terça-feira

Notas Soltas - de António Vitorino -

- António Vitorino - um analista comprometido... -

Hoje notámos que das três leis que afastaram Belém de S. Bento - (GNR, Divórcio e Estatuto dos Açores) - Cavaco terá razão jurídica no Estatuto dos Açores, reconhece-se uma diferença de fundo em matéria de Divórcio e na questão dos agentes da GNR - as palavras de Rui Pereira foram propositadamente mal interpretadas por forma a dar pretexto a Cavaco para fazer aquele comunicado no site da PR - onde refere que tem direitos constitucionais, os quais nunca poderão ser limitados por uma planificação legislativa e política - que se viu encalhada pela crescente criminalidade no País.

Desta feita, é do mais elementar common sense reconhecer que na questão do Estatuto dos Açores - uma lei ordinária não possa impôr limites ao PR - que assim não terá de auditar préviamente o presidente da Assembleia Legislativa Regional nem o Presidente do Governo Regional, como seria desejo destes; no divórcio Cavaco - por razões culturais, geracionais, de formação entende que o casamento deverá manter-se ainda que uma das partes reclame culpa do outro, embora esta matéria se deva relativisar porquanto só 6% dos divórcios em Portugal assume uma condição litigiosa.

Noutras reflexões aqui desenvolvidas, referimos que desde que Ferreira leite entrou em cena após o momento da sua eleição para o PSD, no Congresso de Guimarães, duas certezas ficaram patentes em Portugal e na cabeça dos portugueses:

1. A srª Ferreira não tem a miníma vocação para a política, muito menos para o exercício de cargos executivos de elevada responsabilidade e exposição pública. Que exigem uma comuninação permanente. Mesmo sabendo isto, Cavaco e Belém em geral, ainda que na rota dos bastidores, não desista de apoiar e estimular esse nado-morto da política em Portugal que é a srª Ferreira leite. São fidelidades antigas que não se dissolvem com a passagem do tempo, mas Portugal não extrai nenhum benefício líquido dessa entente cordiale entre velhos amigos. Digamos que a República é alheia a amizades e fidelidades pessoais antigas - que nenhum saldo superavitário em termos de bem comum pode oferecer à nação.

2. A srª Ferreira leite fala quando não deve, o que revela a sua impreparação para gerir informação política. Prova disto foi quando veio a público antecipar uma conversa e uma preocupação inscrita num registo privado entre ela e Belém - que tinha por finalidade radicalizar a questão quente do Estatuto dos Açores (e do PS Açores) com Cavaco. Ou seja, a srª queria "sangue" - só que o golpe teve um efeito de boomerang..., e jorrou para a cara pálida da srª leite, o que gerou um contraste lamentável.

Foi aqui que se soube, de forma mais patente, que Ferreira leite era a porta-voz de Cavaco mais inconveniente que jamais um PR poderia ter.

Confesso que hoje apreciei, sobremaneira, a postura analítica de AV. Pois todos sabemos que é membro do PS, é amigo do PM, é excepcionalmente inteligente mas, há sempre um mas... - não se aproveita de todas essas condições, estatutos e privilégios para transformar a análise política num cabaré de maledicência, parcialidade, turvamento da verdade dos factos e, quando tem de criticar o partido onde milita - em nome duma verdade superior que se liga ao interesse nacional - sabe sempre pôr de parte essa espuma dos dias e cortar a direito. Foi o que fez hoje com objectividade, rigor e isenção. E até com metade do tempo que outros tomam aos portugueses nas missas domingueiras.

Não basta ser inteligente, pois por vezes, como diria Albert Einstein, o homem utiliza essa inteligência para a maldade, para o envenenamento das relações politico-institucionais, que a ninguém aproveita.

A responsabilidade do analista não é atingir a suprema perfeição, atingir a verdade absoluta, ser cabalmente isento. Tudo isso é impossível, como ensinou Max Weber. E todos nós, mais ou menos, temos gostos e preferências, interesses e desejos, simpatias e antipatias, mas aquilo que AV tem demonstrado nos anos em que presta análise no Notas Soltas - aponta para a seguinte metodologia: seleccionar factos e elementos que sejam úteis para produzir uma interpretação de futuros possíveis, sendo certo que o tratamento desses factos acaba por implicar a reformulação das análises que foram propostas isoladamente.

Ou seja, a responsabilidade do analista não é, como ainda ontem o douto Marcelo disse preto no branco, pervertendo aquilo que um analista deve ser ("por minha vontade Rui Pereira já lá não estava", sic) - é também fazer análise prospectiva, numa tentativa de identificar o campo de futuros possíveis (leia-se - teremos pela frente tensão entre Belém e S. Bento, sublinhou AV) - o que obriga esse mesmo analista a recorrer a uma característica de ironia retrospectiva: pois ao olharmos para o que pode ser o futuro das actuais relações politico-institucionais em Portugal - somos obrigados a ver o passado numa perspectiva nova, diferente da habitual.

Até porque em política há uma máxima que cruza os tempos: os amigos d' hoje serão os adversários amanhã, como diria um PM da França (do início do séc. XIX)e príncipe dos diplomatas -, Charles Maurice de Talleyrand - que serviu no regime de Luís XVI.

Ou seja, AV - na sua dimensão de analista - tem revelado estar comprometido com a verdade dos factos, o que é uma raridade nos tempos que correm.