sexta-feira

CHUVA DE JANEIRO - por António Vitorino -

António Vitorino
jurista
A escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa merece ser saudada em si mesma, mas também avaliada no que significa para o processo de decisão democrática.
Em várias ocasiões, escolhas fundamentais para o nosso futuro colectivo comportam uma componente técnica decisiva para o resultado final.
Nalguns países, a incorporação das componentes técnicas no processo de decisão e a delimitação do que é a específica esfera de ponderação política encontram-se alicerçadas em práticas sucessivamente testadas com bons resultados. Destaca-se o modelo britânico, assente em comissões independentes que elaboram estudos e um livro branco de recomendações que depois é submetido a consulta, debate público e ao necessário contraditório.
Entre nós esta prática não tem sido seguida. O que acaba por resultar numa vulnerabilidade acrescida da própria decisão política, numa controvérsia interminável sobre os dados técnicos relevantes e num empobrecimento da vontade democraticamente apurada.
Ora, a escolha de Alcochete para o futuro aeroporto, se é verdade que não seguiu uma linha de rumo programada em termos de conciliação entre a componente técnica e a componente política, acabou por criar um precedente importante no nosso processo de decisão democrática.
Com efeito, cumpre registar que um momento fundamental da decisão passou pela iniciativa da Confederação da Indústria Portuguesa ao apadrinhar um estudo que apontava para uma localização alternativa àquela que era preferida pelo Governo. Convém, contudo, não confundir as coisas: a decisão não se traduziu em adoptar o estudo da CIP, não tendo por isso razão os que pretendem invocar interesses privados obscuros como estando na base daquela iniciativa.
O que o estudo da CIP fez (e tal mostrou-se, sem dúvida, decisivo) foi fornecer um novo parâmetro de ponderação, uma alternativa que foi incorporada na avaliação solicitada ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil e que este concluiu ser mais vantajosa em três critérios fundamentais e tendencialmente neutra num quarto. As vantagens traduziram-se no custo inicial (embora a diferença não seja muito expressiva), na capacidade operacional e condições de segurança a ela associadas (designadamente no volume de tráfego possível por hora de utilização) e no prazo potencial de exploração da infra-estrutura aeroportuária (mais longo que na Ota e mais susceptível de ampliação se for necessário). Do ponto de vista ambiental, em qualquer lugar existem impactos negativos, mas os efeitos em Alcochete não são mais gravosos do que na Ota.
Ora, o resultado mais positivo do procedimento adoptado foi o de se ter confiado a avaliação comparativa a uma instituição pública - o LNEC - cujo perfil de competência e de profissionalismo oferecia, à partida, garantias de isenção e de idoneidade no desempenho da tarefa. Neste plano, não sendo uma comissão independente no sentido britânico, o LNEC desempenhou uma função de racionalização técnica do processo que subtraiu uma boa parte da controvérsia ao específico campo da decisão política propriamente dita. E a esfera política, no seu salutar pluralismo, reconheceu sem vozes dissonantes essa qualificação técnica, o que em si mesmo é um sinal positivo de maturidade democrática.
Por outro lado, o Governo teve a coragem de mudar de posição com base num estudo credível. Num ambiente onde se procuram obsessivamente sinais de recuos ou de incumprimento de promessas, não é pouco. De passagem, desautorizou a teoria da conspiração que havia sido propalada quando em Junho passado foi pedida esta avaliação comparativa.
Não deixa de ser curioso verificar hoje o silêncio embaraçoso daqueles que então denunciaram com veemência que a intenção do Governo era a de subtrair a questão da saída do aeroporto da Portela do debate na campanha eleitoral autárquica em Lisboa, para logo depois confirmar... a escolha da Ota! Tese que foi, aliás, usada até à exaustão por alguns dos candidatos a essa eleição que agora tentam passar secos entre os pingos desta chuva de Janeiro...
Obs: Um proficiente artigo de António Vitorino. Pois Nunca como hoje os sistemas e subsistemas militar, político, aeronautico, ambiental, social, economico jurídico e tecnológico estiveram funcionalmente tão relacionados com a ordem económica. Sob a inseparabilidade da Política com a Economia é que vale a pena dissecar aqui este importante contributo teórico neste artigo com o perfil de ensaio. Mais um.
Do artigo ressalto a relevância crucial da metodologia britânica (salientada por António Vitorino) de informar o chamado decision-making process. Pois o facto de em Portugal não haver tradição em consultar os grandes Laboratórios, Universidades e Centros de saber especializados não significa que estejamos no bom caminho. Ora, aquilo que o estudo do LNEC veio demonstrar foi que Portugal precisa de seguir essa metodologia britânica a fim de valorizar o processo de tomada de decisão político.
