quinta-feira

Um presidente da República submetido aos media, aos juízes e à opinião. Mais vale partir uma perna...

Ao visionar ontem a entrevista do sr. PR fiquei convencido que ele sucumbiu definitivamente a essa santa trindade de poderes composta pelos juízes, pela mediacracia e, por extensão, pela opinião. Confesso que me preocupou ver tanto a-criticismo, tanta acefalia, tanta falta de capacidade de ver o lado escondido das coisas que hoje constrangem Portugal nos seus factores de modernidade e de desenvolvimento, e são, precisamente a falta de justiça, o excesso de vedetismo e uma incapacidade para crescermos relativamente aos parceiros europeus que constituem as raízes do nosso subdesenvolvimento. Ora, creio que os portugueses não esperam do seu PR alguém que diga que sim a tudo: aos juízes, aos media, e se submeta ao império da opinião pública, fugindo às questões menos simpáticas, só porque cavaco silva quer ser, também, o candidato do PS à Presidência da República em 2011. A hipocrisia e o cinismo em política têm (ou deveriam ter) limites...
São essas três dimensões - juízes, mediacracia e opinião pública (que é uma filha pródiga das sondagens) que hoje escavacam o Político, inibindo-o e sacrificando-o de vôos mais altos em prol do desenvolvimento do país. Cavaco sabe disso, por isso se metamorfoseou para se ajustar ao novel contexto pré-eleitoral e recuperar os pontinhos que perdeu pelo mau mandato que tem feito, sendo as escutas artificiais a Belém - que levou à demissão do seu super-assessor - o climax desse desaire psico-político.
Aliás, se fosse um E.T. e caísse de súbito em Portugal para ver aquela rara entrevista, repleta de lugares-comuns, diria que cavaco trabalha árduamente para ser o candidato de Sócrates e do PS nas presidenciais, "matando", assim o poeta Alegre e o homem da AMI, o médico sem fronteiras, o cosmopolita Fernando Nobre. Ir contra aquela santa trindade era desafiar a guilhotina política, mas Cavaco quer estar de bem com todos, daí os termos e o modo daquela entrevista.
Só que isso tem um efeito perverso, ou seja, Cavaco, mais uma vez, sacrificou a democracia, amputando-a pelo jogo sórdido que hoje juízes, mediacracia e opinião fazem, para se promover pessoalmente neste jogo democrático, pois bem sabemos como é cúmplice a relação entre juízes e media, e não é de ontem. De resto, os magistrados estão até cada vez mais parecidos com os novos jornalistas, eles tendem a entender-se porque sociológicamente são categorias intermutáveis, partilham dos mesmos valores e a sua aliança é indefectível, e ambos odeiam o político.
Ou seja, os juízes e os jornalistas alimentam-se mutuamente. O juíz precisa do jornalista para ser a sua caixa de ressonância na sociedade. Uma inculpação pública tem um valor de um julgamento, e o princípio da presunção da inocência é um valor-direito que desaparece automáticamente ante o veredicto do império da santa opinião dos comentadores de serviço. Mas, pelos vistos, cavaco não está preocupado com este tipo de direitos, apenas se quer acautelar com os seus interesses de imagem de modo a que não fiquem beliscados nesta próxima campanha eleitoral para Belém. Neste sentido, Cavaco revelou o mais puro cinismo político, digno duma avaliação de Diógenes...
Cavaco já não se importa que o segredo de justiça seja violado, que alguns media continuem na sua campanha difamatória a certos agentes políticos e a instituições e órgãos de soberania, que alguns sindicalistas ligados à corporação dos magistrados faça política de bastidores e se alinha com os partidos da oposição. Verdadeiramente, essa cumplicidade concupiscente não preocupa cavaco.
Pelo lado dos media que melhor cheque em branco poderá haver senão o apoio do aparelho judiciário... Uma inculpação representa para um jornalista um certificado de qualidade que o converte num herói, é como se ele recebesse o prémio Pulitzer. Os jornalistas, tipo Felícia Cabraita, tornaram-se hoje auxiliares de justiça, e esta agradece, até porque tem pouco meios para fazer eficientemente o seu trabalho.
E assim a verdade mediática se vai substituindo à verdade efectiva das coisas, como diria Nicolau Maquiavel. As emoções fazem o resto, com prejuízo para a razão. O sonho de Eduardo Moniz seria abater politicamente Sócrates. Nem que seja pelo prazer mórbido que esse acto daria à sua dama, autora do pior jornalismo de sarjeta feito em Portugal no pós-25 de Abril.
Por seu turno, a democracia representativa, ante aquele amén sistémico que Cavaco deu aos juízes e à mediacracia instalada, é literalmente cilindrada pela democracia de opinião, pelo peso dos inquéritos e das sondagens, que é um par infernal que hoje mina a democracia. Tal significa, que hoje vivemos emparedados pelos media e pela má justiça, são esses os dois vectores que hoje (mais) bloqueiam a sociedade e convertem aquilo que deveria ser a informação num espectáculo mediado por imagens, escândalos e zanga de comadres. Basta ver no que se transformou as comissões de Ética e de Inquérito na AR para constatar isso mesmo. E foi isso que me chocou na entrevista de cavaco, conivente com todas essas más práticas, cúmplice dessas facadas à democracia pluralista e ao rule of law, querendo agradar a tudo e a todos com prejuízo para todos os princípios de direito e valores que deveríamos todos subscrever.
Em nome de quê??? Belém.
Será isto aceitável?!
Será um actor político deste tipo que os portugueses querem para Belém para os próximos 4 anos?! Não creio...
Hoje sinto, como mero cidadão, que é a mediacracia quem tutela a nossa democracia. É como se alguns gestores de fluxos de informação tivessem o controlo dos botões dos órgãos de soberania, e depois os funcionários judiciários corruptos assumem o papel de passadores de informação para linchar publicamente A, B e C. Corruptos esses que vão enriquecendo pela venda aos jornais dessa informação confidencial que extraem aos processos que deveriam guardar, mas que acabam impunemente publicadas.
Cavaco pode ter evitado tocar nas feridas que hoje bloqueiam o país, pode ter agradado aos juízes, pode ter investido nos media e na sua imagem, mas enfraqueceu o Político - porque a sua acção tem sido fazer dela a sua vítima entalado que está nessa santa trindade de poderes altamente perniciosos em Portugal: a mediacracia, a opinião e as magistraturas - em cujos privilégios Sócrates tocou.
Cavaco deixará um legado negativo ao longo destes quatro anos. Pois em vez de dar alguma continuidade modernizadora e desenvolvimentista que conseguiu enquanto foi 10 anos PM do país, hoje, como locatário de Belém, apenas tem sido um semeador e instabilidade política, um ventilador de fugas de informação através dos seus assessores para uma certa imprensa amiga, um fautor de golpes de estado gorados de que Fernando lima foi apenas um bode expiatório. E é isso que ficará no seu registo histórico de Belém: alguém que fez com que o homem público hoje viva inquieto perante o juíz, angustiado perante os media e obcecado pelo império da opinião pública.
Quanto ao legado que cavaco deixará no cidadão comum é tão mau que nem valerá a pena descrevê-lo. Como cidadão, como português apenas me sinto não representado pelo actual PR, que representa hoje uma opressão à sensibilidade e à inteligência de cada um de nós que só por uma grande bebedeira é que me levaria a votar nele no próximo acto eleitoral.
E o mais grave é que também não estou a ver alternativa credível para o derrotar, por isso acho que vou partir uma perna (ou as duas) e ficar em casa, só para não ir votar.

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