sexta-feira

Imaginação precisa-se! por António Vitorino

Espera-se clarificação dos contornos da designação de Durão Barroso, o único candidato ao lugar. in DN
Quando os chefes de Estado e de Governo se reunirem em Conselho Europeu neste final de semana serão chamados a tomar duas decisões que terão repercussão na vida pública da União nos próximos meses. Por um lado, trata-se de dar início ao processo de escolha da nova Comissão Europeia e, por outro, de traduzir em compromissos firmes o acordo político de Dezembro passado que permita a realização de um novo referendo na Irlanda sobre o Tratado de Lisboa.
Na primeira vertente trata-se sobretudo de definir um horizonte de certeza sobre o procedimento a seguir, muito especialmente designando o candidato a presidente da Comissão. Não existindo dúvidas sobre o facto de Durão Barroso ser o único candidato ao lugar, do Conselho Europeu espera-se apenas que clarifique os contornos da respectiva designação, abrindo as portas para que o Parlamento Europeu possa iniciar já em Julho próximo o processo.
Embora se tenham suscitado algumas questões sobre o quadro legal aplicável (se o Tratado de Nice em vigor se o Tratado de Lisboa, uma vez entrado em vigor ou, pelo menos, já regularmente ratificado por todos os Estados membros da União), decerto será encontrada uma solução que preserve as prerrogativas do Parlamento Europeu ao mesmo tempo que estabilize o processo de escolha do novo Colégio de Comissários, evitando hesitações, ambiguidades ou vazios de poder.
No segundo domínio, trata-se de consolidar o quadro de garantias que o Governo irlandês considera necessárias para poder desencadear no Outono um novo referendo ao Tratado de Lisboa.
Estas garantias giram em torno da preservação inalterada da legislação irlandesa em matéria de direito da família (e muito especialmente quanto ao regime restritivo do aborto) e de fiscalidade, reiterando que qualquer alteração futura em matéria de impostos europeus continuará a depender do acordo unânime de todos os Estados da União.
Em paralelo, a Irlanda obterá uma declaração formal no sentido de que os novos horizontes em matéria de segurança e de defesa e de cooperação em operações militares (designadamente a denominada cooperação estruturada em matéria de segurança e defesa) de nenhum modo poderá afectar a tradicional política de neutralidade do país celta. Neste plano, trata-se de reafirmar os princípios de base do Tratado de Lisboa quanto à participação voluntária nessa cooperação estruturada e retirar as ilações em matéria de solidariedade europeia, reconhecendo à Irlanda autonomia total nestes domínios que, embora tenham sido integrados na estrutura comum da União como efeito da abolição da estrutura de pilares criada em Maastricht, mantêm, contudo, no essencial, a actual matriz intergovernamental.
Finalmente será adoptada a fórmula jurídica que permitirá a manutenção de um comissário designado por cada um dos Estados membros na próxima e nas futuras Comissões Europeias. Neste ponto sabe-se que a maioria dos restantes países da União pretende que a solução a encontrar não obrigue a uma nova ratificação do Tratado de Lisboa (ou da parte pertinente) pelos respectivos parlamentos nacionais (o que, aliás, a ocorrer, atrasaria de modo significativo a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2010, tal como foi indicado pelo Conselho Europeu de Dezembro passado). Mas este é também o ponto politicamente mais sensível para a Irlanda, onde a obtenção de garantias jurídicas se afigura mais relevante e que maior impacto poderá ter no debate e no desfecho do novo referendo.
Decerto será encontrada uma solução a contento de todos. Por um lado, porque esta exigência irlandesa é muito apreciada pelos países de pequena e média dimensão da União, que assim também passarão a beneficiar de tal garantia jurídica como ganho líquido a expensas das dificuldades irlandesas. E, por outro, porque dar garantias jurídicas sem nova alteração do Tratado de Lisboa é sempre uma boa ocasião para os juristas das instituições europeias mostrarem que também eles podem dar provas de espírito inovador e capacidade de imaginação. Oportunidade que nem sempre têm e que por isso decerto não deixarão escapar entre os dedos.
Obs: É curioso que o analista António Vitorino tenha começado este artigo com a palavra cujo conceito mais tem faltado à Europa nestes últimos quatro anos: a Imaginação.
E deve ser por uma dupla razâo: 1) aquilo que faltou a Durão barroso domésticamente, aquando da sua efémera passagem pelo Executivo em Portugal deixando um défice monstruoso foi, precisamente, 2) o que tem faltado à projectada Europa neste mandato na Comissão Europeia: imaginação.
Ou melhor, a imaginação de Durão só se fez sentir na forma de captura do poder pessoal, mas não na forma do seu exercício em prol do bem comum. E o resultado está à vista, até pela cabeça de Marcelo, que o enquadrou através dos equilíbrios internos na UE, circunstância que o tem aguentado naquela onda de poder de agradar a gregos e a troianos e ir navegando à vista...
De facto, aquilo que mais tem faltado à Europa foi aquilo que sobrou a Durão na sua lógica de captura de poder pessoal. Por isso Durão, quando se fizer a história política da última década da UE, ficará associado a duas coisas: à mediocridade neoliberal das políticas de W. e consequente guerra ao Iraque, e ao vazio de poder, de estatuto e de prestígio duma Europa a 27 que mais parece uma melancia rachada em milhares de fragmentos espirrando jactos de sangue para todos os lados. Até para a cara de Durão...
Valha-nos a Irlanda!!!