Honrar os compromissos - por António Vitorino -
HONRAR OS COMPROMISSOS, in DN
António Vitorino
Jurista
Se algo caracteriza a cultura contemporânea é o imediatismo. Os problemas e as dificuldades surgem a uma velocidade avassaladora. O mesmo se exige das soluções. Infelizmente é mais fácil quebrar do que reconstruir. Verdade que se aplica à reunião do chamado G20 que ocorreu no fim-de- -semana passado em Washington.
Compulsando as reacções da imprensa internacional, perpassa um sentimento de que as conclusões da reunião sabem a pouco. O que se compreende, vistas as coisas da perspectiva da gravidade da crise financeira e económica internacional. Mas, colocadas as conclusões em perspectiva, quem se atreveria a dizer há poucos meses que uma reunião com esta agenda a 20 países sequer poderia ter lugar?
Claro que o seu principal protagonista futuro esteve ausente: Barack Obama. O que por si só debilita o encontro. Mas ao mesmo tempo marca a expectativa que existe no mundo inteiro quanto à forma como o novo Presidente dos EUA se posicionará face aos desafios globais com que estamos confrontados.
Não assistimos em Washington à refundação do sistema financeiro internacional. Mas tal não seria sequer de esperar num momento em que substancialmente a principal preocupação continua a ser a da estabilização dos mercados e dos empréstimos bancários, instrumentais para reagir ao espectro de uma recessão global.
As perguntas pertinentes são, contudo, outras: valeu a pena a reunião? E a via que se abriu aponta na direcção certa? A ambas a resposta só pode ser afirmativa.
No seu simbolismo, a reunião de Washington marca uma formidável transferência de poder na cena económica global. Com efeito, o reconhecimento do papel central das economias emergentes (China, Brasil, Índia, Rússia) na resposta à crise internacional corresponde à realidade do seu papel central no crescimento económico à escala planetária. O corolário desta realidade implica uma alteração das posições relativas dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento nas próprias organizações internacionais encarregadas da agenda financeira global: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o Fórum de Estabilização Financeira. Ora, uma alteração dessas posições relativas terá de ir de par com uma mudança significativa das suas receitas clássicas, que tão severamente têm sido criticadas pelos países emergentes.
O Presidente brasileiro, Lula da Silva, não se coibiu mesmo de decretar a morte do G7 (o grupo dos sete países mais ricos do mundo) ou do G8 (alargado à Rússia). Mesmo que em Washington não tenha sido passada a sua certidão de óbito, a partir desta reunião o "grupo dos ricos" perdeu centralidade e terá de aprender a adaptar-se aos novos tempos... A começar pelos países europeus, que muito previsivelmente serão os que terão de "criar espaço" para a reformulação das quotas do FMI. Preço a pagar pela saudável profissão de fé no multilateralismo!
A reunião do G20 reiterou ainda o empenho num programa de estímulo à economia a ser desenvolvido pelos países que o integram. Este apelo teria decerto sido reforçado por uma decisão de intervenção conjunta e simultânea, mas a decisão de dar um novo ímpeto às negociações de comércio internacional para concluir a Ronda de Doha até ao final do ano pode representar o máximo denominador comum alcançável no curto prazo. Um sucesso nessa negociação seria decerto um poderoso incentivo para combater a tendência de recessão e de abrandamento económico fruto da crise financeira internacional.
Neste cenário em que a União Europeia viu consagrados muitos dos princípios sobre que assenta a sua estratégia comum de abordagem da crise internacional, redobram-se as expectativas quanto ao teor do pacote de apoio à economia real que a Comissão deverá apresentar no próximo dia 26 de Novembro, muito em especial incidindo sobre o apoio às pequenas e médias empresas, sobre o financiamento de projectos de infra-estruturas e sobre a aceleração dos programas de desenvolvimento regional.
Seria de todo inexplicável se os europeus fossem mais eficazes a fazer proselitismo internacional do que a "pôr o dinheiro onde está a sua boca". O mesmo é dizer, a honrar os seus compromissos! Obs: Divulgue-se.
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