segunda-feira

A entrevista de Mário Soares: "José Sócrates é mesmo o anti-Guterres é um homem de extrema determinação"

Entrevista com Mário Soares Que nota lhe merece o actual Governo de José Sócrates?
Em notas o especialista é o prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Eu nunca me atreveria a dar uma nota a nenhum político.
Mas que avaliação faz?
O primeiro-ministro Sócrates é uma pessoa que me surpreendeu muito positivamente. Quando entrou no Partido Socialista, jovem, era eu líder do partido. Pensei que ele fosse uma criatura do Guterres... Era a minha ideia, mas era uma ideia falsa. Estava errado. Ele não é uma criatura do Guterres. Ainda agora em Madrid disse isso ao Guterres. [Sócrates] é mesmo o anti-Guterres no sentido de que ele é um homem de extrema determinação e que sabe o que quer. Tem coragem para dizer as coisas e fazer frente às dificuldades. Nestes dois anos, parece que isto é uma coisa que toda a gente pode reconhecer de boa-fé, ele teve uma herança terrível. O País estava numa situação caótica e ele conseguiu endireitar as contas públicas, reduzir o défice. Algumas das reformas não se sabe bem o que é que vão dar, essa eu acho que é uma crítica legítima, mas que também releva uma qualidade de coragem grande. Ele abriu muitas frentes de luta ao mesmo tempo. Foram os funcionários públicos, foram os professores, foram os médicos e enfermeiros, foram os juízes, etc. Podia ter feito isso mais planificado.
Isso, politicamente, pode pagar-se?
Ele [José Sócrates] é um patriota. Isso é que é importante registar. Não está ali por interesse nem por dinheiro. Está a pensar que está a fazer um grande serviço ao País.
Quando é que o senhor começou a reconhecer-lhe todas essas qualidades?
Praticamente não o conhecia até à campanha eleitoral das presidenciais passadas. Somos de duas gerações completamente diferentes. Mas agora conheço, conheço.
Costuma ter contacto com ele, trocam impressões?
Não, não sou conselheiro de ninguém.
Há muitas críticas, mesmo de sectores do Partido Socialista, que vão dizendo que esta acção governativa se faz muito à direita. Partilha de alguns aspectos desta crítica?
Eu não diria a coisa assim, diria a coisa de outra maneira.
Como?
É assim: eu acho que passados estes dois anos - ele [José Sócrates] tem mais quatro até às próximas eleições em 99 [Mário Soares engana-se pois quereria dizer mais dois anos, até 2009] -, deve ter grandes preocupações, a partir de agora, com o mundo do trabalho. Deve dialogar com o mundo do trabalho.
O senhor diz isso por causa do ciclo eleitoral?
Não, não digo por causa do ciclo eleitoral, digo por causa do País e porque me preocupam imenso as grandes desigualdades sociais. Para quem amou e ama a Revolução dos Cravos como eu, para quem sonhou com um Portugal diferente, é chocante ver como as desigualdades sociais se agravaram nos últimos tempos. Tem de se lutar contra isso para...
Agravaram-se porquê?
Agravaram-se porque houve uma vaga neoliberal.
Acha que os políticos em Portugal têm sido muito condescendentes com os grandes grupos económicos e com essas desigualdades?
Bem, os grupos económicos são necessários. Mas eu acho que houve uma vaga neoliberal vinda da América. E essa vaga neoliberal é uma ideologia. Quando disseram que acabaram as ideologias... realmente acabou o comunismo por implosão, acabou o nazi-fascismo porque foi derrotado, mas veio o neoliberalismo, que é uma outra ideologia perniciosa para a América, em especial, e para o mundo, também para a Europa. Houve uma vaga que entrou...
Por onde?
Em grande parte via [Tony] Blair. Mas em Portugal, claramente, entrou por onde? Entrou por aí, por toda a parte, isso agora não...
Quer dizer-nos algum partido em que isso tenha sido mais visível? Todos os partidos foram, alguns mais do que outros, claro. Nos partidos da direita foi com aplauso, sem dúvidas. Os partidos da esquerda foram contra, pelo menos o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda foram contra desde início.
