Portugal e Espanha: duas sociedades parecidas...
Há dias um eurocrata cinzentão com uma terrível dificuldade em exprimir-se em qualquer língua, até na de origem, referiu que Portugal e Espanha deveriam fazer reformas nos mercados laboral e sistemas de pensões. Tudo num inglês macarrónico e sistematicamente imperceptível, mas o que se lamenta é a forma automática, ao estilo do impulso telefónico, fria e seca com que o sujeito fala dos países em causa, revelando a ignorância histórica típica dos eurocratas. Sobretudo, tratando-se de países tantas vezes inimigos no quadro da sua afirmação nacional, ultramarina e europeia. Tradicionalmente, Portugal e Espanha integram sociedades com fraco dinamismo interno, com relações de dependência assentes num pólo distributivo assegurado pelo Estado, ou noutras entidades de tipo patrimonial que sustentaram esse mesmo tipo de poder distributivo que hoje, pela escassez de recursos e pela mudança estrutural do funcionamento das sociedades, é incomportável.
Portugal e Espanha representam, desse modo, sociedades com estruturas políticas com uma longa história de Estado centralizado, modelados pelos códigos de comportamentos sociais que fizeram a Contra-reforma e a Inquisição, cujas extensões coloniais contribuíram, perversamente, para agravar ainda mais esse estado de dependência do pólo distributivo assente no Estado, em vez de se afirmarem como grupos sociais fortes com larga autonomia para hoje poderem efectivamente desenvolver o processo de modernização europeia.
Na prática, foi essa subordinação aos normativos conservadores, impostos pelas entidades religiosas, por um lado, e pelo Estado omnipotente, por outro, que amputaram a afirmação de grupos sociais fortes nos dois lados, daí a justificação para que a sociedade portuguesa (mais) e a sociedade espanhola, se encontrem ainda relativamente fechadas sobre si mesmas, apesar da integração europeia e das relações bilaterais que ao longo da história foram sendo desenvolvidas por ambos os países.
Historicamente, Portugal e Espanha ficaram associados a uma grande centralização do poder, mediante formas autoritárias desse exercício, fidelizando a sua relação ao Estado central, a certos pólos patrimoniais que ofereciam protecção e oportunidades de ganhar algum dinheiro, mas que foram adiando os centros de competências que hoje prejudicam ambos os países nos seus mercados laborais e de serviços.
Ainda que injustamente, os benefícios e a atribuição de privilégios ficaram associados, no imaginário social das nossas duas sociedades, não ao sucesso e mérito individuais mas à protecção oferecida pelas posições de poder que controlavam os centros distributivos de recursos. O Estado era o "pai" da sociedade e dos seus grupos mais dinâmicos.
Foi assim durante muitos anos, e mesmo após as transições democráticas, num e noutro lado da fronteira, esse tipo de protecção estatal ainda funciona para com certos grupos sociais ou agentes económicos.
A consequência desta inércia, explicada pela existência de normas sociais rígidas e fraca incorporação em grupos, com baixa autonomia individual e onde a responsabilidade é transferida para o Estado ou para a dependência da fatalidade do destino e ainda alguma inércia comanda, acabaram por formatar as nossas duas sociedades, a portuguesa e a espanhola, como sociedades nos antípodas das sociedades pluralistas, ainda com baixos níveis de competência e de mobilidade e, claro, sempre muito dependentes da integração em redes distributivas comandadas pelo Estado e onde o quadro das relações empresárias recíprocas ainda depende muito da protecção estatal e da obediência e de algum conúbio existente entre esse mesmo Estado e alguma alta finança. De resto, constatamos o desenrolar dessa lógica na guerra entre a PT e a Telefónica (10 vezes maior) pela disputa na aquisição da Vivo no Brasil.
E se o mecanismo de bluff da Golden share não se coloca do lado espanhol, é por uma dupla razão: observam os dispositivos comunitários para o sector e têm uma economia de escala muito maior do que a nossa que permite ao empresariado espanhol actuar com maior autonomia já sem a muleta do Estado para fazerem os seus negócios.
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