segunda-feira

A desordem mundial - por Francisco Sarsfield Cabral -

O sublinhado é nosso.
A desordem mundial, in Público
No Conselho de Segurança da ONU a China e a Rússia vetaram sanções ao Zimbabwe. Não é uma surpresa. A possibilidade de a comunidade internacional intervir para defender direitos humanos postos em causa por regimes tirânicos nunca foi bem vista – percebe-se... - por países não democráticos.
A argumentação da China e da Rússia é semelhante à utilizada pelo PCP para não votar, no passado dia 27, um voto de pesar da Assembleia da República pela sistemática violação dos direitos humanos e políticos no Zimbabwe: receio de ingerência militar das potências ocidentais. É curiosa esta preocupação com a inviolabilidade da soberania estatal, num partido supostamente internacionalista e que promete o fim do Estado. Assim se trava a viragem esboçada depois do colapso do comunismo, quando a soberania dos Estados deixou de ser vista como um valor intocável.
Mas alguma coisa se avançou na década de 90, passando a considerar-se que as pessoas, e não apenas os Estados, são sujeitos de direito internacional. Casos como o de Pinochet, longos meses detido na Grã-Bretanha por solicitação de um juiz espanhol, por causa de alegados crimes no Chile, ou até a independência de Timor-Leste seriam impensáveis há quarenta anos. E a ONU tem hoje cem mil homens em missões de paz por todo o mundo.
No entanto, e apesar de todos os membros das Nações Unidas terem aprovado declarações em favor dos direitos humanos, consagrando a “responsabilidade de proteger” populações vítimas de atrocidades dos seus chefes estatais – apesar disso, há um claro recuo na aplicação do direito (e dever) de ingerência humanitária.
O que correu mal? A intervenção no Kosovo (sem o aval da ONU) parece ter arranjado mais sarilhos do que aqueles que procurava resolver. Na ocupação do Iraque, também à margem da ONU, o saldo negativo é monumental. Até no Afeganistão, onde a intervenção externa foi justa e legal, as coisas não vão bem (em parte, pela prioridade dada ao Iraque por Washington). E depois dos falhanços da comunidade internacional na Somália, no Ruanda, na Chechénia, assistimos agora à impotência geral perante o Darfur, o Tibete, a Birmânia, o Zimbabwe...
A deriva unilateral dos EUA, acentuada após o 11 de Setembro de 2001, tem responsabilidades neste recuo, ao desprezar o direito e as organizações internacionais. Mas agora já ninguém pensa que os americanos podem tudo sozinhos. Um certo regresso ao multilateralismo é inevitável em Washington, com um novo presidente. Será, todavia, uma evolução lenta e difícil.
Primeiro, porque os EUA estão hoje mais fracos e com menos influência no mundo do que há dez anos. Ora uma reforma das instituições internacionais, a começar pela ONU, não avança sem uma forte liderança da única superpotência.
Até para quem se contente com uma “hegemonia benigna” dos EUA no mundo, as perspectivas não são boas. Não só porque, como defende o historiador britânico Niall Ferguson, os EUA são imperialistas de menos e não demais. No sentido de não aceitarem todas as responsabilidades inerentes ao estatuto imperial, ao contrário de Londres no império britânico – os americanos são geneticamente isolacionistas.
A “hegemonia benigna” está complicada também porque para ela funcionar é “importante o prestígio do Estado hegemónico, pois aí reside a sua habilidade em formar uma ordem estável e duradoura”. Como se viu depois de 1945, quando houve uma aceitação da hegemonia norte-americana por parte dos aliados dos EUA e dos próprios vencidos, como a Alemanha e o Japão. Cito Bernardo Pires de Lima, no seu recente e interessante livro Blair – a moral e o poder, Ed. Guerra & Paz.
A proposta de John McCain de formar uma “Liga das democracias” pode revelar-se útil. Na prática, ela já existe em embrião na NATO. Com a Alemanha e a França agora pró-americanas (e Paris de novo a caminho da estrutura militar da NATO), a ideia tem condições para se desenvolver, apesar das criticas de que tem sido alvo.
Mas não chega. Como não chega o G8, ainda que alargado, um directório informal dos poderosos. Dizia o Economist da semana passada que o essencial das organizações globais é incluírem toda a gente e não apenas os amigos. Por isso se espera que o próximo presidente dos EUA se empenhe numa reforma a sério da ONU, em vez de a tentar destruir, como fez George W. Bush.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Envie-se xerox ao actual presidente da Comissão Europeia que já mostrou, ainda que por omissão, que quer continuar a fazer mais um mandato na UE e, porventura, acartar mais um saco de farinha no Darfur (sob as reportagens da CNN) sem que, na realidade, as causas geradoras desses sérios problemas se resolvam.
Envie-se uma 2ª xerox para o mesmo destinatário para que ele veja bem as consequências que na prática estão em curso decorrente da famosa Cimeira dos Azores - em que Durão percebeu que sendo o mordomo de G.W.Bush, o presidente dos EUA mais inútil de sempre, poderia também ser ajudado (por ele e pela arrastadeira, Tony Blair) a realizar o seu sonho de criança: ocupar um lugar internacional de destaque na cena mundial.
Mas para que serve ocupar um desses postos avançados se, na prática, os problemas se mantéem e, porventura, agravam, como na relação que hoje a UE tem com o Zimbabué, por exemplo.
Como diria Chateaubriand,
a ambição de quem não tem capacidade é crime.