quarta-feira

Ferreira Leite e a [ dupla] Ilusão do Poder

Não me lembro de ver na vida pública nacional uma líder partidária tão fora da realidade como Ferreira Leite. Não me reporto aqui às gaffes monumentais que, a exemplo de W. nos EUA, ela tem cometido no espaço público, mas à incapacidade congénita de perceber a política e de saber qual a sua finalidade.
Pergunto-me porque razão isto sucede, e a resposta não pode repousar apenas no egocentrismo nem na sua vaidade pessoal, ou desejo de protagonismo. Creio, contudo, que o problema de Ferreira leite é outro, ligado à ilusão do poder que a persegue desde a década de 80 do séc. XX - e para o qual muito contribuíu o actual locatário de Belém, Cavaco Silva.
Hoje, no seio do psd, não existe líder, o que existe é uma espécie de "direcção" - que, à semelhança das colectividades de província registam as entradas de bebidas para se apurar o lucro no final do mês. Trata-se, pois, duma contabilidade simples e comezinha no jogo do deve & haver partidário: Não ao TGV, nenhuma ideia em matéria de segurança ou prevenção contra a criminalidade, nenhuma política pública de investimentos, alinhamento oportunista com os sindicatos da Fenprof em matéria de educação, uma cambalhota em matéria de Estatuto dos Açores - de molde a que o PSD se alinhasse com Belém (parecia mal este psd pensar pela cabeça própria..) e mais um sem número de aspectos que denunciam uma total ausência de pensamento, estratégia ou reflexão sobre os principais problemas do país. E como assim é, é natural que no Parlamento, nos debates mensais, as coisas não corram de feição ao psd, porque às críticas a Sócrates - não se vislumbram medidas ou políticas alternativas ao Governo em funções, goste-se ou não dele.
Mas além da impreparação técnica e política de Ferreira leite, sobrevem o azar presente no vodú político que Luís Filipes Meneses lhe lança (nos jornais ou nas declarações avulsas que faz aos media), na sarna que representa Pedro Passos Coelho, o jovem mais velho da política em Portugal, que agora até vem defender o TGV com uma nuance curiosa (e interessante): integrar um cluster nacional para promover o emprego e a competitividade da economia nacional. Faz sentido. Dê-se os parabéns a Ângelo Correia, o eloquente.
Até nisto Ferreira leite tem um azar dos Távoras, dado que Passos Coelho poderia, num daqueles intervalos das reuniões partidárias, telefonar a Leite e dizer-lhe que o TGV pode ser politicamente defendido - ou defensável - se incluir o tal apport do cluster nacional em ordem a Portugal valorizar a sua economia e os seus recursos nacionais e massa-crítica de capital-tecnológico. Mas ninguém telefona à Manela, e a srª afunda-se sempre que abre a boca: nos jornais, na rádio ou na tv. É um processo imparável. Talvez se safe num blog (controlado por Pacheco Pereira)..
Para agravar esse processo o PSD recorreu a uma empresa de marketing (espanhola, creio) para aferir qual das lideranças agrada mais aos militantes, enviou-se o questionário para alguns militantes, mas os resultados são sigilosos. Chegou-se a este ponto!!! Um partido com líder eleita sente necessidade de pebliscitar os seus militantes para saber se a líder agrada ou não, e em que intensidade se comparado com os seus predecessores. Chega a ser ridículo. E o ridículo, como se sabe, mata.
Já nem vamos aqui falar na sua cambalhota relativamente ao apoio - compulsivo a Santana para Lisboa, nem à rigidez com que liminarmente rejeitou a possibilidade de Gonçalo Amaral, ex-Inspector da PJ e residente em Olhão, se poder candidatar à respectiva autarquia, tradicionalmente do PS. Também aqui Ferreira leite revelou falta de valores e de princípios, para não dizer um oportunismo tão grosseiro quanto lamentável. De certo modo, Leite acabou até por criticar indirectamente Cavaco - quando este se reportou à má moeda - referindo-se a Santana - por ser demagógico e populista.
