segunda-feira

Novas e velhas migrações - por Francisco Sarsfield Cabral -

Novas e velhas migrações, in Público
Há uns dez anos começaram a aparecer em Portugal imigrantes vindos do Leste europeu, sobretudo da Ucrânia. Pareceu, então, que éramos finalmente um país desenvolvido, uma nação europeia como as outras, que até recebia estrangeiros à procura de vida melhor. Era uma sensação inédita para um país tradicionalmente de emigração - no séc. XIX e na primeira metade do séc. XX os portugueses emigraram principalmente para o Brasil e, depois disso, para a Europa, com destaque para França.
Afinal, a mudança na última década foi menos acentuada do que se pensou. Por um lado, diminuiu recentemente o número de imigrantes vindos do Leste europeu, os mais qualificados. Vêm menos e muitos dos que vieram já se foram embora, alguns para outros países da União Europeia. A economia portuguesa está desde há sete anos a crescer pouco. O desemprego entre os imigrantes quase triplicou desde 2000. Ainda por cima tratamos mal os estrangeiros que tentam ganhar a vida por cá, a começar pelas exageradas quantias que eles são obrigados a pagar às autoridades do Estado para regularizarem a sua situação, como indica um estudo do Observatório da Imigração.
Esta travagem no número de imigrantes é negativa para a sociedade portuguesa. Primeiro, porque os imigrantes podem compensar, em alguma medida, a nossa baixíssima taxa de natalidade. Com o que isso implica, por exemplo, para a sustentabilidade financeira da Segurança Social. Depois, porque os imigrantes vêm executar tarefas que os portugueses passaram a desprezar, considerando-as abaixo do seu status social. Há mesmo quem diga que multiplicar obras públicas, como agora se perspectiva, não significa mais empregos para portugueses, mas sim para estrangeiros.
Por outro lado (e este é o segundo facto que limita a nossa passagem de país de emigração para país de imigração), os números da OCDE não só mostram que os portugueses nunca deixaram de sair de Portugal como revelam que a nossa emigração aumentou nos últimos anos. Entre 2000 e 2006 subiu 53%, tendência que tudo indica ter-se mantido ou mesmo acentuado em 2007. Só em 2006 emigraram 640 mil portugueses para trabalharem no estrangeiro, na maioria dos casos em países europeus. Alguns saíram para empregos temporários, outros para ficarem.
Uma parte, pequena mas já significativa, dos actuais emigrantes portugueses é constituída por pessoas altamente qualificadas, em particular nas áreas científicas. É positivo que, em 2007, Portugal tenha pela primeira vez exportado mais tecnologia do que importou, até pelo que isso revela de mudança na estrutura produtiva nacional. Mas tem crescido a frustração de quem sai das nossas universidades com altas classificações e não encontra realização profissional no seu país.
Decerto que a maior parte dos que hoje emigram é, tal como no passado, gente com fracas qualificações. Vão para o estrangeiro fazer aquilo que agora recusam fazer em Portugal, porque ali ganham muito mais e, porventura, também porque lá fora são desconhecidos e não se sentem diminuídos ao trabalharem na construção civil ou ao servirem à mesa num restaurante.
Em Espanha, onde duplicou em seis anos o número de imigrantes portugueses, o abrandamento económico traz problemas para muitos dos nossos compatriotas que lá estão ou que para lá vão trabalhar regressando ao fim-de-semana, até porque a crise espanhola incide principalmente no sector da construção. Na Galiza já houve manifestações sindicais contra trabalhadores portugueses que, alegadamente, estariam a aceitar condições abaixo do convencionado.
Em Portugal observa-se, assim, o paradoxo de um alto nível de desemprego e, ao mesmo tempo, falta de pessoal para certas actividades e serviços. A construção civil e o turismo, por exemplo, precisam de imigrantes para poderem funcionar. Entretanto, os portugueses voltam a emigrar em força.
Temos de nos habituar ao paradoxo. Com a globalização e a livre circulação de pessoas na União Europeia, as migrações serão cada vez mais intensas. Por exemplo, há milhares de profissionais franceses que foram trabalhar para Londres, onde pagam menos impostos. Mas não deixa de ser curioso este fenómeno (não apenas português, mas universal) da recusa de trabalho socialmente pouco prestigiado no próprio país, ainda que à custa da emigração ou do desemprego.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: O articulista deixa-nos aqui um conjunto de razões que justificam Portugal como um País de imigração, e que beneficia da sua participação na economia e até no incremento da taxa de natalidade, em que temos vindo a perder balanço por razões essencialmente económicas e de expectativas de vida. Mas talvez o mais interessante para os Estados, os poderes públicos e sociedade no seu conjunto, seja saber como responder ao desafio do paradoxo que Francisco Sarsfield Cabral eficientemente enuncia: somos hoje um País cujos seus filhos têm de partir para encontrar um papel na sociedade e ganhar a vida e, ao mesmo tempo, continuamos a acolher imigrantes.
Já não gostamos de fazer trabalho pouco prestigiado, mas talvez já não nos importemos de o realizar se recebermos o dobro que recebemos no nosso próprio país pela mesmíssima função, pagarmos menos impostos, além do "anonimato" que uma vida de emigrante confere.
Por último, urge sublinhar que o aumento das taxas de imigração em inúmeras sociedades ocidentais, até na nossa, desafia as noções usualmente partilhadas de identidade nacional e levou a um reequacionar dos conceitos de cidadania.
Ora nem os os políticos nem os empresários e os agentes sociais e culturais poderão ficar alheios a esta realidade sociológica emergente no seio das nossas próprias sociedades.
Talvez por isso governar hoje seja cada vez mais complexo, desafiante e estimulante.