sexta-feira

NOTÍCIAS PREMATURAS - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
NOTÍCIAS PREMATURAS
António Vitorino jurista
O passar do tempo dilui o impacto dos acontecimentos e a percepção dos mesmos na memória colectiva. Ontem decorreram sete anos sobre os atentados terroristas nos EUA, e os comentários assinalaram o facto sublinhando que a luta contra o terrorismo cedeu a primazia da cena internacional ao conflito entre a Rússia e a Geórgia. Mesmo sem a eclosão do conflito no Cáucaso, nos últimos tempos vive-se com a sensação de que a ameaça terrorista já não apresenta as características do imediato pós-11 de Setembro. Mas essa sensação não nos deve dispensar de recordar os bárbaros atentados de Nova Iorque e Washington e de reflectir a que se deve essa sensação de menor exposição a réplicas desse tipo de ataques terroristas.
Na opinião pública em geral importa destacar que o que conta é que nestes sete anos não houve mais nenhum atentado no território americano e, desde Julho de 2005, nenhum outro teve sucesso na própria Europa.
Para quem acompanhe mais de perto a evolução do terrorismo de inspiração fundamentalista islâmica, este resultado fica a dever-se a uma intensa actividade de prevenção e de investigação que só muito pontualmente é do conhecimento do grande público.
Com efeito, desmantelar uma rede terrorista é um trabalho paciente e metódico de investigação, infiltração, troca de informações e acção policial e judicial, de que na maior parte dos casos não se dá conhecimento público. Acresce que abortar um atentado pode ocorrer em fases muito diferenciadas da sua organização. E se em alguns casos a intervenção policial ocorre numa fase muito próxima da entrada em acção, como foi o caso do projectado ataque simultâneo a dez aviões que faziam a ligação transatlântica a partir de Londres há dois anos, em muitos outros o desmantelamento de uma rede evita um perigo potencial cujo impacto possível não se pode demonstrar tanto quanto não se pode fazer a prova de um facto negativo.
Mas a luta antiterrorista destes últimos anos registou outros sucessos que levam os especialistas a considerar que a capacidade ofensiva da Al-Qaeda saiu enfraquecida. Alguns dos seus dirigentes máximos foram eliminados, acentuaram-se as divergências doutrinais sobre o significado e a legitimidade da Jihad, inclusive em meios clericais do Islão, os concretos impactos dos atentados, provocando vítimas na população em alguns países islâmicos, potenciou, no mínimo, algum distanciamento das respectivas opiniões públicas em relação aos métodos usados e o reforço da cooperação internacional e da acção de prevenção tornou mais difícil aos núcleos de radicais associarem-se e organizarem-se nos países europeus. Significa isto que se fechou o ciclo aberto em 11 de Setembro de 2001? Infelizmente não creio que seja o caso. Em alguns locais do planeta as organizações terroristas ligadas ao referencial que é a Al-Qaeda reforçaram a sua capacidade de organização e de intervenção, designadamente no Magrebe. A proximidade geográfica da Europa justifica que se mantenha um grau elevado de atenção a esta dinâmica federativa de organizações terroristas já traduzida em atentados selectivos registados nos últimos dois anos na região.
Por outro lado chegam indicações de que foram sendo criadas novas bases de treino em alguns países africanos e nas zonas tribais do Paquistão, estando em formação uma nova geração de operacionais que visaria preencher o vazio deixado pela eliminação ou detenção dos "veteranos" treinados no Afeganistão durante o regime dos talibãs. Além de se continuarem a registar casos de recrutamento em países europeus para acções terroristas no Iraque, o uso cada vez mais intenso da Internet para doutrinação e recrutamento terrorista constitui um elemento delicado e difícil em termos de capacidade de resposta das autoridades à ameaça terrorista.
No topo de tudo, muito dos resultados alcançados depende da estabilização no Iraque e no próprio Afeganistão, bem como da vontade política do novo poder no Paquistão, o que em ambos os casos deixa em aberto ainda muitas dúvidas e interrogações. Receio, por isso, que o fim do ciclo terrorista iniciado há sete anos seja como as notícias da morte de Mark Twain comentadas pelo próprio: prematuras!
Obs: António Vitorino não perde o humor, e até evoca Mark Twain quando sugere mais prudência em relação ao remoto ambiente de fim-de-festa terrorista. Que só não tem feito mais estragos no mundo pelas razões acima aduzidas pelo articulista. Digamos que a rede terrorista está em fase de retiro, como fazem os quadros de alguma banca, aproveitando para reflectir e delinear novos ataques em vários pontos do globo. Mal comparado, um ataque terrorista é um pouco como uma acção de carjacking, presumimos que irá ocorrer o próximo, só não sabemos onde e a que horas.
E, já agora, se é bem sucedido, pois também pode suceder o mesmo aos pilha-galinhas autores de carjacking do que aos terroristas de base fundamentalista, que é verem frustradas, leia-se abortadas - as suas intenções de cometer o crime.
Hoje já ninguém pode adormecer, e a melhor razão que os cidadãos podem dar à sua própria segurança colectiva é estarem vigilantes em relação ao que se passa na sociedade, pois recentemente uma habitação no Restelo não chegou a ser assaltada porque um cidadão mais vigilante, percebendo o que estava em curso, telefonou para as forças policiais - que rapidamente fizeram abortar aquela tentativa. Um exemplo simples, mas eficaz.
Sabe-se que o resultado do assalto também não seria para fazer caridade...
Sete anos volvidos sobre o 11 de Setembro - a experiência só nos deve dar razões para estarmos cada vez mais vigilantes, o que também obriga a alterarmos alguns hábitos - que tínhamos por seguros em tempos de paz civil - que hoje (já) não existe.
Infelizmente, AV tem razão nas suas notas prudenciais relativamente ao flagelo mais perigoso nesta terrível entrada no séc. XXI - protagonizado pelo terrorismo globalitário e suicidário que já não conhece fronteiras ou alvos.