segunda-feira

Um país periférico - por Francisco Sarsfield Cabral -

Um país periférico, in Público
Por muitas limitações que tenha, o plano português de combate à crise económica vai globalmente na direcção certa. Igualmente me parece que o Governo agiu bem, em geral, na resposta à crise financeira. Mas estranho tanta demora a concretizar a promessa, feita em Novembro, de o Estado (incluindo as Câmaras) pagar as dívidas em atraso. Isso, sim, seria decisivo para aliviar a tesouraria de muitas empresas.
O plano representa 1,25% do PIB, um valor considerável. No entanto, a perspectiva de uma recessão em Portugal foi muitas vezes afastada pelo primeiro-ministro. Então, como se justifica uma intervenção estatal desta magnitude? No Bartoon de Luís Afonso do passado dia 14 lia-se este diálogo: “ - O Governo anunciou um plano... para enfrentar a crise em 2009. – Mas... 2009 não é o tal ano fixe, em que, segundo o primeiro-ministro, vamos ter mais rendimento disponível?”.
Claro que o primeiro-ministro não deve contribuir para um ambiente alarmista, que só iria piorar a crise. E o ministro das Finanças tem mostrado perceber a gravidade da situação. Mas o prolongado optimismo de Sócrates tirou credibilidade ao Governo. Na sexta-feira Sócrates reconheceu que 2009 vai ser “o Cabo das Tormentas”, mas a anterior atitude acabou por ser contraproducente – o seu irrealismo diminuiu a confiança das pessoas.
A crise financeira vem de Agosto de 2007, quando o preço das casas começou a descer nos EUA, afectando os empréstimos hipotecários de alto risco e os produtos financeiros deles derivados. Em Setembro deste ano a crise agudizou-se. Depois, o Lehman Brothers faliu, lançando o pânico no sistema financeiro mundial. Para evitar o colapso, a administração republicana de Bush viu-se forçada à mais dramática intervenção nos mercados desde a Grande Depressão da década de 30. Incluindo a nacionalização das duas grandes empresas hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac e da maior seguradora mundial, a AIG.
Em Outubro calculava-se que as bolsas tinham perdido, em todo o mundo, perto de metade do seu valor. Muitos dos novos e sofisticados produtos financeiros revelaram-se, afinal, “tóxicos”, acarretando perdas descomunais, que teriam de se reflectir na chamada economia real. Na Europa faliram vários bancos. Entretanto, os preços das casas desciam em pelo menos 23 países, entre os quais Espanha, o principal cliente dos bens e serviços portugueses, cuja economia entrou em queda livre.
Pois, com este panorama – uma monumental perda de valor em todo o mundo e a economia espanhola a afundar -, a proposta de Orçamento de Estado apresentada a 15 de Outubro previa a manutenção do nível de desemprego em 2009 e um crescimento do PIB de 0,8%. O PSD discordava, apontando para apenas 0,3%. Alguns organismos internacionais, com base em informação desactualizada (numa altura em que as más notícias se sucediam todos os dias, como continua a acontecer), ainda faziam previsões pouco catastróficas.
Espanta-me como era possível, há dois meses, ter a mais leve dúvida de que 2009 seria um ano de recessão em Portugal, país altamente endividado e dependente do exterior. Disse-o na altura. Mas o debate político-partidário, tanto do lado do Governo e do PS, como do lado das oposições, continuou a encarar a situação como apenas mais uma flutuação cíclica e não uma inédita e gravíssima crise económica e social.
Têm sido deprimentes os debates parlamentares sobre a situação económica. Para além das habituais picardias políticas e das demagogias sobre “salvar os banqueiros”, discutem-se décimas na evolução do PIB, sem consciência de que o problema não está em saber se vem aí, ou não, uma recessão económica, nem em tornar, ou não, Sócrates “o primeiro-ministro da recessão” (como se outro qualquer a pudesse evitar). Não se deram conta de que o problema é saber se uma inevitável recessão não resvalará para algo de mais sério, uma depressão.
O facto de termos várias eleições no próximo ano contribui para esta falta de qualidade no debate público. Mas o motivo porventura principal para a irrelevância daquilo que os políticos dizem sobre a crise está na nossa situação periférica – geográfica, mas sobretudo cultural. Por muito integrados que estejamos na UE e por muito que as tecnologias hajam reduzido as distâncias, continuamos mentalmente periféricos. Só que hoje tudo é global.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Divulgue-se