sexta-feira

GENERALIZAÇÕES - por António Vitorino -

GENERALIZAÇÕES [Link] António Vitorino jurista
Na formulação das políticas públicas, as percepções sobre a realidade têm de ser tidas em conta tanto quanto... a própria realidade.
Esta dupla exigência resulta do alargado escrutínio público que a mediatização permite quanto aos fenómenos sociais. O caso da sucessão de acções criminosas no último mês é disso um bom exemplo. E a resposta dada pelas forças de segurança também!
Independentemente do rigor e do pormenor com que esses relatos são feitos na comunicação social, o que normalmente ocorre, em termos de percepção da opinião pública, é uma tendência para a generalização de casos pontuais.
Há cerca de três anos, a sucessão de alguns casos de prisão preventiva em acções criminais gerou a convicção, na opinião pública e publicada, de que havia um excesso de recurso à prisão preventiva em Portugal.
Confrontada a estatística dos presos preventivos em função da população prisional total com os dados equivalentes dos demais países europeus chegava-se à conclusão de que os números em Portugal correspondiam aos valores médios europeus.
Curiosamente ninguém então colocou a questão importante de saber se há algum efeito da prisão preventiva na reincidência criminal, muito em especial quanto ao potencial risco de contágio dos detidos preventivamente pelos já condenados, em virtude das concretas condições de detenção nas nossas cadeias dos preventivos.
A recente alteração da moldura penal das condições de aplicação da prisão preventiva respondeu, pois, mais àquela percepção do que a uma realidade premente e inquestionável.
Seguindo a "lógica do pêndulo", o aumento da criminalidade violenta registado nas últimas semanas gera agora uma percepção das ameaças à segurança e à ordem pública que leva a exigir uma ampliação dos casos e das condições de recurso à prisão preventiva. Essa exigência surge de quadrantes políticos, tanto à esquerda como à direita, e foi também endossada pelo próprio procurador-geral da República.
A essa pressão, o Governo respondeu com a alteração da lei das armas, prevendo a aplicação da prisão preventiva no caso dos crimes que delas façam uso, ou seja, nos crimes que sejam potencialmente violentos.
Todos sabemos, contudo, que não há "uma" solução mágica para dissuadir, prevenir ou combater a criminalidade organizada e violenta.
Centrar a questão na prisão preventiva será, mais uma vez, generalizar um elemento da estratégia de luta contra o crime e colocar sobre os seus ombros o resultado de uma acção do Estado que tem de ser muito mais ampla e compreensiva (desde a prevenção à troca de informações, passando pelo efeito dissuasor da própria acção policial usando a força de forma proporcionada, mas sempre que necessário, como foi o caso do sequestro num banco em Lisboa).
Uma outra generalização corrente é a de considerar que esta sucessão de crimes violentos resulta da acção de criminosos vindos de outros países. Daí a estigmatizar algumas comunidades estrangeiras vai um pequeno passo...
Claro que não se nega que alguns casos de crimes violentos recentes tiveram como protagonistas pessoas oriundas de outros países. Mas está por provar que seja esse o factor multiplicador da criminalidade violenta entre nós. Com efeito, infelizmente existem hoje múltiplos canais de acesso a técnicas e materiais para a prática de crimes sofisticados e violentos que não dependem da proximidade física dos próprios criminosos (as autoridades decerto conhecem uma série de sítios na Internet onde esses elementos estão à disposição de quem os queira consultar e neles recolher a informação de que necessitam). Além de que as redes de criminalidade transnacional só podem operar em termos de permanência num país se nele puderem contar com a conivência e o apoio logístico de nacionais desse país. Daí a importância da troca de informações no âmbito da Interpol e da Europol e do próprio sistema de informações Schengen, bem como a relevância do acesso aos registos criminais dos demais Estados da União Europeia cuja concretização prática se torna cada vez mais urgente!
Obs: Medite-se nesta mensagem de António Vitorino. Contudo, algumas das suas passagens evocam-me a forma como o Freakeconimics, de Steven Levitt foi escrito - para encontrar o lado escondido das coisas no universo económico. A dado passo, o autor vê uma relação entre os não abortos em certos Estados nos EUA e o índice de criminalidade norte-americana, deixando entrever que se essas mulheres de baixa condição socioeconímica não tivessem essas crianças, que forçosamente teriam uma educação violenta sedimentada nas ruas, os tais índices de criminalidade também não ocorreriam.
Ou seja, há sempre um lado escondido nas coisas que importa equacionar em matéria de criminalidade, e que jamais poderá ser reconduzida ao desemprego (como cabutinamente defende o PCP) nem à economia. Em Portugal falta fazer esse trabalho de investigação. Mas enquanto isso não acontece urge meter mais criminosos nas cadeias, mormente todos aqueles que recorram a armas de fogo para executarem os seus crimes.