Quer o PS quer o PSD podem ter sido "contaminados"...?
Não, não, o PS [teve] alguma condescendência e isso é verdade.
O PS de Guterres? O António Guterres tem algumas culpas nesse cartório, mas também reconheço que isto foi tudo antes de as coisas estarem muito à vista. Tudo só se tornou muito claro para toda a gente a partir da invasão e da Guerra do Iraque. Antes disso não. Mas o Guterres é um homem de uma superior inteligência, não se esqueça disso.
Nestes últimos tempos tem reaparecido como um homem de esquerda. Houve um tempo em que meteu o socialismo na gaveta. O que é que o voltou a fazer tirar o socialismo cá para fora?
[Risos] Essa expressão é uma antiguidade.
Que o senhor tornou famosa...
Não fui, não fui eu, porque eu nunca aceitei que tenha metido o socialismo na gaveta. Quem inventou isso, claro, foi o Partido Comunista, que disse que eu estava a meter o socialismo na gaveta. Porque, realmente, há tempos para tudo. E eu apanhei o Governo duas vezes, quando Portugal estava paralisado e numa situação dificílima. Próximo da bancarrota, por duas vezes estivemos próximos da bancarrota e era preciso dar de comer aos portugueses. E estávamos com... Eu lembro-me de uma vez um governador do Banco de Portugal me ter telefonado às duas horas da manhã, para casa, estava eu a dormir perfeitamente, tranquilamente, a dizer: "Mário, é uma desgraça, é uma desgraça, amanhã isto vai quebrar, porque nós passámos à linha vermelha e agora já não temos dinheiro para pagar. Se há uma corrida aos bancos é a bancarrota." E eu respondi-lhe: "Olhe, ó meu caro amigo, o senhor governador faça favor, para a próxima vez, não me acorde às duas da manhã, porque se é a bancarrota eu tenho de estar lúcido amanhã de manhã e, portanto, preciso de dormir agora. Deixe- -me lá dormir." Bem, não houve bancarrota. Mas estivemos muito próximo, realmente.
Nessa altura preocupava-se mais com contas, tinha de saber mais de contas?
Sim, preocupava-me. E tinha de fazer aquilo que era possível quando não as sabia fazer, porque eu em números não sou bom, como toda a gente sabe. Pedia aos outros que as fizessem. E confiava nas contas que me apresentavam. Mas a pergunta que me fez, que é a antiguidade, se eu meti o socialismo na gaveta - não, nunca meti o socialismo na gaveta. Mas, quando se fala do socialismo na gaveta é no socialismo dito comunismo. Isso meti na gaveta. Não, meti mais que na gaveta, pu-lo no caixote do lixo. E contribuí para isso. E assumo isso com toda a frontalidade. Eu não queria viver num país comunista. Tinha-me batido por uma ditadura, não queria outra. E nós estivemos à beira disso, também, isso sim. Agora, sempre fui socialista e continuo a ser, e não sou daqueles que acham que o socialismo está ultrapassado.
Hoje quando olha para países como a Rússia e a China, que memórias é que lhe traz esse ideal comunista que também teve?
Atenção, não faça aí uma amálgama perigosa. Eu saí do Partido Comunista em 1949. Faça a conta e veja quantos anos são.
Foi há muito tempo... E no princípio da Guerra Fria. Repare, no princípio da Guerra fria, quando se criou a NATO e essas coisas. Porque eu percebia o que aquilo era. Eu fui sempre contra esse modelo dito socialista, e que nunca foi socialista, que foi comunista se quiser. Portanto, eu estou numa linha socialista, reformista, democrática, e aceitando o pluralismo. Essa é a minha linha. Até agora.
Mas como é que olha para estes dois países de que estávamos a falar, a China e a Rússia?
