sexta-feira

Campanhas eleitorais - por António Vitorino -

O Presidente da República alertou para o risco do facilitismo, o qual alimenta as ilusões populistas.
No seu discurso do 25 de Abril, o Presidente da República chamou a atenção para a necessidade de os partidos políticos adoptarem nas campanhas eleitorais que se aproximam um comportamento consentâneo com o período de crise que vivemos.
Naturalmente que este apelo tem em primeira linha a ver com as propostas políticas que serão submetidas ao eleitorado. A resposta à crise será, pois, o tema dominante do debate eleitoral, e em larga medida o sentido do voto estará ligado à consistência das propostas que vierem a ser apresentadas tanto quanto à avaliação das responsabilidades de quem neste momento exerce o poder.
Neste aspecto, importa que as diferentes propostas eleitorais não esqueçam que, por muito dominante que a crise seja hoje nos nossos quotidianos, há mais problemas no País para além da crise. A necessidade de reformas de fundo no plano político, económico e social há tanto diagnosticada não se confina à procura da saída da crise no curto prazo. Daí que as deficiências estruturais, em termos de desenvolvimento económico e competitividade, em termos de igualdade de oportunidades e de combate à pobreza e às desigualdades, em termos de correcção das imperfeições do sistema político e de aprofundamento dos direitos de participação, não devam ser subalternizadas no debate democrático eleitoral. Até porque, em vários aspectos, estes temas também estão intimamente relacionados com a forma como respondermos à crise e o modo de emergir dela será determinante para o nosso futuro colectivo.
Ainda no plano da substância das propostas partidárias o Presidente da República alertou para o risco do facilitismo, o qual alimenta as ilusões populistas que medram em ambientes de crise económica e social. Vender a ilusão de que as tarefas que nos esperam nos próximos anos terão soluções fáceis, rápidas e até indolores significa mitigar a gravidade dos problemas com que nos confrontamos e acaba por resultar em pesadas facturas a pagar mais tarde.
Mas o discurso presidencial foi mais longe e debruçou-se também sobre a própria forma de fazer as campanhas eleitorais, designadamente quanto à sobriedade dos meios e dos respectivos custos.
Neste plano, os destinatários da mensagem são em primeira linha os agentes políticos, os partidos e candidatos. Com efeito, as modernas tecnologias de informação e de comunicação contêm um potencial, no plano da informação e do diálogo político, que junta um espectro largo de audiência com um custo bastante menor do que o dos meios clássicos de campanha. A recente eleição de Barack Obama demonstra que a aposta nestas fórmulas de comunicação interactiva entre candidatos e eleitores pode representar um instrumento de grande eficácia. Iniciativas recentemente tomadas pelos dois maiores partidos políticos portugueses (o site pessoal de José Sócrates e a linha de contacto telefónico de Manuela Ferreira Leite) apontam neste sentido.
Explorar estes meios de comunicação, tanto na vertente da difusão da informação quanto na do estabelecimento de redes de diálogo e de debate político constitui assim o primeiro passo a dar. Mas a resultante só será positiva se, ao mesmo tempo, os partidos abdicarem de certos modelos clássicos, seja a distribuição de objectos pretensamente utilitários ou de toneladas de papéis que ninguém lê, seja a realização de comícios a que assistem na sua esmagadora maioria os convertidos e que são organizados apenas para a alimentação com imagens dos serviços noticiosos das cadeias de televisão.
Só que para que esta pequena "revolução cultural" na maneira de fazer campanhas se processe é necessário também que os próprios meios de comunicação social abdiquem de entrar no jogo da pretensa comparação da capacidade de mobilização dos partidos em função das "enchentes" dos vários comícios ao longo da campanha…
Até porque me diz a minha experiência que frequentemente, nesse género de manifestações organizadas, o fervor da mobilização varia na razão inversa da probabilidade de vencer… E duvido muito de que as tais imagens de multidões acabem por fazer a diferença na decisão de voto individual dos indecisos, que, em última instância, são os que decidem do resultado de uma eleição!
Obs: Mais sobriedade nas promessas eleitorais por forma a que o prometido seja cumprido e o império da verdade se instale na política, mais responsabilidade por parte dos agentes políticos na formulação dos respectivos programas eleitorais e, já agora, mais responsabilidade por parte dos media na cobertura das campanhas de todos os actos eleitorais.
Diria que a recessão - que é global e tem uma forte componente europeia afectando o nível de vida dessas sociedades - coloca-nos perante a conjugação dois valores: a necessidade e a liberdade - que, aliás, motorizam a própria dinâmica história. E entre esse nó górdio da economia com a política - que opera como uma espada de dâmocles sobre a cabeça das sociedades, está, precisamente, a tese de que os problemas relativos à acção exigem um conhecimento dirigido aos fins da acção, ou seja, um conhecimento para aplicação, algo que deverá estar vertido nos programas políticos e eleitorais de cada partido em vista da solução prática dos problemas que visam resolver na sociedade.
No fundo, este apelo à racionalidade política do PR eficientemente interpretado por António Vitorino traduz, creio, um apelo à melhor filosofia (para pensar os problemas e equacioná-los nos programas eleitorais de cada partido) e à melhor ciência política - para empregar os meios mais eficientes de os resolver. No fundo, melhor pensamento para melhor acção. E é nesta fórmula que encontramos a verdade política.
Como diria Luís Vaz de Camões, a necessidade aguça o engenho, e em épocas de crise os portugueses sempre contornaram o cabo das tormentas em que se meteram, ou as próprias circunstâncias nos envolveram...
Mas não sejamos ingénuos ou irrealistas: actualmente não se contorna o cabo das tormentas com 30% da tripulação a remar a norte e os restantes 70% a remar a sul (desnorteando a própria bússola da navegação). Daí o perigo dos governos de coligação, que à mínima vicissitude quebram a confiança e colocam o País numa instabilidade permanente.
No fundo o PR, Cavaco Silva, tem razão: a verdade política que ele proclama (e bem) exige governos de estabilidade hoje só possíveis através de maioria absoluta.