O sublinhado é nosso.
Com um eleitorado à esquerda Cavaco Silva não se cansou de falar em “cooperação estratégica” e na possibilidade de “ajudar o governo” com a sua experiência enquanto economista, foi com estas duas promessas e graças à ausência de uma candidatura alternativa credível que chegou a Belém. Pelo caminho tinha ajudado a destruir Pedro Santana Lopes designando-o por “má moeda”.
Até ao momento Cavaco Silva tem feito uma presidência à medida das suas ambições políticas, mais preocupado com a realização do seu projecto pessoal de poder do que a pensar no país ou mesmo em ser um Presidente de todos os portugueses. Nunca foi solidário com as reformas difíceis com que concordo e que ele próprio não teve coragem de promover enquanto foi um primeiro-ministro que governava em função da sondagens. No início do mandato fez uns roteiros inconsequentes, ainda se criou uma fundação para combater a exclusão de que nunca mais se ouviu falar, mas acabou por aí o seu empenho na resolução dos problemas do país.
Na política externa, domínio em que sempre defendeu ter competências próprias, pouco ou nada tem feito, aproveitou o palco proporcionado pelos êxitos da Presidência Europeia e fez algumas viagens a destinos fáceis, aproveitando para fazer algumas peregrinações pessoais, mais parecendo que a política externa da Presidência da República é orientada por um Palácio de Belém que parece uma agência de turismo religioso.
O seu apoio às reformas (não necessariamente às políticas do governos) tem sido ambíguo, apoia-as timidamente se não sentir contestação social, de preferência longe do país. Fá-lo de forma genérica de forma a não perder simpatias eleitorais e perante audiências estrangeiras, como sucedeu agora na Polónia. Veja-se o caso das reformas da Educação, no início apoiou-as e até elogiou a ministra, mas quando as políticas sofreram contestação esfumou-se o emprenho do Presidente, nunca mais falou do sector e, tanto quanto me lembro, nunca mais foi visto numa escola.
E o que dizer da ajuda que tem dado no domínio da economia? Nunca disse de que reformas carecia o país, nunca se pronunciou sobre uma reforma em concreto e nunca se comprometeu com qualquer proposta governamental ou da oposição. Trata-se de um domínio eleitoralmente perigoso e a postura de Cavaco Silva é evidente, apoia os resultados e opta pelo silêncio durante a aprovação e lançamento das medidas. Desde que tomou posse nunca disse uma palavra pelo tema.
Se o eleitoralismo era uma tradição na governação com Cavaco Silva chegou à Presidência da República, todas as suas posições ou a sua ausência pautam-se por preocupações eleitorais, o Presidente da República só diz o que os eleitores gostam de ouvir, apoia timidamente o Governo quando este é simpático, desaparece nos momentos difíceis, se os problemas do país são os alhos ele prefere dissertar sobre os bugalhos. A relação entre a Presidência e o Governo é mais explicada pela evolução das sondagens do que pela Constituição da República, Cavaco apoia Sócrates quando isso lhe trás simpatias e afasta-se, desaparece ou questiona as medidas quando são antipáticas. Fala em privado quando isso lhe convém, recorre ao jornal Público quando quer pressionar o Governo.
A Presidência poderá dizer que opta por colaborar em privado, mas os últimos tempos demonstram que Cavaco não hesita em recorrer à comunicação social para dar recados em público, principalmente quando estes ajudam a Manuela Ferreira Leite, aliás, já por várias vezes a líder do PSD teve a oportunidade de usar e antecipar as posições da Presidência da República, aconteceu com os números das obras públicas e com o Estatuto dos Açores. Das quatro vezes que Manuela Ferreira Leite apareceu foi para antecipar o que Cavaco Silva ia dizer poucos dias depois.
Se Cavaco preferia o silêncio das reuniões com Sócrates isso só sucedeu até que o silêncio da Manuela Ferreira Leite se tornou evidente, à medida que a líder do PSD desapareceu Cavaco Silva aumentou o ruído animando a oposição da direita que passou a viver a agenda e entretendo a comunicação social que quase esqueceu Manuela Ferreira Leite. Se com o Governo a famosa “cooperação estratégica” nunca foi visível, com Ferreira Leite é cada vez mais evidente, até se tem a sensação de que as intervenções de ambos são combinadas e devidamente agendadas.
A dúvida está em saber se Cavaco Silva aposta nesta estratégia até às eleições legislativas ou se está apenas preocupado em lançar Manuela Ferreira Leite nas sondagens, salvando a sua amiga e criando condições a prazo para deter a Presidência e o Governo. Se este for o objectivo de Cavaco Silva - isso significa que num momento crítico para o país, que enfrenta uma grave crise internacional, o Presidente da República não hesita em apostar numa crise interna que se pode prolongar por mais de dois anos, até que consiga instalar Manuela Ferreira Leite no poder.
