sexta-feira

Luz fina - por António Vitorino -

Nestas duas semanas as atenções do mundo estarão centradas em Copenhaga, na Conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas. Trata-se da mais relevante reunião internacional que tem lugar neste dealbar do século XXI e foca um tema essencial para o futuro da humanidade: o equilíbrio ambiental do planeta!dn
Depois de um período longo de controvérsia e até de negação do problema, hoje a necessidade de responder às alterações climáticas parece ser partilhada à escala global. A evidência científica de partida não é mais contestada, embora subsista a controvérsia quanto à amplitude da ameaça e, consequentemente, quanto à natureza e impacto das respostas a encontrar.
O processo que nos conduziu a Copenhaga tinha um objectivo claro: definir o quadro global de referência que sucederá ao denominado Protocolo de Quioto, cuja vigência termina em 2012. No dealbar desta conferência já se sabe que dela não sairá um texto juridicamente vinculativo, um tratado, mas antes uma declaração política orientadora que será ulteriormente traduzida num acordo jurídico internacional. A questão central consiste, pois, em saber qual o grau de ambição e de detalhe dessa declaração política que prefigurará o tal tratado que sucederá a Quioto dentro de dois anos.
As boas notícias são que pela primeira vez parecem estar criadas as condições para constituir uma verdadeira "coligação mundial", um tratado internacional que responda ao facto incontornável de que os efeitos das alterações climáticas a todos afectam, não conhecem fronteiras e deles decorre uma responsabilidade colectiva universal de protecção dos equilíbrios ambientais e da diversidade dos ecossistemas. A predisposição de países que ficaram fora do Protocolo de Quioto, como os Estados Unidos da América, a China e a Índia, de aceitarem um quadro jurídico vinculativo constitui um elemento encorajante e que legitima as expectativas com que aguardamos as conclusões de Copenhaga.
Claro que não podemos subestimar as dificuldades. Ao enunciar como objectivo uma redução para metade das emissões de gases com efeito de estufa até 2050, com base no nível de emissões de 1990, de modo a garantir que a temperatura média do planeta não subirá mais de dois graus Celsius até ao fim do século, os detalhes técnicos de redução das emissões, a escolha do ano de referência ou a comparabilidade com outros critérios (como o subscrito pela China e pela Índia referente à diminuição da intensidade carbónica por unidades de produção) serão muito relevantes para termos uma fotografia real sobre se o acordo alcançado está ou não à altura do desafio global.
Mas, do ponto de vista político, um acordo depende tanto do reconhecimento do impacto da ameaça como da confiança mútua e do sentido de solidariedade que deve caracterizar a resposta global que se procura.
Ora, para proporcionar um tal acordo global, há três elementos essenciais.
Por um lado, o reconhecimento da responsabilidade transacta dos países desenvolvidos no estado actual das emissões. Sabendo que nos próximos anos o PIB dos países desenvolvidos crescerá em média 2% e o dos países em desenvolvimento 8%, será desigual o seu impacto nas emissões de CO2, mas a contabilização desse impacto não pode ignorar as responsabilidades passadas de uns e de outros na definição de um acordo equilibrado para futuro.
Em segundo lugar, o incentivo aos países em desenvolvimento para que cresçam de maneira amigável do ambiente exige apoios financeiros à reconversão dos seus sistemas produtivos. Saber quem contribui, com quanto e segundo que critérios de distribuição será decisivo para o sucesso da conferência e de um futuro tratado.
E finalmente, se estamos perante um verdadeiro desafio global, os avanços tecnológicos que permitam um "crescimento inteligente e verde" têm de ser partilhados, o que exige a conciliação da sua natureza de "bens públicos globais" com os interesses económicos de quem apostou na sua investigação e aplicação concreta. O que passa também por transferências de tecnologia dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento de forma equitativa e equilibrada.
É a esta luz fina que importa ler a declaração que será dada a conhecer ao mundo no próximo dia 18 de Dezembro.
Obs: Divulgue-se.