Leite aparece assim na vida pública patrocinada por Cavaco. Na década de 80 foi sua ministra da Educação, só desmanchou em vez de construir algo nessa área; depois foi titular da pasta das Finanças do Governo Durão, e com ela o empresariado conheceu dificuldades, taxas e impostos. Leite, na prática, foi o algoz dos empresários em 2003...
Durão vai para Bruxelas, Leite deixa de falar a "todo o mundo". Não aceitou ser presidente do partido, não apoiou Santana, nem se sabe se era defensora de um congresso, nesse intermezzo sui generis com a fuga de Durão para a Comissão Europeia. Para Durão, tudo isto eram peanuts. E era natural que assim pensasse, pois Durão pensa sempre nele em 1º lugar, só depois vem o País. E ainda bem que assim foi, doutro modo estaria fechada a porta para Sócrates ter conquistado a maioria absoluta, em muito ajudado pela desgraça do semestre governamental que teve início com aquela tomada de posse no Palácio da Ajuda com Santana (lexotan) literalmente aos papéis, e Portas - admirado - por lhe terem atribuído a pasta do Mar, além da Defesa Nacional. Afinal, para nada, pois a sua maior despesa foi nas fotocópias e nos submarinos...
Leite, em nenhum destes processos foi uma mola resolutora de problemas ou impulsionadora de soluções para o País. Antes pelo contrário. Com a sua chegada à liderança, através do Congresso de Guimarães, foi a inércia, o dislate, o vazio que colonizou o partido da Lapa e encheu a S. Caetano de malmequeres murchos.
E tudo isto porquê???
Por causa da tal iusão do poder que, à luz de Ferreira leite, Cavaco garantia: nas décadas de 80 e 90 garantia essa protecção directamente na qualidade de PM; agora na qualidade de PR. Belém, de forma implícita, passaria a ser a rede protectora e a almofada (política) de Ferreira leite. Mas também aqui os planos saíram furados a ambos, pois nem Cavaco intuira que Leite seria tão inepta e politicamente desastrosa, nem Leite percebeu onde se metera. Uma dupla ilusão, portanto. Belém porque patrocinou um nado-morto; o nado-morto (politico) porque se sobrevalorizou. Ninguém foi realista nem humilde.
E Ferreira leite, até mesmo antes do Congresso de Guimarães, era esse fantasma mais tolerado do que desejado pelas bases do partido. Embora Pacheco Pereira, António Borges, António Preto, Aguiar Branco, Marques Guedes e mais uns poucos apoiassem a srª Leite, naturalmente. É a direcção.
Mas o que sobra hoje de Ferreira leite?
Senão ela própria e uma pequena "oficina" - em que os seus seguidores forjam espadas. Só que todas essas espadas estão rombas, nenhuma serve para a governação. E não servindo sobrevem a desolação presente num silêncio de morte.
De resto, até se costuma dizer que os homens vencidos estão atados com um silêncio de morte, especialmente aqueles que se vêem a eles próprios vencidos pelos seus inimigos (internos e externos ao partido). Seja em solicitude, em coerência, em capacidade de iniciativa política..
São estas questões - ligadas entre si - que levam a actual líder do psd a hibernar.
O recurso ao silêncio tem a vantagem de se furtar a multiplicar as asneiras, mas mesmo calada ela comete erros graves - por omissão.
Ferreira leite é hoje um actor político repleto de chagas, embora pretenda ser o médico dos outros.
Mais uma evidência e prova de que é a ilusão que lhe comanda a vida - sem que daí resulte qualquer benefício para ela, para o partido e, em última instância, para o País.
Sendo as coisas como são, e não como desejaríamos que elas fossem, a triste realidade é que hoje Ferreira leite não tem um único amigo que a possa informar desta situação.
O que prova que além dela, a "direcção" - inepta - também (sobre)vive da tal Ilusão do Poder.