Macro de grande, skopein de observar: observar o infinitamente grande e complexo. Tentar perceber por que razão a ave vive fascinada pela serpente que a paralisa e, afinal, faz dela a sua presa.
quarta-feira
Dois bons artigos: Jeffrey Sachs e Joseph Stiglitz. Kate Perry
Os EUA, por mais incrível que possa parecer e não obstante os problemas que hoje enfrentam, continuam a ser o local mais seguro para investir.
Joseph E. Stiglitz
O mundo mergulhou numa grave crise global e é muito provável que fique para a história como a pior dos últimos 25 anos, desde a Grande Depressão, e como a crise ‘made in America’.
Os EUA exportaram os seus créditos hipotecários tóxicos para todo o mundo sob a forma de títulos de dívida privada. Mas não só. Também exportaram a sua filosofia de mercado desregulado que, até o seu maior defensor, Alan Greenspan, reconheceu recentemente ser um erro. Mais: exportaram a sua cultura de irresponsabilidade empresarial, como as opções de acções opacas, que além de encorajarem uma contabilidade menos rigorosa acabaram por desempenhar um papel determinante no actual colapso dos mercados. Além disso, e não menos importante, exportaram o seu abrandamento económico.
A administração Bush conseguiu, por fim, fazer o que todos os economistas pediam há já algum tempo: injectar liquidez nos bancos. Mas não há bela sem senão. Porquê? Porque o secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, conseguiu subverter aquela que era uma boa ideia ao descobrir uma fórmula para recapitalizar os bancos que não permite relançar os fluxos de crédito.
A dívida pública dos Estados Unidos é uma das razões por que nos devemos preocupar com o mau negócio que a administração impôs aos contribuintes americanos. É bom não esquecer que, antes da crise, já se previa que a dívida pública norte-americana passasse de 5,7 biliões de dólares em 2001 para mais de 9 biliões este ano, e que o défice de 2008 ascendesse a meio bilião de dólares – valor que deverá crescer no próximo ano devido ao agravamento da crise.
Os Estados Unidos precisam urgentemente de um pacote de estímulo, mas é de esperar que os defensores de um orçamento conservador em Wall Street – ou seja, aqueles que estiveram na origem da actual desaceleração – apelem a um maior controlo da despesa e à contenção do défice orçamental.
Entretanto, a crise alastrou aos países emergentes e menos desenvolvidos. Os EUA, por mais incrível que possa parecer e não obstante todos os problemas que hoje enfrentam, continuam a ser o local mais seguro para investir. Não admira por isso que as garantias dadas pelo governo americano sejam mais credíveis do que as oferecidas por um governo do terceiro mundo. Certo é que os países em desenvolvimento vão viver tempos difíceis, visto os EUA continuarem a “sugar” as poupanças mundiais para fazerem frente aos seus problemas, os prémios de risco não pararem de subir e o rendimento global, as trocas comerciais e os preços das matérias-primas manterem uma tendência de queda. E alguns – especialmente os que apresentavam maiores défices comerciais antes da crise, os que tinham de prorrogar o prazo do pagamento da dívida pública por esta ser muito elevada e os que mantinham relações comerciais mais estreitas com os EUA – vão sofrer mais do que os outros. No entanto, os países que não liberalizaram os seus mercados financeiros e de capitais, como a China, vão certamente congratular-se por não terem cedido às pressões de Paulson e do tesouro americano nesse sentido.
Muitos já solicitaram ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O problema é que, nalguns casos, o FMI se vai sentir tentado a adoptar as suas velhas e fracassadas receitas, designadamente a contracção orçamental e monetária. Uma solução que só iria agravar as injustiças globais porque, enquanto os países desenvolvidos se iriam empenhar na estabilização das políticas contra-cíclicas, os países em desenvolvimento seriam obrigados a “desestabilizar” as suas, afastando os fluxos de capital no momento em que mais precisavam deles.
Há dez anos, em plena crise financeira asiática, falou-se muito na necessidade de reformar a arquitectura financeira global. Mas pouco foi feito, ou muito pouco como agora se pode ver. Então, muitos pensaram que estes nobres apelos visavam monopolizar as reformas reais: os que haviam sido bem sucedidos no velho sistema sabiam que a crise acabaria por passar, tal como a insistência nas reformas. Ora bem, não podemos deixar que isto volte a acontecer.
Quem sabe estamos hoje perante um novo “Bretton Woods”. As velhas instituições já reconheceram que é necessário reformar o sistema, mas o que devia ser um processo rápido tem sido, acima de tudo, moroso. Primeiro não fizeram nada para evitar esta crise; segundo, receia-se qual possa ser a sua resposta agora que a crise se instalou.
Foram precisos 15 anos e uma guerra mundial para o mundo se unir e lidar com as fragilidades do sistema financeiro global que estiveram na génese da Grande Depressão. Esperemos que, desta feita, não levemos tanto tempo. O actual grau de interdependência e os custos seriam, seguramente, demasiado elevados.
Os EUA e a Grã-Bretanha foram os protagonistas do “velho” Bretton Woods, mas hoje o contexto global é radicalmente diferente. Sabemos agora que as instituições que daí emergiram, assentes em doutrinas económicas muito concretas, falharam redondamente nos países em desenvolvimento e, inclusive, nos países berço do capitalismo. A cimeira global agendada para dia 15 em Washington terá que lidar com estas novas realidades se quiser criar um sistema financeiro global mais estável e justo.
Tradução de Ana Pina
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Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia
Obs: Via Câmara Corporativa que sinaliza sempre boas leituras de análise social, económica e política. Se assim é, não se perca mais tempo com o jornaleco ou o pasquim da sonae que "editorializa" sempre a contraciclo (ainda carregando nos ombros o síndrome da Opa à Pt) e, ainda por cima, com péssimas manchetes (as manchetes à Zé Manel do "dois passos à frente e três à retaguarda" a evocar o Mao-Mao) e com uma fraca teorização económica revelando que, afinal, nem as básicas lições de J. M. keynes aquela gente aprendeu. Mas também não admira, pois nem uma licenciatura[zeca] conseguiram tirar. Então, pelos idos 70, também era mais importante andar a fazer greves do que estudar e trabalhar. Dito isto, até dá vontade de dizer, como o outro de Os Contemporâneos: o que tu queres é aparecer ó... vai mas é trabalhar...
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a música do momento
I kissed a girl - kate Perry
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