domingo

Giacomo Casanova. Carnaval em Veneza

Giacomo Casanova (1725 - 98)
Por graça chamo a um amigo "Casanova de Campo d' Ourique". Faço-o sem que o nome o cole à realidade subjacente à história do verdadeiro Casanova. É uma palavra bonita que tem uma sonoridade invulgar e suscita um mundo de mundos por descobrir. Hoje, não sei bem porquê, lembrei-me do Casanova. Não vou falar do meu amigo, mas tratar do Casanova verdadeiro e do conceito de "amor competitivo" que ele, directa ou indirectamente, nos legou.
Digamos, para clarificar, que o amor competitivo é aquele em que a pessoa desenvolve se encontrar um obstáculo, um dificuldade. Que pode traduzir-se num rival, algo que barre o caminho. E uma vez desaparecido esse obstáculo esse amor também se dissolve. Por conseguinte, o amor competitivo é um produto da prevalência de mecanismos da perda de afirmação sobre os outros mecanismos amorosos.
E é aqui que entram formas de pseudo-enamoramento ou de paixão parcial vertidas nas figuras famosas de Don Juan e, mais paradigmáticamente, Giacomo Casanova - de que aqui nos ocupamos. Mas se aquele não passa duma figura literária, Casanova é um personagem histórico, com uma densa e diversificada biografia, que fez estragos onde passou não deixando ninguém indiferente. Por isso merece atenção especial. Além disso foi um escritor, escreveu as suas memórias e era um verdadeiro artista na arte da lisonja, recorria a estratagemas para conquistar as mulheres por quem se enamorava, embora mal elas cedessem o "amor" de Casanova dissolvia-se.
No filme O Regresso de Casanova, protagonizado por Alain Delon, o grande aventureiro veneziano já de meia-idade - chega a uma vila onde vive uma mulher a quem ele amou apenas por uma noite, enquanto ela continua a amá-lo por toda a vida e esperou o seu regresso. Ao vê-lo pensa que ele voltou por ela, mas Casanova diz-lhe que está enamorado da sua sobrinha que tem uns tenros 20 anos. Uma rapariga moderna, estudiosa que o rejeita e o despreza. Até porque está enamorada de um jovem tenente com quem passa ardentes noites de amor. Louco de paixão, Casanova experimenta todas as hipóteses para a seduzir, procura até suscitar nela piedade, compaixão, sem sucesso.
Na última noite antes de partir, Casanova joga com o jovem tenente uma partida de cartas e ganha-lhe uma soma de dinheiro avultada que este não pode pagar. Por conta desse débito Casanova pede-lhe as suas roupas para poder entrar na intimidade da rapariga, num ambiente escuro e sem que ela consiga entender que não se trata do seu namorado. O jovem tenente aceita e Casanova, através desse expediente, consegue possuí-la.
Na manhã seguinte, Casanova constata que a sua paixão desapareceu. Entra numa carruagem e parte. Fora da vila espera-o, furibundo, o jovem tenente que o desafia para um duelo. Casanova enfrenta-o e mata-o.
Isto prova a essência do sentimento de Casanova. Ele apena deseja a rapariga, na medida em que existe um rival, um obstáculo que ele pretende ultrapassar. Mas, na realidade, não existe nenhum estado de amor nascente entre ele e a rapariga. Prova provada de que Casanova foi, de facto, um grande sedutor, mas sobretudo alguém com o desejo de afirmar a prevalência do seu poder sedutor num quadro de competição. Este amor, como vimos, acaba no momento em que possui a rapariga e mata o rival.
Daí dizer-se que Giacomo Casanova pôs em marcha uma nova forma de amor: o amor competitivo. Como estamos no carnaval e num mundo povoado de máscaras emergentes e de hiper-representações talvez valha a pena meditar no imenso curriculo de Casanova, até para percebermos melhor em que mundo vivemos e compreender que, afinal, nem com a passagem dos séculos o homem mudou.
Giacomo Casanova - Its A Sin

Carnaval em Veneza