A falsificação e a colusão do mundo
Em regra cada um busca a verdade. Procura-a dentro de si, na sociedade, nas letras, no desempenho do que faz, etc. De vez em quando desempenha-se o papel do inacessível para seduzir o outro, para o cativar, para o testar. Mas logo depois tomam-se medidas correctivas para engrenar na máquina da verdade e abandonar as reservas artificiais. Isto também é válido para o lado institucional da vida, pelo que as pessoas têm necessidade de compensar os defeitos e os receios mostrando qualidades que não têm. E é daqui que nasce o mecanismo que hoje faz rolar o mundo, porque os mecanismos de representação escondem a autenticidade das pessoas, as suas qualidades e verdadeiras motivações. Por exemplo, se o processo acontecer num casal, a coisa não é muito grave, embora se constate que cada um fica agarrado à sua mentira, à sua representação, e quando assim é estamos diante da colusão. Que vem de cum-ludere e significa entendimento secreto para se enganar reciprocamente. Pois cada um compensa a sua falta pondo em acção o falso eu, e o outro aceita-o, encara-o bom, pois é-lhe útil para também por em marcha a sua falsa imagem de si. Ambos, em rigor, fingem e não podem deixar de fingir, de representar. Hoje a política em Portugal, e um pouco por todo o mundo, vive dessas hiper-representações, dessas colusões. Desses processos de sedução incompletos que se mantém até aguentarem o grande teste da verdade. E quando isso ocorre a colusão é bloqueada porque a mentira recíproca que anima o dispositivo deixa de ser sustentável, e o processo de historicização tem de encontrar outro mecanismo para continuar o jogo social. Mas é aqui que o homem bate no muro d'aço, porque o passado nunca é libertado, e assim nunca é redimido acabando sempre por voltar, e o risco de reproduzir a situação anterior é grande. Ou seja, hoje todos vivemos - mais do que na ilusão - experienciamos à escala global esse mecanismo da colusão. Hoje parecemos todos músicos numa pequena orquestra de província que, sem querer, assistimos a um homicídio pelos gangsters. E ninguém, em rigor, quer descobrir a verdade, porque esta não interessa nem ao "menino jesus". À falta duma ideologia global clara é, portanto, a colusão que hoje preenche esse vazio. Não entender isto é permanecer na ilusão múltipla, isto é, ser prisioneiro dum mecanismo que se desconhece e que responde pelo nome de colusão.
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