sexta-feira

A 'maçada' do voto - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
in DN
O voto em branco exprime com maior clareza a vontade de participar mas a rejeição das alternativas.
Um dos aspectos mais interessantes da eleição do Presidente Obama foi a invulgar capacidade de mobilização que ele revelou quer dos eleitores que exerceram o seu direito de voto pela primeira vez quer dos que, durante muito tempo, tinham optado pela abstenção.
É sabido que das próximas eleições para o Parlamento Europeu não será de esperar um resultado equiparável, faltando-lhes quer a polarização de um rosto europeu quer a tensão inerente a uma escolha que separa as águas entre quem governa e quem fica na oposição.
A tendência dominante na Europa aponta, assim, para um sentimento de indiferença, expresso numa alta taxa de abstenção esperada, em linha com a evolução registada na última década. Nas duas últimas eleições (1999 e 2004) a abstenção ultrapassou mesmo a fasquia dos 50%.
O paradoxo desta evolução é que as taxas de participação vão descendo à medida que os poderes do Parlamento Europeu se vão ampliando, em virtude das alterações sucessivas dos Tratados. Desta feita, com a possível entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os 500 milhões de europeus são chamados às urnas para escolher aqueles que serão, sem dúvida, os mais influentes e determinantes de todos os deputados europeus desde sempre.
As dificuldades de mobilização e de motivação dos eleitores começam já a ser interpretadas quer pelos apelos a que não se vote como sinal de protesto quer pelos que pretendem que se use o voto em branco com um determinado significado político.
Entre as duas situações há um mundo de diferenças e até de cultura democrática, mas em ambos os casos estamos perante atitudes inconsequentes.
Em democracia não há uma interpretação única possível para a não participação eleitoral. E é totalmente ilegítimo pretender construir uma doutrina na base de uma atitude passiva cujo significado, por definição, nunca será unívoco.
Por contraponto, o voto em branco exprime com maior clareza a vontade de participar mas a rejeição das alternativas oferecidas. Mesmo quando a escolha poderia ser feita pela menos má das soluções. Mas dificilmente se poderá pretender construir uma qualquer proposta positiva na base de uma atitude de não escolha, até porque podem ser múltiplas as razões de tal atitude.
Vistas as coisas da perspectiva dos eleitos, a decisão daqueles que participam e optam por uma de entre as alternativas oferecidas corresponde à legitimação de quem assim lhe vê confiado um mandato de representação política. Ainda mais quando a eleição é apurada com base num critério de distribuição de mandatos proporcionalmente aos votos obtidos.
Logo, as imperfeições do sistema eleitoral ou a insuficiência da participação não geram um problema de legitimidade mas antes revela um problema de motivação política. Por isso, nesta campanha que ora termina, muitos cederam à tentação de apostar na mobilização para o voto fazendo reverter a escolha para o estrito campo da política nacional (a teoria do "cartão amarelo" ao Governo, brandida por todos os partidos da oposição), o que em larga medida explica a quase ausência dos grandes temas europeus da maior parte dos discursos dos candidatos nesta eleição.
Mas esse "passe de mágica" não invalida que aqueles que vão ser eleitos no próximo domingo acabem mesmo por ter de decidir sobre essas grandes questões europeias sobre as quais pouco ou nada disseram no momento da celebração do "pacto de confiança" que sempre se estabelece numa eleição entre eleitos e eleitores. O futuro da Agenda de Lisboa, a renovação da Estratégia Europeia do Emprego, as novas regras de luta contra as alterações climáticas, o modelo futuro da arquitectura financeira europeia e global são os temas centrais em relação aos quais os que não participam, os que não escolhem e os que, sendo candidatos, nada dizem, contribuem para que da eleição acabe por resultar um verdadeiro cheque em branco.
Quando os impactos dessas decisões europeias se fizerem sentir nas nossas vidas quotidianas, no nosso bem-estar, nas nossas ocupações profissionais como é que poderemos pedir responsabilidades a quem tiver decidido se nem nos dermos "à maçada" de ir votar?
Obs: Infelizmente António Vitorino tem razão ao analisar ao pormenor esta relação de "amor & ódio" que se estabelece entre o eleitor e o eleito em contexto eleitoral. Ontem passava na tv imagens dos portugueses agendando as suas férias, revelando que isso está à frente de tudo o mais, até votar.
O que poderá prenunciar uma larga abstenção. Mas pode ser que existam razões ocultas, que os sábios das ciências sociais (incluindo aqui os engenheiros-sondajeiros que vivem das sondagens) não conseguem quantificar e qualificar - e que daí resulte uma forte presença do eleitorado nas urnas, ou seja, uma taxa de abstenção abaixo dos 30%.
Se isso suceder tal releva de duas coisas: 1) os portugueses, na hora "h" revelam ter consciência; 2) e, por outro lado, os portugueses já se consciencializaram que grande parte da legislação que induz investimento, produção, qualidade de vida e bem-estar é oriunda da UE.
Os portugueses podem ser distraídos, mas não são parvos...
Pode ser que desta vez, como se trata duma maratona eleitoral, os portugueses resolvam dar uma lição moral e política a si próprios - e aos políticos que os governam - afluindo em massa às urnas.
Até porque se isso acontecer é Portugal que "envergonha" a Europa - que nestas matérias também acumula uma grande taxa de abstenção.
Uma coisa é certa, a abstenção só favorece os partidos mais radicais e anti-sistema, como o PCP e o BE - partidos-gémeos que se odeiam porque disputam o mesmo eleitorado, e que até são partidos anti-europeus (apesar de estarem representados na Europa); resta o psd de Ferreira leite - que não tem liderança, projecto, identidade ou visão.
Para bom entendedor...