IDENTIDADE E MUDANÇA - por António Vitorino -
IDENTIDADE E MUDANÇA , in DN
António Vitorino
jurista
"A decisão de aprovar o Tratado de Lisboa por via parlamentar provocou, naturalmente, uma forte reacção crítica da parte daqueles sectores que são contra o próprio Tratado.
Compreende-se que contando o Tratado, à partida, com o voto favorável do PS, do PSD e do CDS, os seus opositores reencaminhem para a via referendária a esperança de impedir a sua entrada em vigor.
Claro que representando aqueles três partidos cerca de 90% dos eleitores e à luz das sondagens que indiciam um apoio muito vasto na opinião pública quer ao projecto europeu quer ao próprio Tratado de Lisboa, pode-se dizer sem grande margem de erro que quem pretende um referendo não acalenta verdadeiramente a esperança de que o voto popular viesse de facto a inviabilizar o Tratado.
Percebe-se, pois, que a defesa do referendo correspondia ao objectivo de protelar o processo de aprovação do Tratado de Lisboa em Portugal e assim dar alento a todos os que noutros países se opõem à sua aprovação e reivindicam a realização de referendos.
Do mesmo modo o recurso a um referendo acalentaria a expectativa de vulnerabilizar a legitimidade do Tratado no caso - aliás provável - de acabarem por acorrer às urnas menos de 50% dos portugueses, à semelhança do que sucedeu em todos os três referendos já realizados entre nós, inclusive naqueles casos em que o assunto provocava uma polarização mais relevante na sociedade portuguesa, como no referendo sobre o aborto.
Em Espanha, o referendo sobre o Tratado Constitucional registou cerca de 70% de votos favoráveis mas apenas 38% de participação.
Por isso a argumentação dos críticos da aprovação parlamentar assenta na alegada violação de um compromisso eleitoral. O que suscita a questão da identidade entre o defunto Tratado Constitucional (em relação ao qual se reportava especificamente o compromisso eleitoral) e o novo Tratado de Lisboa.
Ora, a principal diferença entre os dois consiste precisamente na sua natureza essencial.
O Tratado Constitucional tinha uma ambição refundadora da própria União Europeia. Substituía os tratados anteriores em bloco por um novo texto único que, em cerca de dois terços, retomava as normas já actualmente em vigor, muitas delas mesmo desde o originário Tratado de Roma. Mas, porque se alterava o seu enquadramento qualitativo, passando a explicitar-se uma natureza constitucional à escala europeia, o Tratado Constitucional pressupunha uma renovação da legitimidade do conjunto do projecto europeu, recolocando-se à votação, fosse por via referendária fosse por via parlamentar, todas as normas do acervo comunitário.
Esta ambição constitucional, esta dimensão refundadora foi, aliás, um dos principais argumentos usados contra a sua aprovação, quer naqueles países que fizeram referendos negativos (França e Holanda) quer entre nós. Nessa ambição constitucional os seus críticos identificavam uma opção federalista ou um rumo de construção de um "superestado" europeu que almejaria substituir, a prazo, as soberanias nacionais.
Eliminada a ambição constitucional no Tratado de Lisboa, deixada cair a vontade de refundação da União expressa num Tratado único auto-intitulado de Constitucional, compreende-se mal que quem tão veementemente criticou tais opções venha agora silenciar esta diferença ou degradar a sua importância em nome do objectivo de defender a submissão do Tratado de Lisboa a um referendo popular.
No que à substância das políticas diz respeito o Tratado de Lisboa também apresenta alguns traços relevantes que o diferenciam do Tratado Constitucional, quer no que diz respeito às condições de aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais e das regras jurídicas do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (incluindo as regras sobre o espaço Schengen) quer no que diz respeito à política externa e de segurança comum.
Por contraste, o principal traço de identidade entre os dois tratados traduz-se nas inovações introduzidas na arquitectura institucional da União pelo Tratado Constitucional e que foram no essencial, embora com adaptações, retomadas no Tratado de Lisboa".
Obs: Seria mais fácil e até mais sério ao dois partidos políticos anti-sistema - o BE e o pcp - defenderem o adiamento da Europa enquanto eles não estiverem no poder em Portugal. Ora, como essa condição política dificilmente se verificará temo que BE e pcp repitam a mesma cassete de sempre, i.é, serem partidos anti-Europa, mas depois, quando os Quadros Comunitários são aprovados, muito curiosamente, são os primeiros a reclamar verbas para a modernização da agricultura, pescas, indústria, etc, etc. Em si esta reivindicação não tem mal algum, todos os outros partidos dos demais Estados-membros fazem o mesmo, aqui a gravidade da reivindicação reside na tremenda falta de coerência e de honestidade política por parte daquele dueto anti-sistema em pugnar por um referendo quando se sabe, à partida, que Portugal está completamente dentro da Europa, e se erro ou mal existe decorre da nossa divergência em relação aos indicadores de desenvolvimento humano dos países que integram o pelotão da Europa. O problema do BE é que engoliu a cassete do pcp; o problema do pcp é que desde a queda do Muro de Berlim que ainda não engoliu mais nada. Daí a repetição, daí a identidade. Ora, são precisamente estes dois partidos em Portugal que mais precisam de Mudança. Todos ganharíamos.
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