sexta-feira

Sem retorno - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
SEM RETORNO, in dn
António Vitorino
Jurista
Submergidos pela crise, tendemos a perder a visão do médio prazo e a reconduzir tudo às agruras da conjuntura. O que, sendo compreensível, não nos pode dispensar de tentar ver um pouco mais além e antecipar a sociedade que seremos quando finalmente emergirmos das dificuldades presentes.
Parece evidente que não voltaremos ao ponto onde estávamos antes da crise. A criatividade financeira que alimentou para os países, para as empresas, para as famílias e para as pessoas a ilusão de viver a crédito para sempre, vai conhecer fortes restrições durante bastantes anos. A seguir à crise teremos todos a sensação de estarmos mais pobres, no cômputo entre perdas reais e perdas virtuais ou meramente contabilísticas.
A intensidade da crise, sem precedentes nas últimas décadas, acentuará também o efeito predador do emprego que todas as anteriores crises cíclicas tiveram. O que exigirá um esforço adicional de imaginação e de concertação social para recuperar, na próxima retoma, ainda que apenas parcialmente, o emprego destruído pela crise em curso.
Os modelos de desenvolvimento ocidentais geraram uma retórica da contínua ascensão na escala social, como consequência do crescimento económico, do acesso universal aos sistemas de ensino e da correspondente melhoria das condições de vida. Esta aspiração a tomar o "elevador social" alastrou à escala planetária e, nos últimos anos, conheceu casos de sucesso na China, na Índia e no Brasil, quer em termos de luta contra a pobreza quer em termos de constituição de classes médias dotadas de aspirações próprias. Quando vemos que a crise, nos últimos seis meses, destruiu todos os progressos registados na Ásia nos últimos quatro anos em termos de luta contra a pobreza e quando tomamos conhecimento de que cerca de 30 milhões de chineses tiveram que abandonar as periferias suburbanas das grandes cidades para voltarem para as suas zonas rurais de origem por não terem mais emprego, do que estamos a falar é de seriíssimos retrocessos sociais de consequências ainda imprevisíveis.
Por tudo isto compreende-se que os decisores políticos estejam sobretudo preocupados com a reacção aos impactos imediatos da crise, no sentido de minorar os seus efeitos e de a tornar tão curta quanto possível. Mas isso não nos dispensa de reflectir sobre os grandes problemas económicos e sociais que teremos que enfrentar mesmo para além da crise e que tipo de vida colectiva vamos ter na próxima década. Essa reflexão poderá, em parte, iluminar as medidas de combate à crise, distinguindo entre as que antecipam o futuro e aquelas que apenas visam camuflar a pesada conta do passado.
Nota final: A este propósito, na semana em que foi divulgado que, em 2008, mais de 35 mil imigrantes pediram a nacionalidade portuguesa, o presidente do Governo Regional da Madeira veio fixar em 20 o número de imigrantes extracomunitários a admitir na região... Para além de saber se o pode fazer, eis um bom exemplo de quem ainda não percebeu a sociedade em que terá que viver nos próximos anos (e eventualmente até... continuar a governar a Madeira!).
Obs: António Vitorino deixa-nos aqui uma leitura tão realista quanto macroscópica da realidade global que hoje nos afecta a todos. Preocupado em clarificar que aos políticos caberá governar no curto mas também no médio e longo prazos. Ou seja, se dominar a conjuntura é importante, crucial é antever a estrutura política, financeira e social que já se começa a sedimentar.
Neste sentido, AV lembrou-me aqui as preocupações históricas e epistemológicas da chamada Escola dos Anais francesa - com Marc Block (fuzilado pelos nazis) e Lucien Febre (e depois, numa 2ª geração conduzida por Fernand Braudel) - influenciados pelo método sociológico de E. Durkheime. Também por Georges Duby, Jacques Le Goff e outros. Em períodos de crise como o que vivemos, é natural que o pensamento se agite e se forme à pressa, sob stress gerando novas dialécticas entre os políticos, os historiadores e os cientistas sociais em geral - buscando novas interpretações para os problemas comuns que hoje se colocam a todas as sociedades, logo à governação.
No final do artigo o autor ainda se lembra que Portugal tem no poder um titular de um cargo político há 30 anos no poder cuja bandeira tem sido: pedinchar cada vez mais trocos ao Continente - que agora alterna com proclamações verdadeiramente racistas e xenófobas que já nem sequer são dignas de um País do 4º mundo.
Começo a desconfiar que o problema de Al berto Jardim não está bem nele, mas na turma de pessoas alienadas que continuam a crer na gosma das suas lamentáveis e anti-democráticas declarações. Nem em ditadura este pequeno soba regional conseguiu ir tão longe.
Proponha-se, portanto, a sua adesão à OUA.. Veremos se o aceitam.