segunda-feira

Mário Soares é objecto e sujeito de si mesmo simultaneamente

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Mário Soares dispensa apresentações, ele é um Pai-fundador da República, preservando-a da ameaça comunista quando o perigo desses verões quentes espeitavam prometendo dar cabo da economia e da sociedade com aquela matriz de pensamento soviético que o Cunhal almejava para Portugal. Seria uma desgraça se Soares não refreasse Cunhal e o PCP nessas derivas totalitárias para Portugal. Se não fosse Soares Portugal seria hoje uma Albânia ou uma Roménia, ou ainda esboçaria o traço de modernidade medieval made in Coreia do Norte que o sr. Bernardino do pcp afiança ser uma democracia.
Depois veio o ciclo da integração europeia em que Soares também funcionou no papel de madrinha, assinando o tratado de adesão, embora Sá Carneiro e muitos outros também tivessem trabalhado para esse resultado de europeização de Portugal, inevitável, mais tarde ou mais cedo, findo o ciclo do Império colonial afro-asiático - que ía do Minho a Timor. Também aqui Soares se afigura uma estaca do regime e do sistema e um farol europeu de matriz desenvolvimentista e modernista.
No Sábado deu uma extensa entrevista ao DN/tsf que aqui republicamos, e a dado passo diz dele o seguinte: eu como não sou bom em números confiava nas contas que me apresentavam...
E eu lembrei-me de que muitos dos Conselhos de Ministros eram presididos pelo seu ministro das Finanças, o autorizado prof. Ernâni Lopes (salvo erro), e em muitas dessas ocasiões, ante a impreparação de Soares para as questões mais financeiras, era Ernâni Lopes - da elevação dos seus 2m de altura - que tinha de conduzir os trabalhos. Desconheço se Soares adormecia nesses conselhos, mas admito que sim, ante matérias tão áridas. Mas ao menos Soares tem a virtude de não ser como aqueles políticos ao pretender disfarçar o seu desconhecimento de certas matérias através de expedientes, Soares não sabia e não sabe de números e faz bem em reconhecê-lo. Só lhe fica bem. Mas sabe falar francês como nenhuma outra pessoa sabe!!!
Mas em toda a entrevista identifiquei algo de mais profundo, uma espécie de viagem pelo interior da galáxia da sua própria vida que Soares, hoje aos oitenta e tal anos, deseja reconstruir. E é isto, a meu ver, que é admirável, porque denuncia a imensa força anímica que ele ainda sente. Vejamos o caso da Venezuela, que a entrevista não abordou, aqui Soares fez uma tremenda prova de vida dizendo ao mundo, vejam como eu estou vivo e mexo, facilito, alinho pontes de diálogo, aproximo homens e instituições e, de caminho, ainda trago os hidrocarbonetos mais baratos para Portugal. "Sou um herói esquecido" que Socas reaproveitou (cogitará Soares para os seus botões). Seria isto possível com um Ramalho Eanes?! Não creio...
Soares é assim uma espécie de objecto e sujeito de si próprio, ele é um sujeito individual e colectivo ao mesmo tempo com uma tremenda dimensão intergeracional.
Soares é um vai-e-vem e um equilíbrio entre distanciação e empenhamento. Distanciação porque deseja demarcar-se de ideias pré-concebidas; empenhamento porque depois se envolve até ao pescoço na estrutura da decisão política, como se fosse uma molécula omnipresnete indispensável também para compreender o modo de funcionamento dos grupos humanos, ter acesso ao interior da experiência (e da riqueza) que os homens, as economias e as sociedades têm para trocar entre si neste tempo (incerto) que passa.
Mas é curioso ver a forma pela qual hoje Soares volta a reentrar pela porta grande da política nacional, e fá-lo por via das relações internacionais (da energia), coisa que não sucede com os demais políticos de muito desigual calibre.
Vejamos apenas dois exemplos tão comesinhos quanto manhosos: Santana ao tentar regressar revela a sua verdadeira inépcia política mostrando que é mais um entre muitos dispensáveis, regressou pela porta do cavalo e sairá pelo postigo; Paulinho Portas ao tentar recuperar a aura d' outros tempos demonstra que só quis depôr Ribeiro e Castro para se evadir aos processos judiciais que sobre ele impediam no âmbo da corrupção política de decisões tomadas por membros do seu partido envolvendo o BES e o financiamento partidário (ilegal, vide o caso Portucale) .
Portanto, quando comparamos "estes meninos" do coro ao pé de Soares é como metermos um Fiat 600 ao lado de um Aston Martin, não há comparação possível.
Numa palavra: parabéns Dr. Soares. Afinal, Soares é fixe!!! mesmo desconhecendo a lógica dos números...
Afinal, quem acreditaria hoje que Vitor Constâncio poderia governar Portugal, para além dele próprio?!