Se este for o objectivo Cavaco Silva poderá salvar o seu partido, mas fá-lo à custa do país e, muito provavelmente, de si próprio já que dificilmente conseguirá renovar o seu mandato. A não ser que Cavaco Silva não tenha por objectivo permanecer em Belém e está a fazer os possíveis para que o PSD governe quando deixar Belém.
Obs: Uma declaração prévia de interesses - fui dos que votei Cavaco nestas últimas eleições presidenciais. Se houvesse eleições amanhã - pergunto-me, assim como milhares de eleitores que nele votaram - fariam o mesmo?!
Neste editorial do Jumento, onde são passadas em revista todas as áreas e sectores de intervenção governativa em que Belém e S. Bento podem interagir, conclui-se que Cavaco, afinal, e ao invés do que parece, preside mais em função de interesses politicamente oportunistas do que daquilo que se considera o verdadeiro interesse nacional.
Das reformas ao psd, da política externa aos sucessos da presidência portuguesa da UE, na captação de IDE (Investimento Directo Estrangeiro), da criminalidade, da coesão económica e social - naquilo que se esperava que Cavaco fizesse a diferença e até introduzisse um plus na acção governativa - como na captação de Investimentos externos, na consecução das reformas, na regulação da economia (apesar desta ser uma competência exclusiva do Governo) - Cavaco não conseguiu fazer a diferença. Os seus contactos internacionais são menos influentes do que aqueles que Mário Soares, aos oitenta e quatro anos - consegue puxar para Portugal, e já não está no activo.
A sua intervenção presidencial, salvo melhor opinião, tem sido apenas formal, simbólica, e recentemente tem-se dedicado a vetar diplomas - que atrasam a colocação de agentes policiais nas ruas para combater a criminalidade, e demarcar-se do Governo quando as corporações que afecta em resultado do take-of das reformas nesses sectores - produzem uma certa opinião pública negativa. Logo, Cavaco, ao contrário do que se diz em Belém, preside muito em função das simpatias do eleitorado, como, de resto, é explicitado no editorial do Jumento - com o qual tenho, infelizmente, de concordar.
E custa-me dizer isto, porque, por um lado votei em Cavaco, por outro tenho estima e amizade por um destacado elemento da equipa de Cavaco que, por razões éticas, aqui não cito - mas que, pela sua "elevada função civil", teria a obrigação de perceber e sugerir ao sr. prof. Cavaco que há mais política para além do umbigo de Belém. mas o estilo e a personalidade forte de Cavaco não dá espaço para opiniões ou sensibilidades diferentes ou alternativas à sua.
De resto, não é dizer ao País que não se quer perder o poder constitucional que se tem, de que aquele discurso de 31 de Julho deu sinal ridídiculo e de fraqueza política, relativamente ao Estatuto dos Açores, que se dá prova de mais autoridade, mais poder e mais influência - os três conceitos mais importantes da Ciência Política. Bem pelo contrário, esse discurso, agora com justificações à posteriori ainda mais ridículas (quem justifica perde!!!) - só revelou a fraqueza de Cavaco, bem como a forma como ele não soube circunscrever essa matéria através dos bastidores, como era suposto.
Já para não falar na forma como Belém se posiciona face aos media, até parece que os canais de Belém têm uma avença exclusiva com o pasquim da sonae, já que qualquer iniciativa presidencial é primeiro anunciada ao jornal de Belmiro e só depois perpassa pelos demais media. Revela parcialidade nas relações com os media, o que é inaceitável numa sociedade pluralista, em que todos e cada meio deveriam ter igual acesso às fontes de informação emanadas dos órgãos de soberania.
Este conjunto de incongruências políticas, além da lamentável posição que designaria - Turbo-Leite - revelam que o presidente de todos os portugueses é, afinal, o presidente do psd de Ferreira leite, o presidente do jornal do Belmiro - que faz manchetes aberrantes e denota mau jornalismo (apesar de ter bons colaboradores e gráficos), o presidente das reformas que são só bem sucedidas e populares, enfim, o presidente dele próprio.
Será que isto é compatível com as palavras de Cavaco quando diz que jurou a Constituição e ser o presidente de todos os portugueses?! Os factos têm falado por si, e se amanhã houvesse eleições presidenciais - Cavaco, como uma vez acontecera em público, voltaria a desmaiar.
Sabe-se lá porquê...
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