quarta-feira

Dois bons artigos: Jeffrey Sachs e Joseph Stiglitz. Kate Perry

O sublinhado é nosso.
Jeffrey D. Sachs
"Boom", "crash" e retoma da economia mundial © Project Syndicate, 2008. http://www.project-syndicate.org/ --------------------------------------------------------------------------------
A actual crise económica global vai ficar para a História como a "loucura de Greenspan". Esta é uma crise provocada principalmente pelo conselho de governadores da Reserva Federal dos Estados Unidos durante o período do dinheiro fácil e da desregulação financeira que decorreu desde meados dos anos 90 até agora.
Esta política de dinheiro fácil, apoiada por reguladores que não souberam regular, criou bolhas sem precedentes nos mercados imobiliário e do crédito ao consumo nos Estados Unidos e noutros países, nomeadamente aqueles que partilhavam as orientações políticas norte-americanas. A bolha agora estoirou e estas economias estão a caminho de uma profunda recessão.
No centro da crise esteve o rápido aumento dos preços das casas e dos títulos bolsistas, que superaram em larga medida as referências históricas. Greenspan avivou duas bolhas – a bolha tecnológica de 1998-2001 e a subsequente bolha imobiliária, que está agora a estoirar. Em ambos os casos, os aumentos dos valores dos activos levou as famílias norte-americanas a pensar que tinham ficado bastante abastadas, o que as fez cair na tentação de aumentarem fortemente os pedidos de empréstimos e os seus gastos – em casas, automóveis e outros bens de consumo duradouros.
Os mercados financeiros estavam desejosos de emprestar dinheiro a essas famílias, em parte porque os mercados do crédito não estavam regulados, o que serviu de convite à concessão de empréstimos de forma imprudente. Devido ao "boom" nos preços das casas e dos valores bolsistas, a riqueza líquida dos agregados familiares norte-americanos aumentou em cerca de 18 biliões de dólares entre 1996 e 2006. O aumento do consumo, decorrente desta riqueza, fez subir ainda mais os preços das habitações, levando as famílias e as entidades de concessão de crédito a intensificarem ainda mais a bolha.
Tudo isto acabou por se desmoronar. Os preços das casas atingiram um auge em 2006 e os preços das acções bolsistas registaram um pico em 2007. Com o estoiro destas bolhas, uma riqueza teórica de talvez 10 biliões de dólares, ou talvez mesmo de 15 biliões de dólares, acabará por se esfumar.
vários acontecimentos complexos que estão a acontecer em simultâneo. Em primeiro lugar, os agregados familiares estão a reduzir fortemente o consumo, uma vez que se sentem muito mais pobres – e realmente estão – do que há um ano. Em segundo lugar, várias instituições altamente alavancadas, como o Bear Stearns e a Lehman Brothers, entraram em processo de falência, provocando perdas adicionais de riqueza (dos accionistas e credores destas instituições insolventes) e uma adicional perda de capital para crédito que era fornecido por estas entidades financeiras.
Em terceiro lugar, os bancos comerciais também registaram fortes perdas com estas operações, tendo-se esfumado grande parte do seu capital. Assim, à medida que o seu capital diminui, o mesmo acontece com os seus futuros empréstimos. Em quarto e último lugar, a falência da Lehman Brothers e a quase-falência da gigante dos seguros AIG despoletou o pânico financeiro, na sequência do qual até as empresas saudáveis se viram privadas de obter empréstimos bancários de curto prazo ou vender papel comercial de curto prazo.
O imperativo, para os responsáveis pela formulação de políticas, é restabelecer suficiente confiança para que as empresas possam conseguir obter de novo créditos de curto prazo, de forma a poderem pagar os salários e financiarem os seus inventários. Na etapa seguinte, o desafio será contribuir para o restabelecimento do capital da banca, de forma a que os bancos comerciais possam voltar a conceder empréstimos para investimentos de mais longo prazo.
Mas estas medidas, ainda que sendo urgentes, não impedirão uma recessão nos Estados Unidos e nos restantes países atingidos pela crise. Os mercados accionista e imobiliário tão cedo não deverão recuperar. Consequentemente, os agregados familiares estão mais pobres e irão reduzir drasticamente o seu consumo, tornando a recessão inevitável no curto prazo.
Os Estados Unidos serão o país mais duramente afectado, mas outros países com recentes "booms" (e agora estoiros) nos mercados de consumo e imobiliário – particularmente o Reino Unido, a Irlanda, a Austrália, o Canadá e Espanha – serão igualmente atingidos. A Islândia, que privatizou e desregulou os seus bancos há alguns anos, depara-se agora com uma bancarota nacional, porque os seus bancos deixaram de poder pagar aos credores estrangeiros que lhes emprestaram avultados montantes de capital. Isto não é uma coincidência: todos estes países, com excepção de Espanha, aderiram explicitamente à filosofia norte-americana de "mercado livre" e ao conceito de sistema financeiro menos regulado.
No entanto, quaisquer que sejam as consequências para as economias desreguladas ao estilo anglo-saxónico, nada disso tem de provocar inevitavelmente uma calamidade global. Não vejo qualquer razão para uma depressão global, ou mesmo para uma recessão global. Sim, os Estados Unidos atravessarão um período de quebra de receitas e de forte aumento do desemprego, o que contribuirá para que as exportações do resto do mundo para os EUA diminuam. Mas muitas outras regiões do mundo continuam a crescer. Muitas grandes economias, como a China, Alemanha, Japão e Arábia Saudita, têm fortes excedentes de exportação, pelo que têm estado a emprestar ao resto do mundo (especialmente aos Estados Unidos), em vez de pedirem emprestado.
Esses países dispõem de bastante liquidez e não estão a sofrer as consequências do colapso da bolha imobiliária. Apesar de os seus agregados familiares terem sido de alguma forma afectados pela queda das cotações dos títulos bolsistas, não só conseguem continuar a crescer como também conseguem aumentar a sua procura interna, de forma a compensarem a diminuição das exportações para os Estados Unidos. Agora devem reduzir os impostos, flexibilizar as condições de concessão de crédito interno e aumentar os investimentos governamentais em estradas, energia eléctrica e habitações públicas. Dispõem de suficientes reservas em divisas estrangeiras para evitarem o risco de instabilidade financeira que possa decorrer do aumento do consumo doméstico, desde que o façam de forma prudente.
Relativamente aos Estados Unidos, as inegáveis repercussões negativas para milhões de pessoas, que se intensificarão no próximo ano, à medida que a taxa de desemprego for aumentando, constituem uma oportunidade para se repensar o modelo económico adoptado desde que o presidente Ronald Reagan assumiu funções em 1981. A redução dos impostos e a desregulação deram origem a um consumo frenético que soube bem enquanto durou, mas que também deu origem a uma imensa desigualdade de rendimentos, a uma grande classe marginal, a consideráveis pedidos de empréstimo ao estrangeiro, ao negligenciar do meio ambiente e das infra-estruturas e, agora, a uma enorme desordem financeira. É tempo de delinear uma nova estratégia económica – no fundo, um novo "New Deal".
(Trad. JN)
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Depois da crise instalada...