Além da previsibilidade e segurança que um projecto dessa envergadura exige, dados os recursos envolvidos, importa que os estudos e as novas tecnologias e as interacções aí presentes, denunciem as mudanças nos padrões económicos e sociais, segundo a clássica fórmula de destruição criativa do cientista (e economista austríaco) J. Schumpeter.
Contudo, esta panóplia de tecnologias e novas utilizações só é validada se houver retorno para as Ciências Sociais e Humanas (CSH). I.é., o estudo do ambiente, da saúde, da biologia, da segurança aeroportuária - entre outros - territórios do saber, só é viável se forem criadas linhas de comunicação entre o triângulo estratégico: decisores políticos, cientistas e cidadãos. Sem esta multidisciplinaridade a cadeia de comando (e reconhecimento das populações) não funciona.
Hoje nada se faz sem a soberania do conhecimento: a investigação, a inovação, o crescimento económico e a consequente melhoria da qualidade de vida em termos de saúde, ambiente, conforto e segurança.
Aqui urge perguntar: que papel cabe às CSH senão o de verter uma luz sobre a decisão política geradora de um paradigma técnico-económico do qual resultaria um padrão de desenvolvimento que engloba um cluster estável de tecnologias nucleares que, por seu turno, produzem um forte impacto na economia e na sociedade e em torno das quais se processa a inovação. É também isto que se deve pensar quando se equaciona a construção de um aeroporto internacional.
A reflexão de AV evidencia, por outro lado, que a construção dos saberes resulta sempre duma combinação: o economista pensa em termos de utilidade; o jurista em termos de conformidade da acção com as leis, o moralista com os princípios morais mas é o político que tem de se preocupar com tudo.
Como? envolver a ciência com os cidadãos reforçando o processo democrático pelo método do consenso da conferência praticado em alguns países. A cidadania e a governança devem regular a globalização e ser as sentinelas da integração europeia e do alargamento e da emergência de novas formas de identidade cultural. Pois é daí que derivam melhores decisões desenvolvimentistas que beneficiam todos e cada um dos portugueses.
Daí a necessidade da UE (e Portugal) promoverem estudos comparativos transnacionais e publicarem esses indicadores do desenvolvimento da investigação, e potenciá-los com as políticas públicas dos Estados gerando, assim, uma rede de investigação e conhecimento à escala europeia. Se esse estudo já estivesse disponível no mercado político há muito que teria sido tomada essa decisão, ou será que o projecto ainda estaria na gevata ao estilo Durão Barroso & Santana Lopes. Que além de tíbios e hesitantes na decisão nem sequer tiveram a arte de encomendar o estudo ao LNEC...
O que é natural, posto que Durão andava preocupado com a sua agenda pessoal de vir a ser mordo-mor da Europa, e, para o efeito, aproveitou o trampolim da guerra do Iraque e a cunha de G.W. Bush e o apoio intermediário de Tony Blair (que hoje o substituirá na Comissão apoiado por Sarkosy); e Santana também nada fez porque estava à espera que Durão fizesse a fuga para Bruxelas para ele ocupar o cadeirão de S. Bento. E o aeroporto internacional de Lisboa esteve a ganhar bolor na gaveta por causa da ambição pessoal destes dois players, que sempre colocaram os seus interesses particulares à frente do interesse nacional do País que era suposto servirem. Quem não os conheça...
O discurso político, ao invés do cientista, tem de ser compreensível para as massas, o que não favorece a inovação e o experimentalismo. Assim, torna-se problemático ao político decidir o novo campo estratégico e conduzir as massas sociais para tipos de comportamentos adequados à nova fase da globalização competitiva. Mas não é impossível..., como se verificou com este estudo do LNEC que veio "matar" as bocas dos analistas avençados e dos proponentes da região do Oeste que operavam como uma verdadeira "mafia lobista" ao pretender puxar o aeroporto para a Ota, cuja região e envolvente, até para um leigo, perceberia que os solos pantanosos, a Serra de Montejunto e todo um conjunto de condicionantes faziam daquele local uma má opção para Portugal.
Má opção em termos de custos, de operacionalidade aviónica e de rentabilidade económica e longevidade do projecto. Segundo alguns pilotos, o aeroporto na Ota significaria que muitos aviões, por falta de espaço, iriam despenhar-se na Serra de Montejunto...
Numa palavra: o artigo de AV teve vários méritos, mas também permitiu realinhar aquele avião que, doravante, esperemos, passará a fazer o take-of da pista mais enquadrado e beneficiando de melhores ventos...
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INFORMAÇÃO SOBRE A CIDADE DE LISBOA:
AOS DOMINGOS O TERREIRO DO PAÇO É DAS PESSOAS
PROGRAMA – DIA 20 DE JANEIRO [por favor consulte o documento anexo]
A partir deste fim-de-semana é integrada no programa uma acção de BALONISMO, nos primeiros e terceiros domingos do mês, com baptismos de voo em Balão de ar quente e acções de divulgação. Os voos estão condicionados às condições climatéricas.