Capital-linkismo na blogosfera
Hoje é comum os blogers trocarem entre si dardos, nuns casos merecidos, noutros imerecidos e denunciando a mais pura vaidade e hipocrisia. Pois quando deviam citar ou retribuir não o fazem, antes escondem a mão com o habitual copy-past, e quando o fazem é por razões de puro egotismo, narcisismo ou apenas estupidez natural.
É assim (alguma) blogosfera, um retrato da sociedade de corte que falava o sociólogo Nobert Elias. Mas como é mais rápida, por causa dos circuitos integrados que a assistem e funcionalizam, ela torna-se ainda mais hipócrita do que a sociedade de carne e osso. Esta estória dos dardos é, salvo alguns casos, a mais pedante manifestação dessa hipocrisia institucionalizada. E com muita lata, diga-se.
É uma espécie de Natal dos pobres virtuais a que alguns recorrem para elogiar e depois sentirem-se elogiados - na troca do correio - neste joguinho de vaidades cabotinas e república de citações perfeitamente idiotas. E os textos que fundamentam esses agradecimentos são ainda mais idiotas, parece até que os ditos cujos estão a receber um Nóbel e, como tal, fazem uns discursos verdadeiramente cafonas que não lembra o careca. Mas enfim, é o que temos.
No meio de toda esta ciber-parolice, que temo se institucionalize à moda antiga, há, de facto, links que se cruzam no risoma e reflectem propostas intelectuais interessantes, espelhando um verdadeiro debate de ideias - e nestes casos - é até mui saudável que esses links existam como se valorizem e multipliquem. E é neste contexto preciso que encontro legitimidade para os dardos, mas como grande parte deles ocorre fora deste contexto de "verdade e conhecimento" - é o egocentrismo que acaba por tomar conta das emoções que dão banho à vaidade de cada um - que assim vai engordando o seu umbigo saloio e modernaço.
Mas não sejamos ingénuos, um blogue é um acto de generosidade, e como tem a possibilidade de transportar o leitor para outros pontos e registos de leitura - o sistema torna-se cada vez mais rico. Como? Através dos links, que operam aqui como uma espécie de depósito em moeda que cada um de nós vai depositar ao banco. Um link é esse crédito que nos engorda ou engorda terceiros com quem cruzamos linhas. Seja para concordar, seja para discordar - dentro dos valores da decência. Pois como diria K. Popper - a liberdade do meu punho termina onde começa o nariz do outro...
Portanto, a coisa é simples: se um bloguer lê algo interessante nouto blog cita-o mediante um link - dirigindo os seus leitores para aquele destinatário. Que, em princípio, nos mostrará novos mundos neste mundo à beira do suicídio em que todos, mais ou menos, vivemos.
Aquilo que numa economia de mercado seria um suicídio (ninguém está a ver a Mercedes canalizar os seus clientes para a BMW, ou a Ferreira Leita do PSD a fazer um apelo de voto massivo em Sócrates - ainda que seja isso que irá suceder...), mas, na blogosfera, curiosamente, é esse o sistema que faz funcionar o próprio Sistema. Ou seja, aquilo que na economia de empresa e de mercado conhecemos como um eventual suicídio empresarial (povoado de falências), é, na blogosfera, uma necessária sobrevivência (daí o capital-linkismo). Daí (também) o recurso abusivo aos dardos que muitos blogers fazem para ir tentando sobreviver, captar atenção, reforçar redes de solidariedades, cumplicidades e outras tantas probabilidades numa rede que por vezes é mais uma teia.
Há até um que no final do dia faz uma vitrina dos blogues que o citaram, e é esse mesmo blogger, que não faz mais nada na vida, que depois chama vaidoso aos outros. É uma ironia do destino, e o Estado ainda é o paisinho de muita gente. Como dizia um amigo, "ainda compensa ser funcionário público em Portugal."
Mas haja saúde, porque a vida é breve. Apenas procurei aqui reflectir com alguma seriedade, e sem apego ao capital-linkismo que move muita desta gente (e muita, infelizmente, ainda integra um certo "submundo" pela falta de seriedade e honestidade intelectual) - na ideia de que todos, afinal, ganhamos com a publicação do 1º post, porque todos - em rigor - queremos capturar a tal graminha de atenção para dourar o umbigo. Que depois é derivada para outros e muitos outros ainda - e, por fim, o leitor (que já está farto de umbigos), também vê aumentadas as suas possibilidades de localizar conteúdos interessantes, ainda que pelo caminho tenha de engolir muitos dardos-vivos cuja motivação e proveniência alguns de nós rápidamente deciframos. Mas é depois esse mesmo leitor que decide também fazer um blogue, o qual vai reproduzir toda essa engrenagem-macaca.
Este é o mundo do capital-linkismo na blogosfera. Um mundo onde também existe muito subprime, muita contabilidade criativa e cumplicidade-macaca que nenhuma relação tem com o debate de ideias sério, o conhecimento ou, no limite, a própria sabedoria. O que prova, tal como referimos acima, que a blogosfera é um espelho da realidade de carne e osso.
E como eu não vivo obsecado com o número de visitas, de links ou de admiradores - porque sei bem quem sou - procuro, com os erros que cometo e os defeitos que tenho, reflectir desinteressadamente sobre este processo altamente dinâmico do nosso tempo.
Um processo que seria bem mais prudente e avisado, creio, se esses tais dardos fossem atribuídos com mais critério e moderação (sob pena de se banalizarem), e não como quem dá bolotas a suínos no Alentejo profundo...
Mas tudo isto também não poderia ser doutro modo, já que somos homens e, como tal, temos sangue a correr nas veias, e não tinta da china...
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