Assumir responsabilidades - por António Vitorino -
A descoberta de uma importante base operacional da ETA em Portugal não se pode considerar verdadeira- mente uma surpresa.dn
Ao longo dos últimos três anos foram-se avolumando os sinais de que algum tipo de actividade do grupo terrorista basco poderia estar a ocorrer em território nacional. Até à semana passada, esses sinais tinham sobretudo a ver com discretas actividades logísticas, embora tenha permanecido sempre uma dúvida essencial quanto à possibilidade de a ETA se ter abastecido de explosivos, há já vários anos, em Portugal num projectado e felizmente abortado atentado contra a Audiência Nacional em Madrid. Desde então, quer a nível europeu quer a nível nacional, foram adoptadas regras mais estritas destinadas a controlar de forma mais eficaz o fabrico e a distribuição de explosivos, bem como os respectivos registos de origem, de modo a identificar eventuais desvios para fins criminais.
Há pouco mais de um mês foram detidos dois alegados operacionais da ETA em território nacional, em fuga de uma operação da polícia espanhola. Esta detenção, contudo, indiciava que as duas pessoas em causa e os explosivos que transportavam podiam ter como destino o nosso país.
A detecção da vivenda na zona de Óbidos e do vasto arsenal de substâncias destinadas a fabricar explosivos assinala a entrada numa nova era de utilização do território nacional pela ETA.
Esta evolução corresponde, em parte, às crescentes dificuldades que o grupo terrorista basco tem encontrado em França, o seu local tradicional de recuo e de apoio logístico e de preparação de operações em Espanha. Claro que operar a partir de Portugal, até pela distância física do próprio País Basco, constitui um feito muito mais difícil e vulnerável.
A operação conduzida pela GNR e pela Polícia Judiciária e a cooperação com as autoridades espanholas foi elogiada dos dois lados da fronteira.
Enganaram-se aqueles que pensaram que a proposta do juiz Baltazar Garzón, no sentido da constituição de equipas conjuntas luso-espanholas de investigação do terrorismo basco, seria prematura ou até poderia ter o efeito perverso de, indirectamente, incentivar a presença da ETA em Portugal!
O caso da vivenda na região de Óbidos mostra a necessidade de conferir à detecção e prevenção da actuação da ETA em Portugal uma prioridade acrescida na acção das nossas forças de segurança.
Convém que as autoridades portuguesas expliquem bem em que consistirá esse empenhamento acrescido, de modo a evitar criar entre nós qualquer alarmismo desnecessário e até injustificável. Com efeito, não se trata de que a ETA esteja a visar a prática de actos terroristas em Portugal ou contra alvos portugueses. Esse não foi, aliás, durante anos, o perfil da sua actuação em França e tal evolução implicaria um alargamento das suas frentes de acção, desproporcional em relação à sua debilitada capacidade operacional presente.
Mas a dimensão da instalação detectada em Portugal mostra que as forças de segurança portuguesas e os serviços de informações têm de estar particularmente atentos e alertas em relação à possibilidade de a ETA pretender continuar a utilizar Portugal como ponto logístico e de preparação de actividades terroristas. Começando, desde logo, pelo reforço da cooperação operacional com as forças congéneres espanholas e investindo num mais aprofundado conhecimento da organização e dos métodos de actuação do grupo terrorista basco. Para tanto, torna-se necessário contar com o acesso às informações e conhecimentos das forças de segurança espanholas, sendo mesmo oportuno revisitar a proposta feita em tempos pelo juiz Garzón.
Este acontecimento de Óbidos sublinha que, no espaço sem fronteiras em que felizmente vivemos, a segurança interna de cada Estado é cada vez mais uma responsabilidade partilhada por todos os demais Estados da União Europeia e que um atentado terrorista em Espanha é também e sempre um atentado contra o Estado de direito em Portugal. Por isso ninguém compra a paz em casa se for complacente com o incêndio na casa do vizinho.
O tema que emergiu agora vai ficar algum tempo entre nós. E temos de mostrar que estamos à altura das nossas responsabilidades em defesa das liberdades e da paz pública em todo o território europeu. Obs: Divulgue-se em nome da segurança interna dos Estados da UE, com uma menção especial ao trabalho da PJ e GNR.
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