sábado

Idade(s). Reflexão acerca da senescência e o "efeito Manoel de Oliveira" no tempo real e psicológico

PARABÉNS A MANOEL DE OLIVEIRA
Um remake de 2008
A velhice é tão longa que não se deve começá-la cedo de mais.
Mark Twain
Confesso que quando penso em Manoel de Oliveira - a dimensão de cineasta não é a primeira que me assalta o espírito, mas a de ser realizador em idade hiper-avançada e pensar, falar e locomover-se como se tivesse menos 30 ou 40 anos. É isto que ao mesmo tempo me fascina e espanta.
Deste modo, poderei dizer que Manoel de Oliveira não prolonga apenas a sua vida, prolonga a dos outros também - pelo efeito indutor que deixa entre nós, revelando que entre a maturidade e a senescência (atingida entre os 65-75 anos) deixou de haver fronteiras ou referências.
Manoel de Oliveira esfrangalhou todas essas noções de adolescência, maturidade e velhice - exibindo hoje o seu belo porte (a bengala que usa é apenas um adereço fílmico) para revelar aos velhos de 70 e 80 anos que ainda são umas crianças ao pé dele.
Manoel de Oliveira reformou o próprio tempo, assistiu à morte de muitas gerações de homens, é mais velho que o século XX e hoje vive na idade de ouro dos chamados seniores avançados. Uma proeza - seja ele cineasta ou estivador, sôtor ou um mero sindicalista de vão de escada. Mas ainda bem que é cineasta.
Desconheço se haverá algum "polícia genético" no organismo de Manoel de Oliveira que lhe regula o envelhecimento ao milímetro mas, de facto, pode admitir-se nele uma ideia interessante desenvolvida por Edgar Morin - segundo a qual o homem não age pela razão (déraisonable). Realizamo-nos pela emoção, no jogo interactivo das sensibilidades, na exuberância das imagens, na loucura da 7ª arte, no ambiente de festa permanente que envolve a produção fílmica e no conjunto de "transgressões" que as pessoas deste metier incorrem permanentemente para se excederem nas suas performances, desde o realizador, ao criativo, ao director de cenas, aos actores, fotógrafos e demais pessoal ligado ao cinema.
Talvez este envolvimento, além de um capital genético verdadeiramente excepcional, tenha facilitado este envelhecimento (ainda jovial) de Manoel de Oliveira - que faça com que pessoas de 70 e 80 anos olhem para vida e entendam que esta ainda lhes deve outros 20.
Significa isto que o exemplo de Manoel de Oliveira veio introduzir uma verdadeira revolução silenciosa na forma como passamos a encarar o tempo real e o tempo psicológico nas nossas vidas. A força e a grandeza do seu exemplo dilatou as margens permitidas do tempo cronológico que à partida temos direito a viver, e que Oliveira subverteu - furando as regras do jogo genético assente na média de idade concedida ao homem para ele viver: os 70 anos (+ ou -).
Pela minha parte, e pela do homens da minha geração - creio ter conquistado a legitimidade de pensar que a vida ainda me deve 60 anos. E quando se pensa neste crédito quem nos virá à cabeça senão Manoel de Oliveira!!?
PS: Dedicamos esta reflexão a três categorias de pessoas. 1) A Manoel de Oliveira por ter desafiado a razão do tempo metendo-o no bolso; 2) aos que hoje têm 70 e 80 anos (os nossos avós) e entendem querer ver vivo Manoel de Oliveira com 120; 3) e àqueles que que hoje estão na casa dos 30/40 - e acham que a vida ainda lhes deve mais 60 anos.
Para desorganizar toda esta renda do tempo - deixo aqui a promessa de que o meu corvo viverá até aos 150 anos, e não se preocupa com dietas nem é realizador.

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