Jogos de linguagem em Filosofia. Evocação de Bertrand Russel
You can pick your friend, you can pick your nose; you cannot pick your friend's nose! Dot Parker (via Cila. S.)
Será que podemos de facto escolher os nossos amigos? Ou a configuração e textura das suas "pencas", o que é de somenos importância...
A questão, aparentemente, decorre dum mero jogo de linguagem, mas talvez vá além disso. E nesse "além" há um imenso depósito de informação, conhecimento e sabedoria que a filosofia analítica inaugurou no início do séc. XX, quer com a chegada de Wittgenstein a Cambridge em 1912 para estudar com Sir Bertrand Russell e, como acabou por acontecer, para o influenciar de forma significativa.
Depois sobrevieram as duas guerras mundiais, mas nesse entretanto - de 1919-39 - e devido à influência dos escritos de B. Russell e do Tratactus Logico-Philosophicus (1922) de Wittgenstein, a filosofia analítica acabou por dominar a filosofia britânica. E na década de trinta, época da subida ao poder do "nosso amigo" Adolfo, as ideias de Russell e Wittgenstein foram adoptadas e desenvolvidas de modo sistemático, e mais radical, pelos positivistas lógicos do círculo de Viena e por Reichenbach e o seu círculo em Berlim. Enfim, isto está escrito e documentado.
Mas aquela asserção inicial releva para o plano da argumentação por múltiplas razões que importa aqui sumariamente registar:
1. Podemos escolher os nossos amigos, mas não a família em que nascemos. Podemos escolher o local para onde vamos residir ou o modelo do carro que vamos comprar, mas não os nossos pais nem os nossos filhos. E nesta impossibilidade - temos de nos adaptar ao jogo biológico da vida que impõe os seus caprichos e as suas regras - que depois subscrevemos (ou não).
2. A segunda vantagem de enunciados daquela natureza é que permite construir níveis de argumentações que são o núcleo essencial da própria filosofia, pondo de parte as pretensões dogmáticas que não raro lhes andam associadas. Ora, importa à filosofia eliminar essas ervas daninhas que só mistificam os planos de argumentação e toldam a visão e o enunciado correcto dos problemas. Podemos escolher os amigos, mas já não podemos escolher ou decidir qualidades morais ou intelectuais e/ou físicas neles. Isso, já é demais... Deus, ou o que for, não nos concedeu poderes para tanto. Por vezes, nem sequer encontramos lugar onde arrumar o carro, quanto mais... Portanto, este exercício ajuda construir argumentos, distinguir premissas e estabelecer conclusões com coerência. No fundo, ajuda-nos a pensar com um método (da tal filosfia analítica), misto de filosofia, matemática, psicologia, epistemologia. Podemos ter parte do que desejamos, mas nunca o todo. 3. Todavia, fica sempre a sensação de que persiste a impossibilidade de atingirmos uma interpretação final, decisiva, fechada. É aí que se abre caminho para a decepção e o relativismo que tantas vezes culmina no pessimismo socio-antropológico como condição para defeinir a própria condição humana, até numa linha hobesiana que leva ao pessimismo, por vezes a melhor forma de realismo.
4. Certamente que aquele enunciado terá menos relevância do que determinar o que é a Justiça, a Arte, e questões maiores ligadas à governação duma sociedade. Mas o objectivo é sempre o mesmo: a verdade. E por vezes nem amigos, nem amigos com nariz aquilino ou doutro formato - nos é dada a possibilidade de escolha. São o peso das circunstâncias que nos moldam, só muito excepcionalmente somos nós a moldar as circunstâncias. Obama, por exemplo, moldou e dobrou as circunstâncias, mas ele representa um caso verdadeiramente excepcional. Não se revelando, como muitos vaticinaram - uma simples tonelada de marketing e plástico debitando frases e slogans eficientes no plano comunicacional. 5. De modo que existe aqui, naquela simples asserção, uma relação entre a lógica, a psicologia e a epistemologia, relação essa promovida por Russel em matéria de significação como base do uso da linguagem de sentido, com regras e signos próprios, mas que têm um potencial de explicação enorme para tudo o resto.
Em suma: a asserção inicial coloca o problema da relação entre as palavras (a teoria) e os factos, ou entre a linguagem e o mundo, e a solução que os filósofos arranjaram foi integrar várias ciências - como a matemática e a filosofia - como forma de resumir essa realidade aparecendo agora como realidades fundidas ou indossiciáveis do próprio conhecimento para melhor captar o mundo exterior - que se pode centrar no nariz do nosso amigo ou num problema de Justiça, Arte ou Governação bem mais complexo na gestão das sociedades contemporâneas em contexto de globalização competitiva e de economia e sociedade abertas. Numa palavra: a preocupação com a filosofia analítica é, naturalmente, a verdade. Mas isso (também) não significa que algo continue a escapar-nos, algo fique de fora desse círculo do conhecimento que damos por adquirido. E esse algo pode ser, precisamente, o nariz desse nosso amigo...
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