quarta-feira

Lazer e criminalidade no rizoma

Pulula na Net, e em algumas redes sociais mais proeminentes como é o caso do Facebook, uma narrativa que convida as pessoas a mudar a sua imagem de perfil para imagens da sua meninice, obrigando-as a viajar no tempo e a recordar os seus heróis da BD, dos desenhos animados em geral. Em si, o exercício tem tanto de viajar no tempo como de artificial, mas foi o convite formulado para por esta gente a alterar a sua imagem de perfil como se duma descentragem de personalidade se tratasse, e a malta, ordeira e muito "rebanhosamente", obedeceu à chamada.
Alguns viram no exercício uma projecção de personalidade que cada um de nós guarda na sua ente, como se duma assembleia de heterónimos pessoana se tratasse, criando a máscara do gosto e do momento para a representação virtual no FB. Alguns, foram mais resilientes. Sucede, porém, que esta mudança de imagens, ou de máscaras, pode suscitar confusões que, no limite, podem ser perniciosas ou até mesmo lesivas para algumas pessoas mais crédulas que julgam que o paraíso na terra tem nome e se chama FB.
A leitura desta descentragem de personalidade por recurso a Sigmund Freud é curta, pois o que pode estar aqui em causa resulta de uma de duas coisas, e que podem aparecer mitigadas neste convite que insta ao lazer, mas também à confusão que pode abrir as portas para a entrada de gente indiscriminada na rede social de cada um de nós com objectivos que podem ser de índole criminosa.
Recordo que a criminalidade informática em Portugal está crescendo, sendo que a maior parte deles são jovens entre os 16 e 45 anos. Muitos deles são indíviduos filhos de famílias fragmentadas, que têm ou frequentam o ensino superior, são portadores de alguma cultura tecnológica, e como não têm antecedentes criminais sentem-se mais à vontade para iniciar as suas artes nessa senda.
Naturalmente, no FB não haverá o problema do crime de pedofilia, dado que já somos todos crescidinhos, mas está aberto o campo a uma panóplia de crimes, que vão do roubo de dados e à engenharia social conhecida pelo phishing até à devassa da vida privada, seja de pessoas anónimas ou de figuras ditas públicas.
Por isso, quando vejo pessoas na rede exporem a sua vidinha com fotos disto e daquilo, para além dum certo limite, só lamento essa atitude, além do mau gosto que é partilharem com centenas, milhares de pessoas aspectos mais íntimos da sua vida privada. E nisto também a net revolucionou a vida das pessoas, que manifestamente querem perder a sua intimidade a troco dumas balelas que tem uma segunda consequência: converter o Facebook numa espécie de revista caras virtual. É a forma que muitas pessoas encontraram de exteriorizar as suas frustrações, desejos e necessidades de afirmação e de projecção social (virtual).
Reflexão, poucos a fazem. Embora também nunca pensei encontrar no FB materiais muito elaborados.
Hoje, muitas pessoas acabam por ser vítimas delas próprias, da armadilha das suas imensas imagens - fornecedoras de tanta informação. Não só de onde moram, como do padrão de vida que têm e de como vivem. O que é um erro crasso. Ao não controlar a sua ânsia de protagonismo imagético são vítimas do seu próprio egocentrismo - ao referir tudo aquilo que a si diz respeito, o que permite ao delinquente (potencial, dentro e fora da rede) convencer-se da legitimidade do seu acto em praticar um crime informático em relação a essa pessoa, ficando na indiferença decorrente do seu cometimento.
Sendo que os crimes informáticos têm uma particularidade, ao invés de outros crimes, são práticamente ocultos, ou mais difíceis de provar em sede de tribunal, o que é um incentivo a quem está do outro lado da linha a tentar perpetrar outros crimes - que, se não dão vantagens materiais imediatas, oferecem prazer, pela pena psicológica ou dor que infligem a terceiros.
Falamos, naturalmente, dos delinquentes informáticos que também se arrastam pelo FB. E aqui convinha sublinhar uma ideia comezinha, que qualquer estudante de criminologia conhece, ou deveria conhecer: é que o homem envolvido na delinquência alimenta todo o tipo de ressentimento contra o mundo, já que está plenamente convencido de ter sofrido uma cadeia de injustiças e de prejuízos não merecidos, logo ele sente-se como que legitimado para a prática de todo o tipo de crimes, que é a forma encontrada para ele se vingar das injustiças de que se sente alvo.
Na prática, basta que um desses criminosos informáticos alimente um ressentimento por uma imagem que mostre, por ex., uma mulher em pose junto de um carro de marca caro ou topo de gama, para despontar nele todo o seu manancial de conhecimento que passa a ser encaminhado para a prática dum crime, neste caso informático - e que esta baralhação de imagens pode ajudar a facilitar pela introsão de estranhos nas redes pessoais de cada um dos membros da rede social que faz parte. Até parece que eu próprio cai nessa esparrela, mas só me apercebi desse convite após ter incluído o macaco com a sua mensagem. Mas, confesso, tenho dois gostos, entre os animais: aprecio macacos e gosto de burros. Daqueles porque são animais inteligentes, e creio haver uma linha de descendência entre eles e nós, seres humanos; dos burros aprecio a sua resiliência perante as adversidades. Têm uma paciência de Job, apesar de não terem lido a Bíblia.
Foi uma mera coincidência, mas fico com pena que algumas mentes que supunha um pouco mais evoluídas e até desentorpecidas olhem para o macaco como se fossem grandes macacas, revelando, afinal, que desconhecem quase tudo acerca da generalidade das coisas. Nem com a avózinha delas aprenderam o que quer que fosse.
Quem sabe, ou deveria saber, um pouco de criminologia devia também conhecer que é nestas brechas informáticas (envoltas no lazer da treta do Facebook) que se desenvolve nas pessoas mais crédulas - e que os criminosos aproveitam e maximizam nesses momentos - um mecanismo perigoso vertido na labilidade, que é a tal combinação de imprevidência e desorganização no tempo e no espaço por parte das pessoas mais ingénuas - que este carnaval de imagens suscita - mas que permite ao delinquente informático apurar os seus métodos de introsão nos sites e na vida das pessoas, por vezes com consequências devastadoras.

Etiquetas: