segunda-feira

Razões pelas quais se deve apoiar Sócrates ao cargo de PM

Hoje, ao ouvir o sr. PR (que anda em roteiro) dizendo às populações - Eu não tenho nada para Vos dizer - percebi uma coisa. Ao lembrar-me de uma clássica definição acerca do que é a pátria segundo Fernando Pessoa (a minha língua é a minha pátria) percebi outra coisa. Ou seja, já são duas coisas, e como isto nem sempre me sucede todos os dias, valerá a pena perder uns quatro ou cinco minutos com cada uma dessas coisas para perceber as razões pelas quais valerá, diante o espectro político disponível no actual mercado de ideias em Portugal, voltar a eleger Sócrates para PM de Portugal a fim de concluir um segundo mandato.
De facto, quer Cavaco quer Fernando Pessoa, nas suas distintas áreas de reflexão e intervenção social, carecem de ser actualizados. Cavaco ao dizer o que disse revela bem a sua impotência, ou melhor a impotência do País e da estrutura económica em recuperar postos de trabalho perdidos com esta inigualável crise. A sua declaração serve, in extenso, para reconhecer e até valorizar o trabalho de impulso político de Sócrates e do conjunto do Governo, mormente na esfera económica e financeira, para minorar os efeitos predadores desta recessão que está em curso no mundo, na Europa e, óbviamente, também faz estragos nesta pequena, aberta e muito dependente economia portuguesa.
Cavaco já foi PM, hoje é PR, portanto, ele melhor do que ninguém conhece as limitações do exercício do cargo de PM e que nem sempre as medidas políticas surtem os efeitos desejados, até porque as causas profundas do bloqueio ao crescimento, ao desenvolvimento e à modernização estão (também) fora de Portugal, o que agrava a operacionalidade dos instrumentos e das alavancas de política económica, fiscal, social e outras para estancar o desemprego e atrair investimento e meter a economia a crescer e gerar bem-estar e qualidade de vida aos portugueses.
Portanto, isto serve para demonstrar quão difícil é hoje governar. Mais do que no tempo em que Cavaco exerceu o cargo durante uma década, e que foi um "tempo azul", de grande afluência de fundos estruturais provenientes da Europa que serviram para modernizar a rede viária do País e diminuir muitas das suas assimetrias regionais que, infelizmente, ainda hoje existem (ainda que em menor escala). Mas as receitas que Cavaco utilizou nas décadas de 80 e 90 do séc. XX hoje não serviriam literalmente para nada. A economia rejeitá-las-ía e o tecido social e económico não as compreenderia. E é natural que assim fosse, porque algumas dessas prioridades mudaram, o mundo mudou, a economia mudou, os agentes económicos passaram a funcionar doutro modo. Nada é igual, portanto.
Por conseguinte, aquela frase de Cavaco - Eu não tenho nada para Vos dizer - evoca os tempos do Ultramar - em que as notícias, por regra, eram sempre más. O melhor mesmo era o carteiro nem sequer aparecer, assim adiava-se a angústia por mais uns dias, semanas, meses, anos... Até que o caixão regressava com as ossadas.
Isto também serve para fazer o revisionismo de Fernando Pessoa, quando ele dizia que a sua pátria era a sua língua. Em certo sentido, ainda é, mas, de facto, a pátria hoje, neste 1º quartel do séc. XXI, são as suas ilusões. Revelando que o homem é sempre uma antecipação e porvir. O homem é esse fragmento de projecto, esse naco de futuro - onde encaixa os pequenos objectivos, as metas e o mais que, a cada momento, se consideram ser os desígnios do País. Neste quadro Sócrates, com aquela garra (mitigada com alguma arrogância) é o melhor dos candidatos actualmente em Portugal a disputar o cargo de PM. Sobretudo, neste momento de imensa dificuldade a energia que apresenta é, estranha ou não, a que importa manter e cultivar. A economia é, essencialmente, um jogo de expectativas, e Sócrates sabe-o. Melhor do que Cavaco que, caso fosse hoje PM, andaria a chorar diáriamente pela esquina de S. Bento, inundando a Estrela, a Infante Santo, submergeria até o bairro de Campo de Ourique.
Isto é revelador do tipo de perfis políticos que numa economia em recessão a sociedade precisa. E Sócrates, goste-se ou não dele, corresponde mais eficazmente a esse perfil. É aquele que mais e melhor tem sabido meter mãos à obra, fazer da governação uma luta diária. Um combate com a própria realidade.
Imagine-se o que seria se Sócrates amanhã no hemiciclo dissesse a frase que Cavaco usou no roteiro: Eu não tenho nada para Vos dizer??!!! cairia o carmo e a trindade, vaticinava-se logo a tibieza do homem, a sua falta de energia e determinismo, e até viria o Belmiro de azevedo, com algum secretário do Público de sebenta na mão, proclamando a falta de perfil do homem para a governação.
Contudo, há que ser realista. Cavaco hoje anda em roteiro pelo País. Faz bem. Mas a sua prestação inscreve-se ao nível das pequenas contabilidades. Ele apenas leva a câmara dos jornalistas à boca das pessoas desempregadas que precisam de uma saída urgente para os seus problemas. Cavaco não teve ainda uma ideia para fazer sair Portugal da crise. Limita-se a cumpir calendário, ouvir as pessoas e a dar eco disso aos media. A sua ida à Alemanha traduziu-se num fracasso, e teve tanto azar que até teve de ser o mensageiro da morte do Tiago, o jovem investigador português que teve aquele triste fim. Cavaco, mesmo que não queira, é hoje a face de uma certa passividade que ocorre no País, ainda que não tenha culpa directa no sucedido. Mas já tem responsabilidade política em ter acordado tarde demais para a função de embaixador económico - que só agora, no seu 3º ano de mandato, resolveu praticar. Não se percebe porquê tanto sono político em Belém... Pergunto-me se o Estatuto dos Açores o ocupou assim tanto tempo.
Já o exemplo de Sócrates parece-me diferente. Ou seja, o actual PM parece-me alguém que é sovado diáriamente, mas tem a energia suficiente para se levantar do ring da realidade e tentar derrotar as circunstâncias. Ele começa sempre de novo, e com mais energia do que na véspera, e é isto que polariza confiança nas pessoas, nas instituições e no tecido conjuntivo da sociedade. Por isso, até é bom que ele se amuralhe, que se converta numa fortaleza, numa rocha para melhor dar cabo da crise. Sabendo que para além da tempestade pode emergir um caminho plano, a reta que todos queremos percorrer, atingindo os objectivos pessoais, institucionais e políticos dos 10 milhões de portugueses.
Nesta ordem de problemas, irrompe a questão: que homem Portugal hoje precisa? Alguém que mesmo sendo vencido, saiba levantar-se, ter capacidade de reacção, tirar partido da experiência e da Europa - que também vive uma inércia inaudita, para, no fundo, driblar as circunstâncias que hoje pesam sobre todos nós.
Portanto, a frase - Eu hoje não tenho nada para Vos dizer - de Cavaco e a pátria é a minha língua de Pessoa, carecem hoje de revisão. Naquele caso porque polariza pessimismo, mau para o comportamento dos agentes económicos; no caso de Pessoa - porque são hoje as ilusões (e não apenas a língua) que constituem a pátria do homem.
Começa hoje a fazer-se o balanço, e importa retomar o fio dos acontecimentos. Com base na ordem política e na constância. Aquela ajuda-nos a planificar melhor as coisas, a sistematizá-las e a traçar uma hierarquia de aspirações realistas para o País. A constância decorre, precisamente, daquilo que Sócrates tem em maior quantidade: vontade, a energia que lhe permite lutar diáriamente sem entrar em pessimismos e em negações que, a terem lugar, só empurrariam Portugal ainda mais para o fundo do poço...