segunda-feira

A nossa realidade (global): teoria da morte

A morte sempre me fascinou mas também sempre me frustou, pois nunca consegui vislumbrar o que está para lá dessa curtina de fumo-carvão que obriga a calar ante o indizível. E aqui somos todos anões mudos. Quando "ela" (a morte) nos bate à porta, por vezes sem aviso-prévio - como algumas execuções fiscais - percebemos que integramos elos e articulações duma roda dentada maior, e um dia somos triturados por esse rolo compressor, e o realismo desta previsão é de tal modo verosímil que até dá para antecipar e/ou encenar a nossa própria morte, incluindo funeral.
Ou seja, tal como a sociedade global, somos essas peças dum lego maior que é este nosso mundo, um sistema complexo, feito de diferenciações crescentes dos sistemas que antecedem e compõem todo esse maquinismo da incerteza que são as nossas vidinhas. Desta tragédia em potência, que significa sempre a morte, surge uma história: a história mundial - soma pormenorizada de todas as nossas pequenas e ridículas circunstâncias de vida. Enfim, uma história concatenada e feita de matérias importantes e também de coisinhas insignificantes. O dinheiro, a religião, a profissão, a economia, a educação, a saúde, a política, as relações interpessoais, o lazer, a comunicação - tudo isso, neste nosso tempo - se desdobra automaticamente, rompendo as velhas barreiras e territórios sociais aos quais, directa ou indirectamente, todos estamos ligados.
E aqui estamos, integrando essa máquina dentada colossal - que reflecte a tal sociedade mundial - que também não é mais do que o princípio da diferenciação social. Ora, é mediante este princípio (da diferenciação), que comporta diferentes estados de espírito e diferentes batidas cardiacas, que nos desenvolvemos como elementos autónomos e aí contribuímos para o bem comum, seja na ciência, na técnica, na filosofia, em suma, na mudança estrutural que pauta o andamento das nossas sociedades.
É esta evolução, feita de muitos recuos e desgraças, que tece a nossa trágica história (pessoal e colectiva) - feita de vida, desenvolvimento e morte. No plano político, é todo este complexo de relações e de processos locais, nacionais, regionais e mundiais - que nos obriga a uma leitura cruzada dos factos.
Mas os factos, tal como a morte, são uma tragédia predominantemente a-histórica. Portanto, esta banal e problemática interrogação irá colocar-se sempre. Até ao fim dos nossos dias, e depois deles. E antes de termos nascido também parece que que era assim. Nada de novo sob os céus, portanto...
Já agora, já pensou como quer (ver servida) a sua própria morte?!
PS: Considero que o estudo da Filosofia é, entre outras coisas, uma espécie de curso geral para a morte. Um momento propedêutico que deveria ser intensificado, acolhido e aprimorado nas escolas, nas universidades e até nas Novas Oportunidades, de modo a que os portáteis já trouxessem lá dentro algum software nessa linha e com essas preocupações metafísicas.
Sempre fomos educados para a vida, mas não sabemos lidar com a morte, e esta deveria ser estudada e racionalizada a outra luz. Muito provavelmente viveríamos mais tempo, atribuíamos melhor sentido à vida que fruímos (a prazo), seríamos também mais produtivos, humanos, solidários e cooperantes. Não fazer nada disto é continuar a ser o que sempre fomos: uns animais mais ou menos civilizados em função do status e do dinheiro que vamos acumulando supondo que é aí, no "Ter", que reside a nossa essência, e Não é.
Ela reside no "Ser". Mas hoje, é-se muito pouco, infelizmente...
  • Post dedicado a todos aqueles que ainda não morreram, ou pensam que estão vivos.