Dos homens de Estado ao estado a que os homens chegaram: a cristalização de Cavaco
O PR Cavaco Silva é um homem previsível, por isso o risco de fazer análise antes de ele ler os seus textos oficiais é baixo, senão mesmo nulo. Pelo que diz e pelo que omite, na sua cadeia cirúrgica dos silêncios do poder que procura alimentar e, doravante, justificar, Cavaco sempre foi um político previsível, um homem normal, médio na sua forma de pensar e actuar. A deriva que procurou jogar em sede de plena campanha eleitoral, assente nas alegadas escutas foi, objectivamente, uma tentativa de interferir no curso e nos resultados eleitorais. Como? Ajudando Manuela Ferreira Leite, sua amiga pessoal e hiper-protegida de Belém a chegar a S. Bento, e condicionando Sócrates na sua acção. Cavaco, na prática, quis lançar uma espécie de Freeport II à cara de Sócrates na esperança de lhe minar o moral de campanha, desmotivá-lo, prendê-lo à angústia e à inacção e, no limite, levá-lo à paralisia. Eis o magno objectivo de Cavaco. Eis o que o dito Cavaco hoje à noite procurará tornear, derivando o seu discurso para questões laterais que o batalhão de assessores se encarregaram de engendrar para encher o discurso d' hoje à noite. Será como encher um túnel de vento através de leques... E isto é tanto mais triste quando um homem, qualquer que ele seja, nada tem para dizer e é, por força das circunstâncias, obrigado a falar. Cavaco caíu na sua própria esparrela, por isso é hoje um político sem cotação no mercado das ideias, sem valor facial, minado pela sua própria ambição desmedida de querer teleguiar S. Bento a partir do Palácio Rosa. Cavaco, no limite, é, hoje, curiosamente, um político que representa a "má moeda", cunhando-se a si próprio pelos vícios da sua acção no terreno, violando os princípios da isenção e da imparcialidade que era suposto ter enquanto Presidente de todos os portugueses. Cavaco converteu-se no chefe de fila da actual comissão liquidatária do PSD. A hiper-protecção que concedeu a Dias Loureiro no caso BPN, às acções que comprou e vendeu à latere dos mecanismos formais do mercado, as interferências sucessivas de Belém em S. Bento, alguns vetos infundados, os apoios descarados que os assessores de Belém deram a Ferreira Leite aquando da sua forçada entronização no PSD no âmbito do fatídico Congresso de Guimarães.. Todas essas evidências violam o princípio da imparcialidade e da isenção que o PR deveria ter relativamente aos demais partidos políticos. No decurso da guerra psicológica que sempre se empreende em contexto eleitoral, Cavaco teve um momento de fraqueza e resolveu conceber um expediente que servisse simultaneamente os interesses políticos do PSD e os seus interesses pessoais e políticos, e foi aí que entrou em cena o peão Fernando Lima ao tentar plantar uma falsa notícia na Madeira para comprometer Sócrates e todo o Governo em funções. As coisas tiveram um efeito de boomerang e Lima foi jogado borda fora como quem cospe o caroço duma azeitona para o caixote do lixo da rua da Junqueira. Cavaco ficou comprometido perante os portugueses e prometeu falar após as eleições legislativas. É o que fará logo à noite, se nenhuma situação anómala ocorrer entretanto. E o que fará Cavaco com o seu discurso da noite? Falará ele de escutas, do SIS, do país real, da alegada asfixia democrática, do método da ditadura para empreender reformas em Portugal, do fracasso rotundo de Ferreira Leite, da agricultura, da competitividade nacional, das exportações, do PIB, das energias renováveis, da melhor forma como poderá executar a tal cooperação estratégica com Sócrates?! Não sabemos. O que sabemos é que Cavaco procurará, dentro daquele seu estilo que os portugueses já conhecem bem, entre o enjoado e o angustiado com a saliva no canto dos lábios a acumular-se e a gargante seca a patinar reclamando água, tentar fazer a quadratura do círculo: - dizer-se um idealista e, como tal, justificar a sua atitude em nome de valores universais e que o faz sinceramente, quanto quanto é possível sabê-lo; - dizer-se um cínico invocando o sagrado egoísmo pessoal confundido com a razão de Estado à moda de Nicolau Maquiavel algarvio. No primeiro caso procurará assimilar os verdadeiros interesses do seu País aos da humanidade, portanto Cavaco deseja uma presidência da república mais segura, livre de microfones, porque também é esse o seu desejo para o mundo, para a humanidade. É o tropismo universal de Cavaco, pugnando por um mundo livre, justo e sem microfones, ainda que ele tenha confundido um microfone com o sininho de um gato que vagueava nos jardins do Palácio Rosa. Se optar por seguir o segundo caso procurará (re)sofisticar os indícios e/ou as evidências que tem (ou que foram forjadas) a fim de justificar que nada se pode e deve sacrificar à segurança do Estado, mesmo que, por ridículo, o enredo perpasse pela alegada escuta de um órgão de soberania sobre outro, ou seja, de S. Bento sobre Belém, apesar do escasso interesse intelectual e político que sopra destas paragens, a ajuizar pela fraca produção política do PR desde que tomou posse. Cavaco, na prática, vagueará entre o mais ridículo idealismo universalista (justificando os direitos dele com os da humanidade inteira, credo!!!) e o realismo mais demodé da década de 80 do séc. XX que o procurará respaldar atrás do escudo da sua lamentação angustiante. Uma lamentação que não passará duma ilusão discursiva que já o está a conduzir à ruína política, mas não sem tentar intoxicar a opinião pública como fez no decurso da campanha eleitoral: enunciando o problema e depois dizendo que não falaria. Então para que fez o enunciado do problema assente nas alegads escutas a Belém, senão para criar dificuldades suplementares a Sócrates e ao Governo?! É óbvio que Cavaco não conhece a obra de L. Wittgenstein, mas também é bom não querer fazer dos portugueses uma cambada de alienados que vão à bola e vêem o programa do Fernando seara, o paraquedista de Sintra que se locupletou do seu artificial amor ao Benfica para assaltar o poder autárquico. Cavaco é hoje um homem só, rigidificado nos métodos de acção, cristalizado no tempo, embaraçado com ele próprio pelos seus próprios silêncios do poder que não soube administrar. O PR lida mal com o imprevisto, ele não sabe imaginar novas soluções para velhos problemas, e hoje está confrontado com isso. Numa palavra: o PR ficou dentro do seu próprio colete-de-forças, donde estribucha, tentando acenar aos seus reclamando ajuda, mas já ninguém o vê ou ouve. Cavaco,enquanto político (já ia para dizer homem de Estado!!!) sempre teve medo do risco, e, agora, já com alguma idade, dá um passo maior do que a perna e sabe que está na iminência de cair. Mas também sempre foi prudente, só que desde que tomou posse não soube cultivar esse valor tornando-se o chefe de banda do PSD de Ferreira Leite, e é esse alinhamento partidário e pessoal que irá esmagá-lo perante os portugueses e perante a história, quem sabe mesmo impedi-lo de concluir com dignidade o seu mandato. Perante tanta pobreza politico-institucional até Mário Soares ganha um novo élan na história política contemporânea. Cavaco, mesmo antes de falar, até porque nada terá para dizer, é já um homem politicamente morto e Belém transformou-se num imenso cemitério. ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Whatever "Ferreira Leite" Wants- Sarah Vaughan
<< Home