A era do petróleo caro
cit., in Público
A era do petróleo caro
Há dez anos o barril de petróleo rondava os 12 dólares. Há cinco, custava um pouco mais do dobro, 25. Na semana passada chegou aos 100 dólares. As oscilações no preço do “crude” não são novidade: basta lembrar os “choques petrolíferos” de 1973 e 1979. Mas a recente e brutal subida do petróleo tem traços novos.
Um, positivo, é a melhoria da eficiência energética. Mais por isso do que por causa das energias alternativas (por enquanto marginais), a economia mundial está agora menos dependente do petróleo. Daí não ter ainda entrado em recessão, apesar do custo do “crude”.
Os países desenvolvidos gastam hoje metade do petróleo que gastavam em 1970 para produzir uma unidade de PIB. Infelizmente, na eficácia energética avançou-se muito pouco em Portugal, onde há um enorme desperdício. Mais importante para o mercado global, nessa área conseguiu-se menos do que o desejável nos Estados Unidos, o maior consumidor de petróleo do mundo.
A outra novidade está em que a recente subida tem na base factores estruturais, que não mudarão tão cedo. Não é o esgotamento do petróleo, um bem finito. As reservas petrolíferas actuais são quase 40 % superiores às conhecidas há vinte anos – apesar do enorme consumo entretanto realizado.
O problema é outro. Do lado da procura, temos a imparável subida do consumo na China, na Índia e na Ásia em geral. Do lado da oferta, quase dois terços das reservas petrolíferas mundiais situam-se no Médio Oriente, uma região cada vez mais instável.
Inúmeras causas circunstanciais têm sido apontadas para as sucessivas subidas no preço do “crude”: baixa do dólar, greves, furacões, queda nos “stocks” nos EUA, terrorismo, problemas nas refinarias, etc. Também se acusa a especulação. Ora, quem especula procura ganhar dinheiro, vendendo mais caro do que compra. Ou seja, prevê que o preço do petróleo venha a aumentar. Terá fundamento a aposta na alta do “crude”?
A Arábia Saudita possui 22 % das reservas mundiais de petróleo. No Koweit, Qatar, Oman, e Emiratos Árabes Unidos estão mais de 18 %. Este petróleo é barato de extrair: a sua produção custa 2 a 3 dólares por barril, contra mais de 15 no Mar do Norte ou no Alasca. Não é esperar que se mantenham indefinidamente os arcaicos regimes destes países árabes. Ora uma revolução ou convulsões políticas nas monarquias islâmicas, onde estão 40 % das reservas mundiais, poderão trazer cortes dramáticos na produção petrolífera.
Somem-se, agora, o Irão (mais de 11 % das reservas mundiais) e o Iraque (quase 10 %). Há uma ameaça de ataque americano ao Irão. E no Iraque a mortandade diminuiu, mas não se vislumbra um entendimento entre os vários grupos étnico-religiosos. Agora até o norte curdo do Iraque, rico em petróleo, está ameaçado pelo conflito do PKK com a Turquia. Repare-se, ainda, na instabilidade em vários países onde passam pipelines transportando petróleo do Médio Oriente. Não é tranquilizador.
Claro que o mercado petrolífero, como qualquer outro que funcione, é auto-corrector. Quando os preços do “crude” são repercutidos no consumidor, o barril caro estimula a poupança energética e o investimento em fontes alternativas, assim como fomenta a prospecção em novos locais. Sobretudo, esses preços tornam economicamente viável a exploração em campos petrolíferos onde o custo de extracção é elevado. Travando a procura e aumentando a oferta, o preço do petróleo poderá, assim, cair um pouco a médio prazo. Mas não cairá muito, dado que as grandes reservas petrolíferas estão onde estão.
O petróleo não terá sido a causa determinante da desastrada invasão do Iraque. Mas ele também contou. Não é por acaso que as forças armadas dos EUA estabeleceram bases em repúblicas do sul da ex-União Soviética produtoras de petróleo. Alan Greenspan, o anterior governador da Reserva Federal e que não pode ser acusado de anti-americanismo, escreveu nas suas memórias “aquilo que toda a gente sabe: a guerra no Iraque é em larga medida por causa do petróleo”.
R. Murdoch, magnate da imprensa e grande apoiante de Bush, em 2003 previa o barril a 20 dólares graças à invasão do Iraque. Viu-se. Quase tudo piorou no Médio Oriente desde então – do Líbano ao Irão, passando pelos curdos da Turquia, pela Palestina e pelo próprio Iraque. E o Paquistão ali tão perto... O petróleo barato tornou-se uma saudade.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: Mais um eficiente artigo do Francisco. Invista-se agora na descoberta duma outra fonte de energia alternativa. De preferência mais barata, mais limpa e com menor capital de chantagem por parte dos seus titulares.
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