A neoinvestigação jornalística: o novo ardina do séc. XXI
Foto tirada algures no Alentejo. Se o visse em Lisboa chamar-lhe-ía o ardina do séc. XXI. E também não seria difícil saber que jornalecos andaria ele a vender no meio do trânsito. E se estivesse entre a Praça de Espanha e o El Corte Inglês ainda acreditaria que eram as vaquinhas tresmalhadas de Palhavã quem hoje lêem a sola e a pública. Quem diz que não há leitores sagazes...
Hoje estão em curso vários trabalhos de investigação, a maior parte dos quais nunca chega a conhecer a luz do dia porque são trabalhos de investigação sem interesse, nuns casos, porque são trabalhos com interesse mais atingem um público muito segmentado noutros casos, ou ainda porque se trata de trabalhos de investigação patenteados. Destinado a fins muitos específicos, muito lucrativos. Só que aqui a novidade na dita Investigação não decorre de investigadores judiciais e criminais, especialmente competentes para identificar pistas ilícitas e ajudar a resolver crimes económicos ou outros. Também não se trata de investigação pura e aplicada realizada nas universidades e transposta para a indústria - que depois fará dela a melhor utilização em C & T - que ajudará a sociedade a produzir mais e melhor. A ideia geral que pauta a conduta das sociedades modernas - quando está em jogo a descoberta de um alegado ilícito - é engajar alguns jornalistas a psicanalisar as características do comportamento humano, detectando aí vulnerabilidades humanas, susceptibilidades para, desse modo, tirar partido delas, e mais não sei o quê e tal...
Se observarmos as peças e os produtos de comunicação correntes, constatamos que eles são deliberadamente preparados para curto-cicuitar a reflexão racional e para destacar perspectivas mais viscerais. É aqui que chegamos ao tal jornalismo-parasita na sociedade da mentira que teorizámos oportunamente.
Isto ocorre ao nível de algum jornalismo soit-disant de investigação porque, na prática o aparelho de Justiça em Portugal é um monstro monolítico que leva anos e anos a dirimir o conflito mais prosaico. Porventura, o poder político deveria ter apostado mais no poder judicial logo após o 25 de Abril, dotando-o com melhores pessoas, com mais tecnologia - para hoje termos procedimentos judiciais mais celeres em conformidade com a rapidez do tempo social que hoje nos enquadra. Porventura, o aparelho de Justiça terá aí algum capital de queixa junto da sociedade - que nele não soube investir atempadamente. Talvez as constantes zangas e reclamações de reposição da honra por parte da "vaquinha sagrada" do sindicato dos Majistrados - vitaliciamente representada por Cluny - tenha aqui a sua razão de ser.
E ao não fazer esse investimento - o Estado, os partidos, os políticos, os empresários, os cidadãos, cada um de nós - quando hoje enfrenta um problema com a Justiça espera e desespera que esse conflito seja resolvido com justiça. O sentimento que os portugueses têm do sistema de Justiça ainda deverá ser pior do que o sentimento que nutrem pelo aparelho fiscal, embora quer num caso quer noutro seja preferível entrar num hospital.
Creio que foi este desinvestimento em pessoas, em tecnologias e em métodos de trabalho modernos e eficazes ao nível do aparelho de Justiça que hoje Portugal, quando enfrenta uma "bernarda" que envolve políticos - justifica o caminho aberto para que os tais jornalistas-investigadores irrompam na opinião pública, ao serviço de jornais, naturalmente, fazendo boa parte do trabalho que era suposto estar a cargo dos órgãos judiciais competentes. Esta inversão de papéis, em que jornalistas brincam aos juízes nuns casos, noutros denunciam ambições políticas, desvirtua completamente não apenas a finalidade do aparelho de Justiça como mina os fundamentos da própria democracia e os alicerces do rule of law. A grande questão é saber a razão de ser desta inversão de papéis? Será porque alguma jornalista loura que procura demonstrar à sociedade que não é burra e nutre algum ódio de estimação pessoal relativamente a um certo político em funções? Isto até poderia acontecer, pois os crimes passionais não ocorrem só à margem da política, praticam-se também no seu seio. Veja-se o caso do autarca de Oeiras (aqui foi o sobrinho da Suíça que tramou o tio..) - em que alegadamente houve denúncias da parte de pessoas que lhe eram próximas. Mas o que está subjacente ao caso Freeport, salvo melhor opinião e até aparecerem melhores factos que justifiquem mudança de perspectiva, é que há hoje uma forte procura do lucro das empresas do sector, ou seja, dos jornais - que não deixam de ser empresas que têm de pagar salários ao fim do mês. E com as vendas a decair diáriamente porque esses "malandros dos blogues" - além de serem mais rápidos são (alguns) mais estruturados - a coisa ainda se agrava mais em termos de tesouraria empresarial. Não há arquitecto ou arquitectura empresarial que lhes valha. É óbvio que isto não passa um atestado de incompetência e de imoralidade à classe dos jornalistas, que os há bons e em bom número, mas hoje, com certos casos-empresa, o "tu-tú" é muito importante, por vezes determinante. E quando assim é invertem-se os papéis - com alguns jornalistas a brincarem aos juízes. Eu, confesso, nos meus tempos de infância e adolescência, sempre preferi brincar aos médicos e enfermeiras. Fazia sempre o papel de médico empenhado e dedicado, mesmo sem lanterna. Embora o meu falecido Pai desejasse que fosse dentista... Poupou-me... Poderia ter querido que fosse "jornalista-investigador". Se assim fosse - aquele ardina do séc. XXI - até poderia ser eu ou cada um de nós...
Bebel Gilberto - Aganju
PS: Notas dedicadas aos neoparasitas. Áqueles que fazem da meia verdade e da insinuação um método de ganhar a vida. Mas com muita "honra", diga-se...
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