terça-feira

A crise... sempre houve crise. Mas hoje é diferente. Caminhamos sem mapa.

A rotação da realidade política e económica - nacional e internacional - é tal que a sua imprevisibilidade obriga-nos a rever as previsões a cada hora que passa. Cidadãos, empresas ou governos têm de ser mais cautelosos sob pena de passarem por maus contabilistas, péssimos gestores, aldrabões e um bando de incompetentes na gestão dos recursos que têm à sua mercê e que procuram multiplicar e gerar riqueza e bem-estar, i.é, crescimento económico mais desenvolvimento social - para atingir a tal coesão social que as sociedades precisam.

Nesta óptica, todos nós representamos papéis, seja nas empresas seja no domínio pessoal. So far, so good... Mas em lugar dos dramas conhecidos, previsíveis ao tempo duma economia de fraquezas denunciadas, encontramos agora a regra da incerteza como teatro permanente, pelo que Estado, empresas e cidadãos - caminham às escuras, sem guião, o que é o mais grave. A improvisão é, pois, quase total. E é assim que a realidade emergente nos coloca a todos diante daquela sensação de sermos uns amadores, uns putos a querer aprender coisas novas que dalí a uma hora já são diferentes: na forma de conhecer os processos, dominar e aplicar o conhecimento, produzir riqueza, organizar o conhecimento, etc.

Cegos, sem guião, sem encenador a peça que cada um de nós deve representar fica assim comprometida. É como se tivéssemos todos idealizado um filme, sem saber filmar - embora tenhamos máquinas nas mãos. Mas sem argumento, não sabemos que cenas devemos filmar, desconhecemos como arrumar as ideias e colocar os actores em cena por forma a que o filme faça sentido, tenha uma narrativa.

Assim, amadores, todos andamos a pescar à linha. As grandes redes hoje de nada servem, e até grandes banqueiros - acabam por ir parar à cadeia, quando no passado os chamados "crimes de colarinho branco" ficavam impunes, pelo menos em Portugal.

Mas o que é mais estranho em tudo isto (leia-se, na dinâmica das sociedades) é que todos participamos, bem ou mal, muito ou pouco, participamos. Passamos do horripilante ao fantástico em segundos. Do assustador ao divertido em milésimos de segundo. De sérios passamos a vígaros, de multimilionários passamos a ter residência na cadeia, como os Srs. Bernard e Oliveira e Costa. Para eles é dramático, para a sociedade que sofreu com eles não deixa de ser divertido. Eis o mundo a cores que temos, até para os daltónicos.

O que é diferente nesta conjuntura de globalização predatória, como lhe chamou o internacionalista Richard Falk, é, precisamente, serem os elementos ocultos da globalização financeira e económica que ditam as regras ao campo político - macro e micro - e se assim não for, tomando medidas avulsas, ajustando os recursos do Orçamento de Estado para 2009 - como tem vindo a fazer Sócrates - já poderia ter ocorrido aqui algo de semelhante ao que se passa em Atenas, com a violência nas ruas que conhecemos.

O sentido novo da crise reside aqui: em não termos mapa, não dispormos de um guião que nos oriente, e é natural que numa economia global onde não há mapa o crescimento é menor, as injustiças sociais no seio de cada sociedade tende a penalizar os mais fracos, o que faz com que a situação social possa conhecer índices de instabilidade crescentes, sobretudo nos grandes centros urbanos onde se concentram a maior parte dos desempregados e dos info-excluídos.

Ainda assim esta onda de crise global que está a varrer a Europa ainda não provocou em Portugal os danos sociais que conhecemos em Espanha e noutros países. Apesar de tudo, Portugal tem a vantagem de ser um país pequeno, com uma população também diminuta à escala europeia, e se somarmos a essa dimensão três propulsores que temos e devemos potenciar, com ajuda do Estado junto das empresas para potenciar o crescimento na economia real, poderemos fazer a diferença e rumar a um desconhecido que pode trazer benefícios dentro de um ou dois anos.

Ou seja, o Estado tem e deve ser mais amigo das empresas, as empresas têm, necessáriamente, que ser mais solidárias com os trabalhadores, e, estes, no fim da linha, têm que ser produtivos e competitivos - fazendo bom uso da tecnologia disponível, e as instituições e os valores, pelo seu lado, têm de fazer leis ágeis que compreendam estes tempos de mudança, em que todos operam sem mapa.

Nada funciona no vazio, tudo aqui aparece interligado, sendo certo que o objectivo da crise é dar-lhe aquela dimensão de oportunidade que os chineses tão bem souberam fazer nesta última década, em que cresceram cerca de 10% ao ano. É óbvio que seria uma taxa exagerada para nós, portugueses, mas já não seria má ideia pensar que em 2010 a economia nacional poderá crescer a 3%.

Só sabemos isso quando lá chegarmos, e também se soubermos dar uma boa utilização à tecnologia, às instituições políticas, económicas e sociais e os valores e normas que as enquadram prestarem o seu contributo.

O impacto desses três vectores é recíproco e influencia os agentes políticos, económicos e sociais, ou seja, pode dinamizar o trabalho e a produtividade das empresas e dos indivíduos.