, ele só sabe de balanços e de balancetes...
Enfim, a "caldeirada" é não só conhecida, como típicamente portuguesa quando uma certa direita dos negócios se junta ao poder, a 1ª coisa que faz é o ataque ao Estado e aos seus recursos públicos, que consideram inimigo, e o devido esquartejar do espólio pelos amigos políticos, financeiros e de partido. Esta atitude é quase tão velha quanto Portugal. Somos assim, nada há a fazer, salvo reconhecer a evolução dos processos de sofisticação com que estes mecanismos se formam, desenvolvem e consolidam para o literal assalto do Estado a fim de o entregar ao grupo económico A, B e C, por vezes a lógica vai até ao fim do alfabeto.
Todavia, estas notas prévias podem (e devem!!) servir para meditarmos não na importância do sr. Abel (o velho tesoureiro desportivo & recreativo do Atlético do Caldas, cds S.A), que vale zero, ou na importância do cds que zero vale, mas sim num elemento natural de extrema importância para a economia nacional e para o próprio ecosistema: o sobreiro e o Montado de sobro no seu conjunto. O que nos transporta, imediatamente, para a consideração (e democratização) do conceito de património a uma escala mundial. O que é um facto, em si mesmo, relevante sob várias perspectivas: conceptual, metodológica, técnica e ao nível das práticas e das categorias que o seu estudo e promoção poderiam levantar por parte de inúmeras instituições: públicas, privadas e mistas, com e sem objectivos lucrativos.
Com isto procuro chamar a atenção que o sobreiro não serve apenas para retirar a cortiça de 9 em 9 anos, e com isso fazer rolhas para tapar garrafas de vinho que uns e outros exportam por esse mundo fora. O Montado de sobro serve para nos fazer meditar acerca da necessidade de que a Lista do Património Mundial não deve ser apenas de índole cultural, relegando para 2º plano todo o Património Natural que temos, e de que o Monte sobro é, talvez, o exemplo mais paradigmático que, a ser atendido por quem de direito, deve ser equacionado numa lógica de desenvolvimento sustentável.
Isto implica que em Portugal não deva continuar a existir um país que tem um património deficientemente representado, porquanto algumas das suas regiões, como o Alentejo, tem sido votado a fenómenos de exclusão e de limitação do exercício de cidadania traduzido pelo esquecimento ou marginalização na capacitação dos seus recursos, a fim de que os mesmos possam replicar a sua afirmação num contexto mais global, se for esse o desafio que, por exemplo, o Montado de sobro puder e quiser protagonizar por parte das instituições competentes.
Daqui sobressai uma 1ª grande conclusão, a saber: Portugal - em parceria com as instituições e agências especializadas da ONU cá acreditadas, como é a UNESCO, não pode ter um país assimétrico e objecto de exclusão, incapaz de corrigir a falta de representatividade dos recursos e bens públicos a eleger no âmbito do conceito de Património Mundial da UNESCO, especialmente porque esses bens a serem objecto de qualificação pela UNESCO têm (e devem) ir muito para além de conceitos puramente estéticos - que servem, apenas, para deleite colectivo de alguns intelectuais que controlam as linhas de comando e de decisão no seio dessas instituições especializadas criadas pela ONU no pós-IIGM.
Consequentemente, quando se atenta no Montado de sobro talvez estejamos perante uma qualificação de paisagem e de património simultaneamente Cultural e Natural - que exige adequada gestão e ordenamento dos recursos, a fim de respeitar o tal conceito de desenvolvimento sustentável. O que pressupõe uma gestão progressivamente mais capaz e eficiente dos recursos sem, contudo, descurar a sua história e atitude ecológica face aos desafios que este tipo de bens implica para o futuro.
De resto, esta preocupação com uma mais razoável e equitativa representatividade na composição dos bens que integram as Listas Indicativas que os Estados depois [e]levam à UNESCO, resulta das recomendações saídas da XXIV Sessão do Comité do Património Mundial realizada em Cairns, Austrália, em 2000, em que se bateu na tecla da representatividade da Lista do Património Mundial, ficando assente que havia a necessidade duma maior assistência a fim de capacitar todos os sítios e regiões a integrar essa Lista do Património Mundial apresentada por cada Estado-membro.
Ora, estando certas regiões do país, como o Alentejo, objectivamente secundarizadas por esse tipo de critérios, que as recomendações de Cairns pretendem eliminar, deverá passar a usar-se de maior common sense na preparação, feitura e apresentação dessas listas indicativas de molde a reflectir um maior equilíbrio regional e geográfico sempre que estão em consideração essas categorias de bens ou recursos passíveis de integrar o desejado conceito de Património Mundial da UNESCO (PMU).
E é através desta cautela, que deverá ser racionalizada pelas instituições promotoras deste tipo de desafios, que os bens portugueses inscritos nessa potencial categoria de PMU, deverão nivelar as tradicionais assimetrias entre os bens comuns da humanidade situados entre a faixa litoral e o interior do país, ou entre monumentos e centros históricos, e as paisagens culturais e naturais - de que o Montado de sobro é um exemplo a repensar em Portugal. Com esta correcção o país estaria a eliminar um défice de representação geográfica e conceptual, de que o Alto e Baixo Alentejo tem sido alvo, o que não tem favorecido o objectivo que algumas regiões do país têm, legitimamente, aspirado.
Na prática, tal significa que a composição das tais listas indicativas devem reflectir um maior planeamento na gestão desses instrumentos dos bens públicos, bloqueando, assim, a influência desmedida que o dinamismo de algumas instituições promotoras conseguem ter, levando a melhor sobre outras a sua vontade e determinação - no quadro da "guerra" sempre presente no processo de candidaturas, ainda que por vezes quem sai premiado seja a candidatura com menos valor integrado para a economia nacional e para o país no seu tecido conjuntivo. Aqui chegados, percebe-se, afinal, a utilidade marginal da recolocação na agenda-setting do caso Portucale, no fundo um aviso à navegação de que o país só teria a ganhar se envolvesse a sua massa crítica para intervir pela inclusão dessa categoria natural excepcional, que é o Montado de sobro, associada à produção mundial de cortiça de que somos líderes, a fim de construir uma estratégia vencedora e, ao mesmo tempo, valorizadora de toda uma região que se tem vindo a desertificar e a empobrecer e descaracterizar, gerando ainda mais assimetrias no rectângulo, sem, com isso, valorizar o próprio modelo de desenvolvimento sustentável que se procura alcançar através da interacção com a UNESCO.
João Braza "Fado do Sobreiro"
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