Os EUA, por mais incrível que possa parecer e não obstante os problemas que hoje enfrentam, continuam a ser o local mais seguro para investir.

Joseph E. Stiglitz

O mundo mergulhou numa grave crise global e é muito provável que fique para a história como a pior dos últimos 25 anos, desde a Grande Depressão, e como a crise ‘made in America’.

Os EUA exportaram os seus créditos hipotecários tóxicos para todo o mundo sob a forma de títulos de dívida privada. Mas não só. Também exportaram a sua filosofia de mercado desregulado que, até o seu maior defensor, Alan Greenspan, reconheceu recentemente ser um erro. Mais: exportaram a sua cultura de irresponsabilidade empresarial, como as opções de acções opacas, que além de encorajarem uma contabilidade menos rigorosa acabaram por desempenhar um papel determinante no actual colapso dos mercados. Além disso, e não menos importante, exportaram o seu abrandamento económico.

A administração Bush conseguiu, por fim, fazer o que todos os economistas pediam há já algum tempo: injectar liquidez nos bancos. Mas não há bela sem senão. Porquê? Porque o secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, conseguiu subverter aquela que era uma boa ideia ao descobrir uma fórmula para recapitalizar os bancos que não permite relançar os fluxos de crédito.

A dívida pública dos Estados Unidos é uma das razões por que nos devemos preocupar com o mau negócio que a administração impôs aos contribuintes americanos. É bom não esquecer que, antes da crise, já se previa que a dívida pública norte-americana passasse de 5,7 biliões de dólares em 2001 para mais de 9 biliões este ano, e que o défice de 2008 ascendesse a meio bilião de dólares – valor que deverá crescer no próximo ano devido ao agravamento da crise.

