A Cimeira - por António Vitorino -
Lisboa volta a estar na senda das grandes reuniões internacionais com a realização na nossa capital da Cimeira da NATO. dn
Embora seja frequente tender a sobrevalorizar os encontros que ocorrem entre nós, não custa antecipar que este terá uma projecção para além do evento em si mesmo considerado.
Desde logo, porque se trata de aprovar o novo Conceito Estratégico da Organização, que substitui o anterior, de 1999. Nesta década, o mundo mudou substancialmente, tanto no plano geoeconómico quanto no plano da segurança e da defesa. Trata-se, assim, de adaptar os objectivos, finalidades, instrumentos e procedimentos da NATO para responder de forma mais consistente a um novo quadro de ameaças.
Neste ponto é impossível não recordar a emergência do terrorismo global, que ganhou particular visibilidade após os atentados do 11 de Setembro de 2001, e que veio diluir as fronteiras clássicas entre a segurança interna e a segurança externa dos Estados. A análise das novas ameaças estará, assim, no centro do Conceito a adoptar em Lisboa.
A panóplia de ameaças a considerar é ampla, devendo, contudo, evitar-se a tentação de confundir os planos de resposta e os protagonismos das várias organizações e instâncias nacionais e internacionais que são chamadas à colação. Com efeito, as alterações climáticas e os movimentos forçados de populações (por razões económicas, ambientais ou sanitárias), podem representar ameaças à segurança e estabilidade das regiões ou dos Estados, mas seria perigoso reconduzi-las a puras questões de defesa e militares.
O equilíbrio desejável do novo Conceito Estratégico será, pois, o que assentar numa identificação clara dessas ameaças e da sua componente de resposta que apele à intervenção da instituição militar e, portanto, no plano internacional, das alianças de segurança e de defesa. Mas sem que tal comporte um desvirtuamento da natureza própria dessas organizações e instituições na sua quota parte de responsabilidade na resposta a formular.
De igual modo, a preservação da finalidade da defesa colectiva, incluindo a garantia de solidariedade em caso de agressão à integridade territorial de um Estado membro da NATO, parece-me fundamental. Com efeito, mesmo que no mundo pós-Guerra Fria tal eventualidade possa parecer neste momento remota, o traço de identidade da NATO que a defesa colectiva representa deve ser preservado no novo Conceito Estratégico.
Em Lisboa estarão ainda em jogo dois outros aspectos essenciais que, não sendo intrínsecos a um Conceito Estratégico, são elementos relevantes de enquadramento da acção da NATO nos anos mais próximos.
Por um lado, trata-se de superar o continuado mal-estar ou, no mínimo, uma certa intranquilidade no relacionamento entre a NATO e a emergente dimensão de segurança e de defesa da União Europeia, garantindo a solidez da relação transatlântica. Por outro, Lisboa marcará, também, o reatamento de uma relação mais distendida com a Rússia, após o período de tensão vivido na sequência do conflito na Geórgia, no Verão de 2008.
Estes dois pontos não serão concluídos nesta Cimeira, mas os sinais que dela surgirem poderão ser particularmente significativos para o futuro. A relação com a União Europeia tanto depende do posicionamento da NATO como da própria evolução do debate político entre os europeus no aproveitamento do quadro criado pelo Tratado de Lisboa quanto à cooperação estruturada no domínio da defesa.
Quanto à Rússia, a perspectiva de cooperação no desenvolvimento conjunto de um sistema de protecção antimíssil face a uma eventual agressão nuclear constitui um concreto ponto de aplicação desta potencial melhoria das relações bilaterais.
Mas a Cimeira de Lisboa não pode ignorar a crescente impopularidade, nos dois lados do Atlântico, da missão da NATO no Afeganistão. A explicação clara das finalidades dessa missão, bem como, de um modo mais geral, do significado da assunção em conjunto das responsabilidades pela segurança e defesa no espaço regional, constitui um pressuposto fundamental da legitimação da NATO junto das opiniões públicas dos Estados membros. Ora essa legitimação é imprescindível para uma organização que reúne Estados democráticos como é o caso da NATO.
Obs: Mais multilateralismo e mais parcerias são, portanto, a chave para afinar o "carburador" do conceito estratégico emergente da OTAN, na certeza de que estamos numa conjuntura - ainda que recheada de problemas que são estruturais - em que devemos todos ter a arte de colocar a security ao serviço da economia de bem-estar. A ser assim, o velhinho Euromundo - feito pelos homens de quinhentos que deram novos mundos ao Mundo na gesta dos Descobrimentos - poriam em marcha um conceito verdadeiramente novo - ao utilizar a segurança para promover o crescimento económico das nações que hoje se encontram em profunda crise de confiança - que acaba por limitar sobremaneira as percentagens de investimento no sector da segurança & defesa nos respectivos budgets das nações.
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