quinta-feira

Paulo Rangel e o seu discurso e projecto de poder

Paulo Rangel, o braço-dire(i)to de Manuela Ferreira Leite.
O projecto Paulo Rangel para o PSD e para Portugal
Paulo Rangel é, indiscutivelmente, de entre os três candidatos à corrida pela liderança do PSD, o quadro melhor preparado. Explicámos isso numa reflexão abaixo, razões de natureza pessoal e de habilidade política e retórica estão na sua base, além de já ter apresentado resultados nas europeias, e em política os resultados são muito importantes. São um certificado de garantia de que nem Pedro Passos Coelho nem Aguiar-branco se podem gabar aos olhos da opinião pública e da "ditadura" das audiências, que mandam na política.
Mas Rangel é capaz do melhor e do pior, tem uma deriva que o faz extremar posições de um minuto para o outro, aquela verborreia no Parlamento Europeu foi apenas um sintoma do perigo comportamental que encerra a personalidade de Rangel, embora isso não lhe tire a acutilância e combatividade necessárias para lutar contra Sócrates, por um lado, e vencer internamente o partido, por outro.
Portanto, Rangel tem um duplo desafio pela frente: um externo, que é o projecto para Portugal, e outro interno, que é arrumar a casa no psd e normalizar a sua vida política e pô-lo a produzir politicamente, dentro e fora do parlamento em prol do país, que é coisa que não tem acontecido com esta direcção frouxa representada por Ferreira Leite, que foi o pior sinistro que aconteceu ao PSD a após a morte misteriosa de Sá Carneiro, em Dezembro de 1980.
Mas Rangel tem inúmeros trunfos que aqui sumariamente enumeramos. É autor duma cultura jurídica, sociológica e politológica interessante, o que faz dele alguém que não comete erros de palmatória como sucedeu com Pedro Passos Coelho, ao atribuir uma obra mal citada de E. Husserl ao filósofo existencialista, Jean Paul Sartre. E em matéria de análise de política económica, financeira Rangel é muito mais seguro do que Passos Coelho ou mesmo Aguiar-Branco, e isso foi patente nas diversas intervenções de Rangel no hemiciclo da AR em 2009. Além de ser intelectualmente mais acutilante, rápido e acertivo, qualidades fundamentais em política, em que, por vezes, se ganha um debate com uma simples frase.
Embora não inclui nessa categoria o dislate da asfixia democrática que, em rigor, não passa de um disparate de Rangel para dar pão e circo à turba.
Deste modo, Rangel aparece na sociedade portuguesa como alguém que pode reanimar o pensamento crítico em relação ao governo socialista liderado por Sócrates, alguém que tem alguma imaginação sociológica, como diria C. W. Mills, mas depois verifica-se que Rangel se extrema e radicaliza o seu discurso e nem sempre as soluções residem no mercado, como advoga.
Este perfil, sendo interessante para o interior do PSD, que está decapitado desde a fuga de Durão Barroso para Bruxelas, é também uma golfada de ar fresco para o país, mas ainda é cedo para avaliar a trajectória que esta candidatura assumirá, pois desconhece-se quais são as propostas de Rangel nas mais diversas políticas sectoriais para o país, ao invés do que já se conhece de Pedro Passos Colho ante o vazio táctico e estratégico de Aguiar-Branco, que vive da nostalgia de ter sido ministro da Justiça de Barroso.
Nesta óptica, Rangel é aquele que surge como o candidato menos ligado ao passado, apesar de ter uma ligação à decrépita Ferreira Leite e a tudo aquilo que ela simboliza. E que tem desiludido os eleitores do PSD, potenciado a intriga interna, a erupção de facções, até a corrupção tão bem representada por António preto. Tudo coisas em que o partido dos negócios, do dinheiro e do poder é pródigo. De resto, o PSD nunca teve uma ideologia estabilizada, ela radica, precisamente, no dinheiro, no poder e nos negócios e intervala a sua praxis política com políticas liberais, neoliberais e sociais, quando dá jeito. Mas é, essencialmente, um partido de mercado e do mercado.
Neste colete-de-forças em que o PSD se encontra, julgo que quando Rangel referiu que iria libertar o futuro, talvez tivesse um lapsus linguae, pois aquilo que ele verdadeiramente pretendia significar é que iria libertar o PSD duma direcção funesta e perniciosa que fez com que o PSD perdesse eleições, perdesse coesão interna, perdesse credibilidade e liderança e uma capacidade de geração de propostas políticas que fizeram dele o maior partido da oposição com vocação de poder.
Logo, Rangel deveria ter dito que iria libertar o PSD de Ferreira Leite, que o tem agrilhoado em mediocridade e até contagiado com o vírus da "ditadura" quando Ferreira Leite defendeu no American Club que Portugal deveria implementar as suas reformas por recurso à ditadura. Esta é mais um desafio para Rangel, libertar o PSD dum discurso anti-democrático e medíocre que só apouca o PSD e os seus eleitores, por isso Ferreira Leite é tão contestada e detestada internamente. Não surpreende, tamanha é a sua falta de cultura política e cultura democrática.
