terça-feira

A crise: os indicadores e os protagonistas

Hoje não vivemos uma crise política normal, na medida em que a persistência dos problemas, a sua dimensão global e a falta de alternativas para os resolver torna tudo mais problemático. Surgem variâncias, meias soluções, hipóteses a explorar.. Ou seja, não há uma receita única, económica, financeira ou política que restabeleça a saúde na economia, devolva o emprego às pessoas e meta a economia novamente a crescer - com as empresas a produzir, o consumo interno a fazer-se, as exportações a bom ritmo, os bancos a emprestar dinheiro sem limitações de maior, etc. Nada disto hoje funciona linearmente, nessa medida estamos perante uma crise nova, atípica.
Todavia, no meio de tanta impotência global, europeia e nacional há que sublinhar duas verteentes desta nova crise múltipla - porque económica, financeira e social. A crise dos indicadores de desenvolvimento e dos próprios protagonistas. Os quais hoje já não se articulam entre si, por isso agravam os problemas dando uma imagem difusa das suas linhas de orientação tornando ainda mais difícil encontrar prioridades estratégicas para o País.
Por um lado, os números dos indicadores são hoje relativamente desvirtuados, e isto não sucede apenas com as autoridades - mas é potenciado por quem está na oposição, que quer tornar ainda mais dramáticos esses indicadores. Seja ao nível do desemprego, do investimento ou outros. Parece que a oposição precisa do drama social para se fazer ouvir junto das populações e, desse modo, capitalizar uns votinhos - à custa da desgraça alheia.
Mas a pergunta que hoje podemos fazer, tendo presente o actual quadro global de condicionamento económico, como estaria Portugal com uma Ferreira leite em S. Bento?!
Já nem me atrevo a fazer a mesma pergunta no caso de Louçã - porque nesse caso o País já não existiria, o Estado teria sido abolido e estaríamos todos nas filas dos bancos para levantar o dinheiro, das farmácias para nos curarmos, das padarias para comprar pão, do talho, etc.
Por outro lado, a dimensão dos protagonistas revela também um indicador curioso, relacionado com a própria inversão de papéis entre les uns et les autres. Especialmente, ao nível dos agentes económicos. Os sindicalistas, por exemplo, têm desenvolvido as suas posições com atitudes verdadeiramente corporativas, abdicando da sua função de orientação estratégica para operarem mais como plataformas de forças para melhor reivindicarem a defesa dos seus direitos e benefícios, ainda que sabendo que eles não são sustentáveis e que, actuando desse modo, chantagista, apenas estão a engrossar o caudal dos problemas empurrando mais excluídos para as margens do sistema. É isso que se tem passado ao nível da Educação e até do Trabalho. Duas áreas sensíveis em Portugal.
Os empresários também não são inocentes nesta nova crise, já que têm uma base patrimonial muito limitada, os mercados nestas alturas também encolhem e a porta que mais rápidamente se abre é a das falências, da deslocalização ou do puro encerramento. Por vezes feito de forma oportunista, porque aproveitando a onda da crise para tomar decisões arbitrárias que penalizam milhares de famílias em Portugal. O caso Amorim, no sector corticeiro, parece configurar esse novo tipo de crime económico oportunista que merece ser fiscalizado e responsabilizado.
Portanto, quando os sindicalistas se juntam para reclamar mais e melhor distributivismo económico (populista) só contribuem para agravar o endividamento do País e dar uma machadada na produtividade. Quando os empresários menos sérios fazem lances de engenharia empresarial apenas com o intuíto de poupar uns milhões de euros em salários - também contribuem para escavacar a saúde da economia nacional, agravando o drama social das pessoas e das famílias, além de perder iniciativa económica e gerar mais riqueza.
No meio de uns e outros, tende a aparecer uma 3ª categoria de pessoas - os gestores de endividamentos, quais salvadores da economia e da pátria. Mas, de facto, quem é o agente da mudança é o Estado. Seja por via legislativa, seja por via fiscal e de apoio às conversão dos trabalhadores libertados daqueles sectores e também por via de linhas de crédito de apoio às empresas.
E aqui aparece o PM, Sócrates, todos os dias apresentando planos de recuperação, linhas de crédito, apoios à reconversão profissional, alargando os prazos para os subsídios de desemprego - entre outras medidas de apoio às pessoas e às empresas mais afectadas por esta onda de choque. Isto num Estado cujos recursos são finitos e num país que ainda é dos menos desenvolvidos da Europa.
Ora, como os sindicalistas não conseguem gerar riqueza, o empresariado também está cada vez mais dependente do Estado - constata-se que nenhum dos grupos ou corporações em Portugal pode alterar as suas posições relativas no sistema, e como não há nenhum agente superior - em força, recursos e capacidade organizativa - superior ao Estado cabe a este clarificar a trajectória a seguir, sendo certo que o arranque do Programa de Investimentos Público possa minorar os efeitos desta crise.
Uma crise que parece irreformável a caminho duma explosão. Qualquer dia teremos de vender os anéis com os dedos...