Novas escolhas - por António Vitorino -
O sublinhado é nosso.
No termo da campanha eleitoral para as autarquias locais, importa chamar a atenção para um paradoxo que envolve esta escolha. Trata-se, sem dúvida, da eleição que mobiliza mais candidatos à escala nacional, nesse sentido sendo a mais abrangente do ponto de vista da participação dos cidadãos e, ao mesmo tempo, é a escolha de titulares de cargos públicos que, com maior frequência, estão sujeitos a suspeições e, nalguns casos até, a processos judiciais que deram já origem a condenações, embora nem todas ainda transitadas em julgado. A função autárquica traduz uma "democracia de proximidade", em que os eleitos são mais conhecidos dos eleitores em termos pessoais do que noutras eleições de índole nacional. Esta imediação torna a escolha muito personalizada, o que explica, aliás, que em muitos concelhos do País os resultados eleitorais para as eleições legislativas não coincidam, em termos partidários, com os das eleições autárquicas. No domingo veremos até que ponto é que esta regra se manteve, dada a proximidade destes dois actos eleitorais, entre nós, este ano.
No Eurobarómetro que a Comissão Europeia promove há vários anos, a pergunta sobre o grau de confiança dos cidadãos nas instituições tem respostas mais positivas nos dois extremos da escala proposta: os cidadãos tendem a declarar mais confiança nas instituições globais, logo mais distantes do seu quotidiano (à cabeça, as Nações Unidas…) e, logo de seguida, nas que lhes estão mais próximas, precisamente as autarquias locais! No fundo da escala de preferências, surgem os parlamentos e os governos nacionais…
Esta confiança depositada nos órgãos autárquicos parte de um ponto fácil de compreender: a sua acção tem mais directamente a ver com os problemas quotidianos dos cidadãos, aqueles que têm uma repercussão imediata na sua vivência, onde agir ou não agir é mais facilmente perceptível pelos eleitores.
Neste plano, se atentarmos no perfil do voto dos portugueses em eleições autárquicas, veremos que existe uma forte taxa de reeleição dos presidentes de câmara, alguns mesmo tendendo a eternizar-se no lugar. E se a escolha, neste plano, exprime satisfação ou, pelo menos, condescendência dos eleitores, a lei aprovada na recente legislatura limitando os mandatos autárquicos a três consecutivos constitui um incentivo para uma progressiva renovação dos titulares do cargo de presidente da câmara. Em consequência, cerca de metade dos presidentes que vão a votos no domingo habilitam-se ao seu último mandato. Se se mantiver a matriz da reeleição, será particularmente interessante ver quem surge nas respectivas listas em segundo lugar e quem encabeça as listas da oposição, na expectativa de, mesmo perdendo desta feita, estar a criar lastro para a próxima escolha eleitoral daqui a quatro anos.
Mas as eleições autárquicas não se reduzem a uma escolha de pessoas marcada pelo conhecimento mais directo dos candidatos pelos próprios eleitores. Nas grandes cidades, elas são, também, um marco do posicionamento partidário. Em Lisboa e no Porto, desde logo, onde figuram altos responsáveis dos dois principais partidos, sendo que em ambos os municípios o PS defronta coligações do PSD com o CDS. E, embora nestes dois casos as personalidades dos candidatos contem muito, será também aqui que o voto útil mais se pode fazer sentir e influenciar no resultado final.
No caso de Lisboa, as sondagens apontam para uma vantagem de António Costa, que centrou a sua campanha nas questões da agenda do município por contraponto a uma campanha da coligação PSD/CDS mais virada para a personalidade do candidato e temas mais gerais, a que decerto não será alheia a situação interna que se vive no PSD de uma presumível (nova) disputa pela liderança, dinâmica onde normalmente o candidato Santana Lopes costuma marcar presença.
Por outro lado, dois dos partidos que mais subiram nas recentes eleições legislativas (CDS e Bloco) partem para esta eleição cada um apenas com um presidente de câmara eleito, sendo interessante ver se os ganhos de há três semanas terão ou não sequência no resultado autárquico de domingo. E, como sempre, a CDU pretenderá manter o seu lugar tradicional de terceira força autárquica à escala nacional.
Obs: António Vitorino analisa aqui as questões autárquicas com a mesma categoria com que costuma comentar as questões nacionais. Ainda por cima com um toque cosmopolita, (onu)siano. Acertando no diagnóstico dos resultados das legislativas é verosímel que acerte também nos resultados das autárquicas na capital. A grande é dúvida saber se António Costa e o PS ganham com maioria absoluta, necessária para reformar a cidade, ter uma racionalidade política na Assembleia Municipal e, com isso, estruturar, planear e realizar as grandes políticas públicas municipais importantes para a sustentabilidade da vida de Lisboa para as próximas décadas.
Seja nas questões mais básicas e prementes: saneamento, circulação, iluminação, limpeza - como também ao nível dos mega-desafios como a construção das novas acessibilidades, os desafios energético-ambientais, o desafio demográfico (saber como atrair população para Lisboa em condições condignas de habitação, emprego e vivência) e depois um conjunto de macro-objectivos ligados ao conceito de Lisboa cidade amigável; Lisboa, cidade de oportunidades; Lisboa, cidade sustentável, competitiva, inovadora e internacionalizada, dotada de um governo próximo, rigoroso e participativo.
De resto, a institucionalização do Orçamento Participativo na vida da cidade já fez muito pelo destino das populações. E será por este conjunto de razões, todas integradas na agenda política de António Costa e do Programa de Governo UNIRLISBOA - que deverá conquistar a maioria absoluta na cidade no próximo domingo.
Em rigor, trata-se duma questão de confiança, e as cidades precisam desse "cimento-social" para se modernizar e desenvolver.
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