No reino do absurdo - por Francisco Sarsfield Cabral -
No reino do absurdo, in Público
Em Portugal há 50% mais habitações do que famílias. Mais de meio milhão casas estão devolutas. No entanto, temos 40 mil famílias a necessitarem de alojamento urgente, 190 mil casas precisam de obras (porque a reabilitação habitacional entre nós é mínima) e meio milhão de fogos estão sobrelotados.
Actualmente existem apenas 750 mil casas arrendadas (havia um milhão em 1980), enquanto 2,7 milhões de famílias são proprietárias das casas onde habitam (1,6 milhões em 1980). Uma proporção muito acima do habitual noutros países europeus. É certo que, entre 2006 e 2007, os novos contratos de arrendamento subiram 30%, mas a partir de uma base baixíssima.
Como há escassa oferta de casas para alugar, os seus proprietários pedem rendas muito altas. Assim, a solução para arranjar casa é um empréstimo hipotecário para a comprar. Foi o que fizeram mais de um milhão de portugueses, incentivados pelas baixas taxas de juro trazidas pela entrada de Portugal no euro.
Hoje, com os juros a subirem, muitas famílias estão com a corda na garganta. Mas o crédito à habitação continua a crescer, apesar de mais caro, pois parece não haver outra saída. E aqueles que não têm possibilidade de obter um empréstimo, por falta de meios? Esses, naturalmente os mais pobres, vivem em barracas, em quartos exíguos ou na rua.
Entretanto, a degradação das casas desertificou o centro das cidades e cercou-as de dormitórios de fraca qualidade urbanística. A deslocação da população para as periferias urbanas levou à subida do tempo e do dinheiro gastos no transporte. Os engarrafamentos de trânsito aumentaram exponencialmente, tornando um inferno a vida quotidiana de muita gente.
A não actualização razoável das rendas antigas é também um obstáculo à mobilidade dos trabalhadores. Quem, pagando uma renda antiga, e por isso baixa, numa casa numa cidade, aceitará ir viver e trabalhar noutra cidade, num emprego melhor remunerado, se tiver de pagar dez ou vinte vezes mais por uma nova habitação?
Esta situação absurda agrava-se desde há décadas. No entanto, os governos ainda não actuaram para pôr termo à injustiça social e ao desperdício de recursos que a situação habitacional portuguesa significa.
No governo de Durão Barroso foi elaborado um projecto de lei do arrendamento que enfrentava os problemas. Mas não houve, então, coragem para o tirar da gaveta. Honra lhe seja, o governo de Santana Lopes avançou com o projecto, em 2003, mas não teve tempo de o levar à aprovação parlamentar.
Depois, o governo de Sócrates fez aprovar um novo regime, tão pesado e burocrático que logo se viu não ir resultar, como não resultou. Menos de dez mil rendas antigas (e ridiculamente baixas) foram actualizadas com o novo regime. Mas o secretário de Estado Eduardo Cabrita dizia ao Expresso de 3 de Agosto passado que “as medidas que tomámos estão a produzir resultados magníficos”.
Agora, parece que alguém se deu conta de que a realidade é bem diferente. Um grupo de técnicos apresentou um Plano Estratégico para a Habitação, que foi bem recebido em meios governamentais. A ideia (imagine-se!) é a de que importa estimular o arrendamento em detrimento da compra de casa. Para isso sugerem-se benefícios fiscais e outros apoios a quem alugue casa para habitar. Ajudas que se poderão revelar-se úteis, mas não passam de uma gota no oceano.
O Plano até inclui uma proposta meritória: deixar de construir bairros sociais, que se têm transformado frequentemente em “ghettos” onde se fomenta a droga e a criminalidade, passando o Estado a apoiar directamente as famílias que não conseguem ter casa.
Só que continua a evitar-se resolver, a sério, o problema central das rendas antigas e degradadas – problema que muitos dos nossos parceiros na União Europeia resolveram em devido tempo. O que implicaria uma actualização gradual e realista das rendas antigas, com apoios aos inquilinos sem meios para pagarem os aumentos.
Alugar casa seria a solução racional para a maioria dos portugueses, que não possuem meios financeiros bastantes para pagar os custos elevados da habitação em Portugal, comprando. Para usar um termo técnico, não são “solventes”. Enquanto não se actuar em função desta evidência, continuará o reino do absurdo.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: o articulista tem razão, em função dos números que apresenta e das correlações que estabelece. Todavia, é fundamental que o Governo, a autarquia e demais operadores do sector tenham presente que: 1. A dinamização do mercado de arrendamento deverá ser complementada com o agravamento dos impostos dos proprietários de casas devolutas que se recusem fazer melhorias nos respectivos edifícios. Não apenas para os requalificar, mas também para impedir a desertificação da cidade; 2. As autarquias, através das suas empresas municipais, deveriam praticar uma política exemplar de preços consentâneos com as necessidades sociais dos seus munícipes, eliminando a prática especulativa de preços imobiliários, que mais parece o mercado do pretóleo; 3. É fundamental agilizar os mecanismos de obtenção de licenças junto do município para efeitos de aquisição ou construção de habitação; 4. É, por último, fundamental o incentivo - por parte da autarquia - de projectos de construção que privilegiem a componente energética, optimizando o respectivo consumo e o conforto ambiental. Não nos evemos esquecer, por outro lado, que Lisboa - já que é aí que os maiores constragimentos à habitação se colocam, é uma cidade com riscos sísmicos consideráveis, sendo importante prevenir as potenciais consequências para a cidade. Isto não significa que esses mesmos riscos ocorram e impliquem uma tragédia, mas também não podemos pensar que se eles ocorrerem o Centro Comercial Colombo - do engº Belmiro - será, seguramente, o melhor dos refúgios... As igrejas também não são, pois quando os santos mal pregados das paredes começarem a cair muita cabeça de católico de ocasião sofrerá as consequências da falta de uma política séria e integrada de habitação em Portugal. Não consta que os ciganos tenham este tipo de preocupações...
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