segunda-feira

Evocação de Barbosa du Bocage : retrato próprio e Sonho. A Água...

Retrato próprio
Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão na altura, Triste da facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno.
Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura; Bebendo em níveas mãos por taça escura De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento; Saíram dele mesmo estas verdades Num dia em que se achou mais pachorrento.
Bocage Sonho
De suspirar em vão já fatigado, Dando trégua a meus males eu dormia; Eis que junto de mim sonhei que via Da Morte o gesto lívido e mirrado:
Curva fouce no punho descarnado Sustentava a cruel, e me dizia:
Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada, Que armado de cruentos passadores Aparece, e lhe diz com voz irada: Bocage
Manoel Maria Barbosa du Bocage - Um clássico da literatura Portuguesa:
A ÁGUA
Meus senhores eu sou a água
que lava a cara, que lava os olhos
que lava a rata e os entrefolhos
que lava a nabiça e os agriões
que lava a piça e os colh...
que lava as damas e o que está vago
pois lava as mamas e por onde cago.
Meus senhores aqui está a água
que rega a salsa e o rabanete
que lava a língua a quem faz min...
que lava o chibo mesmo da rasca
tira o cheiro a bacalhau da lasca
que bebe o homem que bebe o cão
que lava a c... e o berbigão
Meus senhores aqui está a água
que lava os olhos e os grelinhos
que lava a c... e os paninhos
que lava o sangue das grandes lutas
que lava sérias e lava putas
apaga o lume e o borralho
e que lava as guelras ao c.....
Meus senhores aqui está a água
que rega as rosas e os manjericos
que lava o bidé, lava penicos
tira mau cheiro das algibeiras
dá de beber às fressureiras
lava a tromba a qualquer fantoche e
lava a boca depois de um bro...
PS: Procuramos suavizar aqui alguma linguagem mais vernácula deste grande poeta que é Bocage que anda tão esquecido entre nós. Mas é precisamente por isso que merece ser evocado e promovido, especialmente em período eleitoral em que a Água é cada vez mais necessária para lavar a língua daqueles que não tendo vergonha da política que fazem (e/ou fizeram) se apresentam, de novo, a eleições numa receita estragada de bacalhau sueco e de mais do mesmo - apenas servindo-se da política para fins pessoais que nada têm a ver com o bem comum das populações e da cidade de que falava o Aristóteles.