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A QUALIDADE DESTA DEMOCRACIA - por Fernanda Câncio -

A QUALIDADE DESTA DEMOCRACIA [Link]
Fernanda Câncio jornalista
Uma jornalista apresenta um projecto de documentários a uma produtora de audiovisual. A produtora acolhe o projecto e apresenta-o a um canal público de TV, que encomenda os documentários. Um partido político resolve tratar esta decisão como uma "contratação" da jornalista para o canal público e qualifica-a de "pornográfica", anunciando um "requerimento" para "pedir explicações". E que apresenta o partido, como fundamento de tão trepidante indignação e fino palavreado? A inexperiência televisiva da jornalista (falso); as suas opiniões (intolerável); a sua vida privada (abjecto).
Não, não sucedeu na Venezuela de Chávez nem na Rússia de Putin, para nos ficarmos apenas por países com democracias, digamos, de qualidade duvidosa, e onde a intimidação ostensiva de jornalistas é comum. Foi por cá e o partido dá pelo nome de PSD - o mesmo que enquanto se diz "muito preocupado com a qualidade da democracia portuguesa" interdita congressos a jornalistas por "não serem confiáveis".
O que, convenhamos, bate certo, deprimentemente certo. Um país no qual um partido que foi de Sá Carneiro, que forneceu o actual presidente da República e que ainda hoje pretende ser alternativa credível de governo acha que se pode permitir este comportamento de ditador carroceiro é um país no qual a qualidade da democracia deixa a desejar. Não tanto, claro, que este tipo de gesto dê dividendos; não tanto que não se erga, da esquerda à direita (sobretudo na blogosfera) um coro de indignações, a que se junta a do Sindicato dos Jornalistas, acusando este atentado à constitucionalmente sagrada liberdade de expressão - mas é pouco, como consolo.
Sabemos que o carácter precioso da liberdade tem, para muita gente, dias - como quem diz cores, cartões, conveniências. Só que quando dirigentes partidários com assento no parlamento e passagem por cargos governativos acham que podem imiscuir-se, publicamente e sem qualquer disfarce, nas opções editoriais de um canal público e na liberdade profissional de um jornalista, procurando condicionar o primeiro e assumindo a pura perseguição pessoal do segundo, ante o silêncio da maioria das sentinelas dos fascismos que amanhecem e a cumplicidade acéfala de outros jornalistas - aqueles que seguram o microfone e a caneta e a quem jamais ocorre a pergunta óbvia, a saber, qual é mesmo o problema do PSD com esta jornalista -, chegou-se a um novo patamar. Aquele em que tem de se explicar tudo do princípio. O que é um jornalista e para que serve, o que é a vida privada e para que não deve jamais servir. Em suma: o que é a civilização e a democracia. E a decência, já agora. Sabendo, claro, que há mentes pornográficas nas quais nenhum princípio tem guarida.
Obs: Pergunte-se à Lapa - e ao dr. Lopes in concreto (ou ao dr. Meneses, que é a mesma coisa para o efeito) - qual o conteúdo semântico da palavra "pornográfico" no seu paupérrimo vocabulário político - que no decurso destas últimas duas décadas, desde o Jet-8 às incursões televiseiras, das autarquias faz-de-conta a pensar em S. Bento, das incursões monárquicas em S. Bento no ciclo post-Durão a pensar em Belém (Belém!!!); e, doravante, do seu posto tribunício de "para-lamentar" deste PsD de Gaia - a pensar na autarquia de Lisboa (de Lisboa!!!) - qual o verdadeiro limite enciclopédico para a dita palavra...
Pergunto-me, hoje, o que levou a esta pobreza de espírito que baliza este PsD de Gaia - tão estéril quanto moribundo, e só encontro dois tipos de respostas: as estreitas ruas da Lapa que limitam o pensamento aos seus figurantes; e a circunstância de nas décadas de 80 e 90 Cavaco ter, de facto, "eucaliptado" a emergência de uma nova elite composta de quadros que hoje, como se vê, muita falta fazem ao PsD.
Nem que seja, para ajudar o PS a governar melhor e, já agora, a construir um Portugal mais moderno e desenvolvido, i.é, um Portugal que não sofra do síndrome do passado que hoje cheira a óleo de figado & bacalhau, ingredientes que hoje vamos encontrar numa troika de personagens que navegam à vista: Santana, Meneses e, claro está, o Paulinho das Feiras - a quem hoje falta o rebelde Indy para recuperar o élan de outros tempos.
Tempos, verdadeiramente, pornográficos...