Neste sentido, Rangel tem mesmo de romper a bolha da mediocridade gerada pelo discurso e pela praxis danosa de Ferreira Leite, desde que foi eleita no fatídico Congresso de Guimarães, berço da nacionalidade, por ironia do destino.
Veremos como Rangel prepara simultaneamente várias coisas, que se exigem a um candidato a PM: o discurso para vencer Pedro Passos Coelho e o seu projecto liberal para Portugal, e, ao mesmo tempo, estrutura as bases programáticas para o projecto de modernização e desenvolvimento do PSD para o país. E, ao mesmo tempo, libertar-se da tralha ferreirista que lavra no partido da Lapa e que poderá emperrar os impulsos reformistas de Paulo Rangel.
Com Rangel, teremos um Estado neoliberal, mercantil remetendo sempre a receita dos problemas para as forças do mercado, ou um Estado mais social e interventor?! Como irá Ranagel diminuir o peso do Estado na economia e na sociedade? Que doutrina social, política e económica animará o programa de governo de Rangel para Portugal?! Ninguém sabe, so far…
Uma coisa é certa, Rangel tem tanto de inteligente e combativo como de kamikase, aquela intervenção pitotécnica no PE – denegrindo a imagem do seu próprio país, ainda que ele visasse a pessoa do PM, só revela que Rangel não consegue domesticar alguns impulsos da sua personalidade que, em momentos críticos, lhe podem ser fatais e expõem o país a ataques especulativos com prejuízos financeiros para todos nós.
A emergência de Rangel é, antes demais, um sinal retardado da vitalidade do PSD, mas revela coragem e determinação, além de alguma incongruência, já que assumir a responsabilidade do PE perante os eleitores vale, doravante, zero. É como mandar a confiança dos eleitores às malvas, ainda que Rangel considere ser o fiel intérprete dos problemas que Portugal atravessa neste momento crítico.
A esta luz, e ante o vazio de ideias do PSD nos últimos anos, a que Cavaco também não foi alheio ao secar a emergência das elites nas décadas de 80 e 90 do séc. XX, Rangel apresenta-se agora como o ex-deputado, o ex-secretário de Estado, o actual europedeputado à liderança do PSD e candidato a PM.
Fá-lo imbuído da necessidade do rompimento, da mudança (mais interna ao PSD) do que estratégica, pois ainda se desconhece o programa de governo do psd de Rangel para o País. Mas a sua emergência é, sem dúvida, mais positiva do que negativa e importa para o debate interno do PSD a lógica da competitividade de ideias e de projectos que tem estado arredada da vida do partido. E é também isso que tem deixado o PS governar à vontade, transferindo-se o centro de gravidade da oposição para o BE e para o CDS. Que também ficariam com a vida dificultada caso Rangel venha a conquistar o poder no PSD.
Tudo visto e somado, Rangel oferece ao mercado político do PSD várias coisas: uma ampliação mais credível, combativa e representativa do maior partido da oposição.
Ampliando a pluralidade de vozes internas que estavam adormecidas e que agora acordam para o combate de ideias visando a governação, na lógica da rotatividade do poder. Nesta medida, diminui o campo de apoio social nas bases do PS - que também conta com uma massa eleitoral movediça e oscilante que determina as suas opções de voto mais em função das lideranças partidárias do que em razão dos programas políticos que ninguém lê e raramente são cumpridos.
E amplia as forças e os grupos tradicionalmente ligados ao PSD (o mundo dos negócios) que têm estado um pouco marginalizados do partido que na oposição nada tem para oferecer. Além de poder ampliar a rotatividade das pessoas nos cargos decisórios ao nível da vida interna do partido, impedindo, desse modo, a cristalização de uma elite perniciosa, laxista e estéril que actualmente coloniza a vida do PSD de Ferreira leite, um mero apêndice de Belém, ou o seu "porta-voz não autorizado", como em tempos referia, com ironia, Vital Moreira.
O problema, lá está, são as derivas fundamentalistas de Rangel e a sua apetência para a asneira demopopulista com laivos neoliberais: a "asfixia democrática", o seu mais recente discurso no PE - denegrindo a imagem de Portugal – expondo até os mercados nacionais à fúria dos especuladores bolsistas que hoje comprometem as dinâmicas de modernização e desenvolvimento dos espaços nacionais.
Rangel, de facto, tem que se moderar, assim como Sócrates também terá de o fazer perante a violação sistemática ao segredo de justiça e às reacções ao mau jornalismo que acaba sempre por ir morrer à praia.
Seja como for, com Rangel à frente do PSD não haverá o risco de alguma incultura e impreparação intelectual e técnica de que Pedro Passos Coelho já deu mostras, evitando-se também o cinzentismo de que Aguiar-Branco é o expoente mais elitista na vida interna do PSD.
Rangel é, de facto, um perigo potencial para Sócrates e para a manutenção do seu governo no país.
Se assim for, Portugal livra-se, perdão, "liberta-se" de Ferreira Leite e da tralha que ela levou para o PSD nestes últimos anos. O que, só por si, já é um grande tributo à democracia social, política e económica em Portugal e um tributo à inteligência e sensibilidade dos portugueses.

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