domingo

Páscoa post-moderna: contas são contas...

Se tiver que pagar direitos de autor por esta imagem pagá-los-ei à Igreja medievalista de Monsaraz. Que Deus me perdoe por esta heresia
Absolvido deste meu pequeno pecado fotográfico entro no essencial que procuro significar: como criar um mundo em que nos seja menos difícil morrer, já que morremos todos os dias que passam e nem sequer damos por isso.
Mas sabemos que somos mortais porque nos deixam aqueles que nos amam e que amámos. Se não se afastassem, gradualmente ou de súbito, nós, talvez, não morrêssemos. Mas morremos. Temos, por isso, medo de ficar sós nessa incerteza dos tempos.
E no entanto, estaríamos nós tão sós se não tivéssemos medo? É, pois, o nosso medo que conduz à solidão. É também por isso que aqueles que poderiam amar-nos não ousam aproximar-se de nós.
Somos, na prática, uns animais estranhos, inteligentemente estranhos, por vezes mesmo bizarros: renunciamos mais depressa a ser felizes do que corremos o risco de o ser em companhia de outrem. E por uma razão simples: as novas atitudes e reacções que o amor implicaria nas nossas vidas iriam desarranjar os nossos hábitos e esconderijos, desorganizariam as nossas defesas. Ficaríamos, assim, desarmados, despidos, nús...
Dessa forma, sacrificamos essas eventuais relações e possíveis prazeres da vida a uma segurança imaginária. Por outro lado, também não desejamos alargar o círculo das nossas máscaras (salvo se formos para a política por causa dos votos), expressão cara a Fernando Pessoa, com medo de ver surgir rostos nus.
Não só não alargamos esse círculo, como o estreitamos à medida que os anos passam. No fundo, com o rolar do tempo passamos a excluir mais do que a incluir, a divergir mais do que a convergir, e isso é, inevitavelmente, o caminho ou o destino da morte - que é um mistério.
Estou até convencido que isso é um mistério quer para Deus quer para o seu filho, Jesus Cristo, pois por mais poderosos que sejam, haverá ainda Um Mistério por detrás do mistério. Neste quadro de incerteza aguda, gostamos, amamos, relacionamo-nos no medo e na incerteza.
Creio que hoje não nos sentimos verdadeiramente entre nós. Excepto numa situação: quando obrigamos os outros a manterem-se de fora, o que é a mais pura das maldades violando tudo aquilo que ora, na Páscoa, dizemos adorar: o amor a Deus e a seu filho. Tudo tretas. Encenamos toda esta coreografia místico-religiosa porque, por um lado, temos medo de morrer, por outro, o peso da história, da igreja e dos hábitos impõem este ritual anual, e até dá jeito porque são mais uns feriados que cada um utiliza da forma como pode. Uns até se estampam e matam-se na estrada, matando outros de caminho neste cruzamento sem semáforos que é a vida.
Não damos grande hipótese aos nossos casamentos, famílias, amizades e pátrias senão excluindo delas outros indivíduos, outros grupos, raças e sexos e credos que poderiam no entanto fazer-nos companhia, porque são do mesmo género e seguem alguns princípios básicos. Mas o que é paradoxal nestas épocas, é que a teoria proclama uma coisa e a nossa conduta individual e colectiva pratica outra.
Como por vezes vivemos parcial ou completamente alienados, este tipo de raciocínios pouco ou nenhum sentido farão nessas tolas duras, mas a realidade é que o homem, hoje, não passa dum ser ávaro, imprudente, arrogante, sem qualquer sentido para a aprendizagem, conhecimento ou sabedoria e depois (a)junta-se num lugar de culto, como cabras ou vacas a pastar, ou come o borrego que nem um alarve, ou estampa-se na estrada indo ou regressando da santa terrinha, e nem sequer se dá conta que vai morrer.
Ou melhor, alguns mais lúcidos sabem-no, talvez seja por isso que escolhem viver na tristeza, assim terão menos pena de morrer. É um expediente para minorar a dor duma morte a prazo.
Um rendez-Vous com Jesus Cristo alí na Boca do Inferno em Cascais, ou mesmo na Guia ou no Cabo da Roca - poderia constituir a ocasião que falta para lhe perguntar se estas merdas fazem algum sentido, ou se temos mesmo de morrer alienados e incertos quanto à nova morada.
Pois se assim é, pergunto-me para onde depois é que as contas da água, da luz, do telefone, do IMI e demais facturas serão enviadas e quem as pagará...
Devem ser os "carteiros-do-céu" que depois se encarregarão de assegurar essa distribuição. Porque contas são contas...
    • PS: Já agora faço minhas as palavras da mensagem mais bonita que recebi nesta Páscoa: Desejo uma doce Páscoa: na saúde, na amizade e no amor entre Povos!
      Também por isso fica aqui o meu beijo à O.R.
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