Ajudar em tempo de crise - por Francisco Sarsfield Cabral -
Sublinhado é nosso.
Ajudar em tempo de crise, in Público
Como traduzir, no concreto, a solidariedade devida a quem passa mal na sociedade portuguesa? As limitações das políticas do Estado são evidentes, até porque a economia tende para a estagnação.
Abrandar os esforços de redução do défice orçamental, para gastar mais na área social, seria uma política de vistas curtas. Precisamos de contas públicas equilibradas, se possível com excedente (como em Espanha), precisamente para que o Estado possa ajudar os que mais necessitam. Ora ainda estamos longe disso. E o pior que o Governo poderia fazer seria deitar pelo esgoto os resultados já obtidos na consolidação das finanças públicas.
O crescimento económico está hoje bem abaixo do registado nos anos em que se desenvolveu na Europa o Estado Providência. E a população europeia (e sobretudo a portuguesa) envelheceu, com cada vez menos trabalhadores no activo a descontarem para as pensões dos reformados. No entanto, se compararmos o nível de riqueza actual, no nosso país ou na UE, com o de há 40 ou 50 anos, concluiremos que somos agora muito mais ricos. Logo, há margem para distribuir.
Será razoável aumentar a carga fiscal do IRS sobre os mais ricos. Fernando Ulrich, presidente executivo do BPI, propôs um novo escalão de 45% no IRS, acima dos 200 mil euros anuais de rendimento (Diário Económico, 29.05.08). Mas não haja ilusões: pôr os ricos a pagar a crise não levará muito longe em termos de receita.
O essencial tem de ser conseguido do lado da despesa. Por um lado, deveria ser estudada a hipótese de adiar alguns grandes investimentos, que custarão muito dinheiro e se situam em áreas afectadas pela alta do petróleo. Caso do TGV (que só funcionará se for altamente subsidiado), do novo aeroporto, do túnel do Marão, etc. Parte do dinheiro assim poupado iria para apoios sociais. E na canalização desses apoios o Estado terá de aproveitar mais quem está no terreno e o conhece, as IPSS, em vez de as marginalizar.
Por outro lado, nos apoios sociais será preciso avançar na discriminação positiva dos mais pobres. Há obstáculos constitucionais – o art.º 64º, n.º 2, da Constituição, por exemplo, diz que o serviço nacional de saúde, universal e geral, é tendencialmente gratuito. Mas também refere que devem ser tidas em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos. Sem revisão constitucional, há assim a possibilidade de progredir na discriminação positiva no sistema nacional de saúde, fazendo pagar mais os que não são pobres.
Um obstáculo para tratar de maneira diferente ricos e pobres está na dificuldade em conhecer, com realismo e sem excessivas intromissões na privacidade das pessoas, os rendimentos de cada um. Há anos, as declarações para o IRS mereciam escassa confiança, excepto tratando-se de trabalhadores por conta de outrem. Mas houve claras melhorias nesse campo e outras poderão ainda concretizar-se.
Existe, claro, o risco de se criar uma pesada burocracia. Alguma terá de existir, para evitar fraudes – ou seja, gente a fingir de pobre para aproveitar os benefícios. É o que se tem feito, embora ainda seja insuficiente, no combate às baixas fraudulentas por alegados motivos de saúde ou à atribuição do rendimento social de inserção a quem não o merece.
Concretizar uma maior discriminação positiva em favor dos mais carenciados é, com certeza, uma tarefa difícil e arriscada. Mas a alternativa seria nada fazer, fechando os olhos às dificuldades dos mais vulneráveis à actual crise. Uma alternativa eticamente inaceitável.
Não se pense, porém, que só o Governo tem responsabilidades na resposta a dar às carências dos mais afectados pela crise. A sociedade, através da opinião pública, é, no fundo, quem vai decidir. Se a maioria dos portugueses sentir – e o fizer sentir - que, neste momento, se devem privilegiar os mais pobres, os governantes irão por aí.
Se, pelo contrário, a opinião prevalecente na nossa sociedade for favorável, em princípio, a ajudar os mais pobres, mas logo rejeitar indignadamente a mínima limitação de qualquer direito ou regalia, então a tão proclamada solidariedade não passará de uma palavra vã. Mas cabe ao Governo fazer a pedagogia da solidariedade, não na base no ressentimento contra “privilegiados”, mas a partir do imperativo ético de ajudar os mais vulneráveis à crise.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Publique-se e envie-se cópia ao dr. Ricardo salgado Espírito Santo, ao engº Belmiro de Azevedo e aos utentes da sopa dos pobres, alí aos Anjos. A taxa Tobin aplicada às transações em bolsa - há muito que promete, mas nunca ninguém teve a coragem de a aplicar. Pergunte-se ao Comendador Big Joe Berardo o que pensa do assunto... E, já agora, reenvie-se a mesma questão ao CEO do "milhéniu".
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