sábado

Midas

Portugal, tal como os demais países da Europa, começa a sentir o peso da crise. Mas a crise aqui já é recessão na Alemanha, em Espanha e noutros países europeus onde o esplendor económico até à pouco tempo se evidenciava. As coisas, entretanto, inverteram-se, como na rocha Tarpéia, donde eram precipitados os traidores, mas aqui o ponto é sublinhar que entre o momento da subida e da queda percorre-se num segundo. Infelizmente, aqui há fulgurantes similitudes entre a riqueza e a pobreza das nações (e das empresas) e a riqueza e pobreza das famílias e das pessoas individualmente.
Mas se nos perguntarem por que estamos todos em crise damos explicações vagas: subprime, quebra nas exportações, fraca produtividade, deslocalizações, desinvestimentos, muita contabilidade criativa nas instituições financeiras (cujo efeito de contágio é tremendo), enfim, os mercados dominam a onda da desgraça deste capitalismo global e de casino (fortemente especulativo): as acções cotadas em bolsa batem na valeta, as falências multiplicam-se, o risco empresarial é cada vez mais temerato. Falta na economia, no fundo, aquilo que acaba por minar as relações interpessoais: Confiança.
E como se adquire a Confiança a fim de restabelecer a estabilidade nos mercados, que vivem de investimentos, geração de riqueza, criação de emprego, bem-estar? Será que precisamos de um novo Midas neste 1º quartel do séc. XXI?!
Pelo menos temos já um dado atípico no mundo: antes os melhores cantores rap eram negros, agora, para a novidade surpreender a admiração, até já temos como promessa de melhor presidente do mundo um negro: um afro-americano que demandou a Sala Oval, Barack Obama - e de lá passará a governar a maior potência do mundo, mas que só poderá ser útil ao mundo se souber estabelecer os mecanismos de cooperação multilaterais e de ledership para engajar os outros em projectos comuns: na regulação de problemas comuns, como o da arquitectura financeira e económica internacional emergente, dos problemas resultantes das emissões de CO2 para a atmosfera e todos os outros global problems - ou os comuns da humanidade que temos de saber enfrentar.
Bem ou mal, a liberdade que assiste George Soros, Ted Turner, Buffet, Gates ou até um piroso como Justin Timberlake é bastante desigual daquela liberdade que assiste um pobre imigrante cabo-verdeano ou ucraniano em Portugal. Daqueles que a srª Ferreira leite, candidata a PM em Portugal - acha que são uns privilegiados só porque roubam os empregos aos portugueses, precisamente por estes não os quererem desempenhar. No fundo, as notas continuam a lubrificar as rodas dos carros, as rodas da vida.
O problema está em saber como atrair dinheiro num momento em que ele é cada vez mais rarefeito, difuso e também se desconhece por onde paira. Hoje voam somas astronómicas de capital duma city para outra, mas ninguém o vê nem compreende que propósitos irão realizar. É certo, que os capitalistas do séc. XXI - como os do passado recente, não vão em peregrinação ao túmulo da geografia - como alguém vai depositar uma coroa de flores na estátua António José de Almeida, alí ao Técnico. Mas em vez disso parace que hoje todos dançamos, alegremente, em torno da nossa própria sepultura, sem que nada nem ninguém consiga impedir esta voragem dos tempos: incerteza, risco, medo - vectores de esmagam qualquer oportunidade de investimento na economia.
O que resta para resolver a crise? Talvez um rei-Midas: alguém que transforme défice em superavite, passivos em activos, falências em multiplicação de criação de empresas e mais e melhores empregos na sociedade, converta as pedras do Alentejo em poços de petróleo e matérias-primas estratégicas úteis às chamadas indústrias e tecnologias de ponta.
No fundo, precisamos dum rei-Midas que em tudo aquilo que toque possa transformar em ouro. Um ouro que signifique mais e melhor investimento directo estrangeiro, mais qualidade do empresariado, melhores quadros - investindo mais intensivamente em capital-humano, etc.
O problema é que ao tentarmos fazer tudo isso, também estragamos muita coisa nessa trajectória. Não há bela sem senão. E também isto afectou Midas - que ao tocar no pão o enegrecia, os seus dentes paralisavam e não conseguia mastigar os alimentos e, portanto, todos aqueles efeitos mágicos que convertiam até as areias do deserto em ouro acabaram por ter um elevado preço.
Ou seja, quando temos sede não é ouro derretido que nos sacia, mas água, e foi isso que Midas não conseguia resolver. Hoje, as economias globais têm também sede de muita coisa, e o ouro que os respectivos Estados e reservas têm guardados nos seus cofres fortes de pouco têm servido para assegurar os equilíbrios sociais e prevenir as falências conhecidas com os efeitos-dominó que isso tem tido na economia global.
O que fazer, então?
Converter cada um de nós em Midas - além de impossível, também é contraproducente, além do mais o dinheiro é importante mas não é determinante no relançamento da economia nacional (e global). A captura da confiança é que se afigura mais complexo, mas ela talvez se conquiste, como tudo na vida - com trabalho, talento, criatividade, já que as nossas vidas e os nossos destinos (pessoais e institucionais) são mais moldados pelas escolhas que fazemos do que pelas diabruras das mudanças que não controlamos.
Ou seja, quando hoje me falaram em Midas, por entre notas musicais, - tive de esboçar um sorriso - a dois tempos: o do fascínio seguido do do desalento. Se os mitos são importantes na estruturação das realidades socioeconómicas e políticas, é através das competências que podemos (ou não) encontrar os requisitos para entrar em força neste séc. XXI - que à uma década está armado em parvo com as empresas, as pessoas e as famílias.
Por ironia do destino, aquele que era considerado o actor moribundo e disfuncionado do sistema, o Estado, acaba por ser, hoje, o paisinho de todos nós. Ainda ontem, no âmbito do Conselho para a Globalização em Sintra - que reúne informalmente políticos, empresários, financeiros, decisores da nossa praça - vimos Ricardo Salgado Espírito Santo afirmar que também vai utilizar os fundos soberanos postos à disposição da banca para melhor se financiar no exterior e, dessa forma, ter liquidez para as nossas empresas e famílias se financiarem cá dentro.
Até o BPP - que gere fortunas, vai requerer ao mesmo mecanismo. De facto, vivemos num mundo estranho cada vez mais absurdo. Por este andar, não me admiraria ver o Ricardo (do bes) ou João Rendeiro (do bpp) increverem-se nos centros de emprego para requerer o respectivo subsídio. Ou, no limite, ver ambos na minha rua pedindo moedinhas, com uma bóina esfacelada e sabuja, à saída da padaria para irem comer bolinhos e beber leitinho.
Se me pedissem uns trocos - juro aqui que os ajudaria. Cada um, no fundo, é Midas à sua maneira...
PS: Dedicado à MG.(v.) por me ter lembrado da existência de Midas, um mito que urge desconstruir. Nem que seja para, de seguida, o reconstruir. Mas também é essa a história do dinheiro, das pessoas e do mundo.