quinta-feira

Crise constitucional - plo Jumento -

Crise constitucional, in Jumento
Os nossos constitucionalistas, alguns deles ainda políticos no activo, criaram um sistema político equilibrado, esse equilíbrio existe entre o parlamento, o governo e o Presidente da República, manifesta-se igualmente na independência e competências do Ministério Público. No plano dos princípios tudo deveria funcionar bem, mas para isso seria necessário que os diversos órgãos respeitassem as suas competências e norteassem a sua intervenção obedecendo aos princípios que lhes presidem.
Mas quem pode confiar nisso se ainda esta semana o presidente do sindicato dos magistrados do Ministério Público garantia aos portugueses que ia vigiar o funcionamento do Ministério Público. E ninguém questionou ou protestou por tal javardice soviética? Onde está na Constituição que ao presidente do sindicato de uns quantos funcionários públicos (no sentido em que são pagos com o dinheiro dos impostos) cabe vigiar a instituição que vela pela legalidade democrática? Como cidadão tenho o direito de dizer a esse senhor que vá vigiar o galinheiro do seu quintal pois a Constituição estabelece quem vigia quem e não consta lá nenhuma referência ao senhor Palma. Há uma grande diferença entre o delegado sindical de uma fábrica têxtil e o Ministério Público, algo que os nossos magistrados sindicalistas não percebem, actuando como no tempo em que os patrões fugiam para o Brasil e eram os sindicatos a gerir as empresas.
Temos, portanto, um Ministério Público vigiado por um sindicalista designado pelos seus pares. Tudo isto parece pouco normal, mas quando um Presidente chama a Belém o sindicalistas a quem os colegas se queixaram em vez de consultar o Procurador-Geral é evidente que tudo está de pernas para o ar. Os investigadores borrifaram-se no Procurador-Geral e queixaram-se ao sindicalista, por sua vez o Presidente da República ouve o sindicalista em vez de questionar o Procurador-Geral. Por este andar ainda alguém se engana e pensa que o sindicalista ém Procurador-Geral por inerência.
Mais de trinta anos depois de ter sido adoptada a Constituição uma boa parte da campanha presidencial foi passada a discutir as competências do Presidente da República com Cavaco a sentir-se apertado no cargo a que concorria. Depois da eleição tem sido o descalabro, assessores do Presidente a intervir na escolha da liderança do PSD, assessores a fazerem intriga na comunicação social, assessores que ninguém sabem quem são e que supostamente não deveriam estar autorizados a sair de Belém, deviam estar tão bem guardados como as galinhas do senhor Palma. A famosa cooperação estratégica deu lugar ao recado, à intriga e à calhandrice mais ou menos pública, com os assessores ou supostos assessores a terem um papel inédito na política portuguesa. Era bem preferível que Cavaco Silva tivesse assessores para servirem Portos de Honra, como sucedia na Câmara Municipal de Lisboa.
Não sei como são as relações institucionais entre Cavaco e Sócrates em privado, em público têm sido aquilo que se tem visto, pautada por um jogo de recados, de elogios e críticas, de apoios e retiradas do tapete. Chegou-se ao ponto de a líder de um partido da oposição se parecer com o presidente não oficial, antecipando as suas comunicações e intervenções. E se as relações entre Cavaco e o parlamento não são melhores, com Cavaco a criticar publicamente o parlamento, esquecendo que é a sede da democracia.
O disparate chega ao ponto de Cavaco convocar os partidos para discutir o cenário que sairá das próximas eleições legislativas, isto depois de defender uma coligação e um dia ou dois depois de duas sondagens não darem a maioria absoluta a um partido. Dantes os presidentes ouviam os partidos depois das eleições, agora o Presidente da República chama os partidos para discutir futuros resultados eleitorais com base nas últimas sondagens.
Depois da crise financeira, da gripe A, da crise de nervos em consequência da actuação vergonhosa da justiça só nos faltava uma crise constitucional desenhada por um Cavaco Silva que parece que depois de ter sido primeiro-ministro durante dez anos ainda desconhece as suas competências ou, muito pior do que isso, não está satisfeito por ser só Presidente da República.
Obs: Divulgue-se, anexando várias xerox: uma para Belém, outra para o PGR, o título para o sr. Palma - que numa entrevista recente a Judite de Sousa na RTP revelou bem as suas preocupações e agenda, além do seu calibre tecno-intelectual: 60% das questões referiu não poder responder, 30% delas denunciou banalidades e o restante foi demo-populismo neocorporativo de quem está na classe para servir os interesses corporativos dos majistrados e não qualificar e melhorar as condições em que opera a Justiça em Portugal.
Foi, portanto, uma entrevista em pequenino, muito pequenino com um 2º propósito: punir Sócrates por ter empreendido algumas reformas no sector que tirou regalias e privilégios feudais à classe que se acha acima de todas as outras. O sr. palma é, pois, o novel representante deste demopopulismo neocorporativo bem patente nas sondagens revelando o que os portugueses pensam dessa casta (improdutiva) que se julga àparte.
Se há sector que está mal em Portugal é a Justiça: bloqueia negócios, impede investimentos, escavaca a economia e danifica o PIB, acelera a falência das empresas, logo contribui decisivamente para o aumento do desemprego, premeia a corrupção e o amiguismo na administração da justiça, promove as fugas de informação como modus operandi de perseguição política (o caso Casa Pia e o Freeport são dois desses paradigmas invertidos), empresta uma má imagem de Portugal abroad, e, com tudo isso, aquilo que o PR faz é receber o sr. Palma - (que ainda consegue ser mais contraditório e trapalhão do que uma certa líder da oposição que passa a vida a corrigir-se) - que hierarquicamente deveria reportar a Pinto Monteiro (PGR) e não a Belém.
De facto, como refere o autor da reflexão acima, está tudo de "pernas para o ar", o funcionamento destes feudos neocorporativos estão a inverter o funcionamento do sistema democrático e isso, de per se, representa também um forte rombo no tão proclamado rule of law.