segunda-feira

Todos se divertem à custa do pobre santana Lopes.

AINDA O BARÃO DE MÜNCHHAUSEN
Nuno Brederode Santos
Pedro Santana Lopes tem uma personalidade que vai buscar a força aos excessos. Todos os excessos, mesmo que de sinal contrário. Faz o super-herói, mas, no fiasco, faz a vítima. O que ele tem por desassombro é, não raro, topete, desplante e lata. Senhor de inegáveis talentos conviviais - como a leveza, o improviso, a sedução e a ousadia de afirmar -, julga-os a chave mestra para a vida, ou, pelo menos, para a vida que ele gosta de viver. Ele sabe que há outra vida: a que se faz de trabalho, ordenação, paciência e regras. Não gosta dela (e longe de mim censurá-lo). Mas reivindica um estatuto de superioridade natural: esta vida não só não lhe é oponível como deverá vergar-se a ele, como excepção de direito divino. Ora as dificuldades advêm, cada vez mais, de não lhe ser reconhecido este estatuto pela cinzenta maioria que se cumpre nessa outra vida, que o conheceu melhor como primeiro-ministro e que, enfim, o sovou nas urnas. Por isso, ele precisa de surpreender e deslumbrar, para que, por entre a multidão erradia dos papalvos, possa passar, de contrabando, o seu destino. E é nesses momentos, de mais dramática aposta no voluntarismo optimista e de crença de que o seu imparável caminho está nos astros, que ele evoca o barão de Münchhausen. Na criatividade, na infantilidade, na desmesura.
Foi este o PSL que, entre as directas e o Congresso subsequente, passou da equidistância ao alinhamento, depois fez ver numa conversa com o líder um "acordo de cooperação institucional" e ganhou em dote a chefia da bancada, tornando-se, na prática, o número dois do partido. Ele é a voz institucional que facilmente podemos ouvir, porque Menezes saltita das esquinas do lumpen para as luzes das conferências de imprensa, mas nada disso vale a atenção que o hemiciclo ainda merece.
E foi este o PSL que criou um western para o debate do Orçamento. Chamou-lhe até um "novo ciclo". E traçou um cenário em que homens, bancadas, partidos e instituições, tudo se apagava para deixar que as luzes apenas comportassem dois titãs: ele próprio e Sócrates. O Parlamento tornava-se uma paisagem lunar. Não há outras presenças nem vozes. Ser oposição já não tem escolha, é estar com ele.
Este mundo virtual desabou nos termos que se conhecem. Ao primeiro dia, perante Sócrates, que obviamente não desperdiçou o que a simples presença dele (para mais na vizinhança física de Paulo Portas) relembra no eleitorado. Será cruel, mas não me ocorre qualquer primeiro-ministro que exercesse o poder aspirando à santidade. Aí, PSL ainda admitiu que as coisas lhe correram mal. Ao segundo dia, Menezes veio ao Parlamento para um almoço com palestra de balneário e PSL voltou à arena. Mas o improviso, além de pouco articulado, saiu-lhe demasiado egocêntrico para ser útil ao partido. Depois, inseguro, ele abandonou o hemiciclo antes da resposta. Quando um cavalheiro falha o seu tiro e sai antes que o outro dê o tiro a que tem direito, converte o duelo numa tocaia de jagunços. Mas ele acabou a ouvir o massacre de Silva Pereira, feito com a frieza sistemática do sábio louco que quer destruir o mundo. E como se tudo isto não bastasse, não houve uma só bancada de oposição que se resignasse ao papel subalterno que o sonho grandiloquente lhe reservara.
Não entendo, por isso, as teses segundo as quais PSL caiu na "armadilha" de se deixar confrontar com a sua própria governação. Porque essa eventualidade era uma certeza prévia. E porque ele próprio disse querer esclarecer esse passado. Pelo contrário: PSL estava tão empenhado quanto Sócrates em o reavivar. Porque ele quer justificar-se aos olhos de um eleitorado que o puniu e que tudo indica que não se arrependeu. E vai continuar a querer, porque sem varrer essa testada não poderá voltar a votos. Se esse seu interesse essencial esbarra contra os interesses imediatos do partido, tanto pior para o partido. Todos sabemos que estes episódios se repetirão. E a pergunta continua a ser: por que razão Menezes quis partilhar tanto um poder que era só seu?