Os Estados Unidos precisam urgentemente de um pacote de estímulo, mas é de esperar que os defensores de um orçamento conservador em Wall Street – ou seja, aqueles que estiveram na origem da actual desaceleração – apelem a um maior controlo da despesa e à contenção do défice orçamental.

Entretanto, a crise alastrou aos países emergentes e menos desenvolvidos. Os EUA, por mais incrível que possa parecer e não obstante todos os problemas que hoje enfrentam, continuam a ser o local mais seguro para investir. Não admira por isso que as garantias dadas pelo governo americano sejam mais credíveis do que as oferecidas por um governo do terceiro mundo. Certo é que os países em desenvolvimento vão viver tempos difíceis, visto os EUA continuarem a “sugar” as poupanças mundiais para fazerem frente aos seus problemas, os prémios de risco não pararem de subir e o rendimento global, as trocas comerciais e os preços das matérias-primas manterem uma tendência de queda. E alguns – especialmente os que apresentavam maiores défices comerciais antes da crise, os que tinham de prorrogar o prazo do pagamento da dívida pública por esta ser muito elevada e os que mantinham relações comerciais mais estreitas com os EUA – vão sofrer mais do que os outros. No entanto, os países que não liberalizaram os seus mercados financeiros e de capitais, como a China, vão certamente congratular-se por não terem cedido às pressões de Paulson e do tesouro americano nesse sentido.

Muitos já solicitaram ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O problema é que, nalguns casos, o FMI se vai sentir tentado a adoptar as suas velhas e fracassadas receitas, designadamente a contracção orçamental e monetária. Uma solução que só iria agravar as injustiças globais porque, enquanto os países desenvolvidos se iriam empenhar na estabilização das políticas contra-cíclicas, os países em desenvolvimento seriam obrigados a “desestabilizar” as suas, afastando os fluxos de capital no momento em que mais precisavam deles.

Há dez anos, em plena crise financeira asiática, falou-se muito na necessidade de reformar a arquitectura financeira global. Mas pouco foi feito, ou muito pouco como agora se pode ver. Então, muitos pensaram que estes nobres apelos visavam monopolizar as reformas reais: os que haviam sido bem sucedidos no velho sistema sabiam que a crise acabaria por passar, tal como a insistência nas reformas. Ora bem, não podemos deixar que isto volte a acontecer.

Quem sabe estamos hoje perante um novo “Bretton Woods”. As velhas instituições já reconheceram que é necessário reformar o sistema, mas o que devia ser um processo rápido tem sido, acima de tudo, moroso. Primeiro não fizeram nada para evitar esta crise; segundo, receia-se qual possa ser a sua resposta agora que a crise se instalou.

Foram precisos 15 anos e uma guerra mundial para o mundo se unir e lidar com as fragilidades do sistema financeiro global que estiveram na génese da Grande Depressão. Esperemos que, desta feita, não levemos tanto tempo. O actual grau de interdependência e os custos seriam, seguramente, demasiado elevados.

Os EUA e a Grã-Bretanha foram os protagonistas do “velho” Bretton Woods, mas hoje o contexto global é radicalmente diferente. Sabemos agora que as instituições que daí emergiram, assentes em doutrinas económicas muito concretas, falharam redondamente nos países em desenvolvimento e, inclusive, nos países berço do capitalismo. A cimeira global agendada para dia 15 em Washington terá que lidar com estas novas realidades se quiser criar um sistema financeiro global mais estável e justo.

Tradução de Ana Pina

____

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia

  • Obs: Via Câmara Corporativa que sinaliza sempre boas leituras de análise social, económica e política. Se assim é, não se perca mais tempo com o jornaleco ou o pasquim da sonae que "editorializa" sempre a contraciclo (ainda carregando nos ombros o síndrome da Opa à Pt) e, ainda por cima, com péssimas manchetes (as manchetes à Zé Manel do "dois passos à frente e três à retaguarda" a evocar o Mao-Mao) e com uma fraca teorização económica revelando que, afinal, nem as básicas lições de J. M. keynes aquela gente aprendeu. Mas também não admira, pois nem uma licenciatura[zeca] conseguiram tirar. Então, pelos idos 70, também era mais importante andar a fazer greves do que estudar e trabalhar. Dito isto, até dá vontade de dizer, como o outro de Os Contemporâneos: o que tu queres é aparecer ó... vai mas é trabalhar...
    ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: a música do momento
    I kissed a girl - kate Perry