A China preocupa-me mais do que a Rússia, curiosamente. Porque a China, infelizmente, é a combinação de dois regimes, os piores. Tirou o pior do comunismo, que é um comunismo duro e puro, dominado pelo Politburo. E tirou do capitalismo o pior que tem, que é o capitalismo selvagem que não se interessa pelas pessoas. Só se interessa em que a taxa de crescimento suba. E as pessoas, se elas ficam mais pobres ou se morrem de fome, isso não lhes interessa nada. Isso é o pior. A Rússia é muito mais complexa nesse aspecto. Porque, apesar de tudo, a Rússia tem, neste momento, uma democracia, embora uma democracia um pouco musculada, como toda a agente sabe. Vamos ver como é que isto evolui, esperemos que evolua no melhor sentido. Eles querem-se aproximar da Europa, é importante que haja uma boa relação entre a União Europeia e a Rússia, em todos os domínios e não só nos económicos, principalmente nos políticos. Mas são dois países emergentes, que têm uma potência enorme...
Julga que é possível fazer uma reforma democrática na China?
Julgo que vai haver grandes problemas na China de natureza social. Não é possível manter Xangai com aquele esplendor de riqueza - o maior número de Ferraris por metro quadrado está em Xangai - e ao mesmo tempo ter a pobreza absoluta que existe ainda na China. Não é possível! Isso são as tais desigualdades sociais. E depois há outra coisa: é que os chineses apostaram e puseram a sua economia a comprar os títulos de dívida pública dos EUA. E isso parece muito inteligente à primeira vista. Mas a verdade é que eles agora estão cheios de títulos do Tesouro dos EUA, mas os EUA entrando numa situação difícil, de crise financeira, de crise de inflação, de aumento do desemprego, e, com o dólar a descer todos os dias, é evidente que isso cria um problema à China imenso.
E um problema, hoje, da China, no globo, é um problema do globo inteiro. Ou não?
Ai isso é. E da América também. Eu não estou nada satisfeito com a situação da América neste momento. Acho que é preciso que venha um presidente da América que seja capaz - e estou convencido de que isso vai acontecer - de dar um novo élan à economia e ao social. Mas o que é novo hoje, agora, neste momento em que estamos a falar, é que até aqui era a democracia liberal. E quando se diz democracia liberal o que é que se quer dizer com isto? Quer-se dizer que é a democracia que a ideologia neoliberal indica, isto é, uma democracia formal, em que se mete o voto, podem ser sérias ou não ser sérias as eleições, isso depois depende e se verá, mas não é nada mais do que isso. Ora a democracia para funcionar bem, e isso é que é importante, e o desenvolvimento para existir a sério, é preciso ter duas componentes essenciais. Primeira componente: a dimensão social. Tem de estar lá. Porque a democracia é feita para as pessoas, não são as pessoas que são feitas para a democracia. Portanto, se as pessoas não têm um nível social, não têm tranquilidade quanto ao futuro, não têm um modelo social garantido, e segurança social garantida, etc., estão mal. Outra questão é a ambiental: a democracia tem de ter uma componente ambiental, sem isso também não pode avançar. Ora, é essa componente ambiental, e aqui iremos ter de falar outra vez do petróleo, das energias alternativas, etc., para ver que sem isso o mundo não avança. Ora, é nesse espaço, que é um beco quase sem saída, que os americanos, a Administração Bush, meteu a América e tentou empurrar a Europa. Hoje, na Europa, esse problema já não existe, porque a Europa toda já acordou neste sentido, mesmo os partidos conservadores. Hoje, ouça-os falar. Não é por acaso que o nosso compatriota, presidente da Comissão [Europeia], reconhece que foi enganado.
Gostava que comentasse esse reconhecimento de José Manuel Durão Barroso, aqui, a semana passada, neste mesmo espaço, de que recebeu informações falsas sobre as armas de destruição maciça. Como comenta essas palavras ditas quatro anos depois?
Bem, acho que mais vale tarde que nunca. Ainda bem que ele o faz.
Na altura, tinha a noção de que eram informações erradas?
Então não tive? Disse-o publicamente.
Mas podia ser a sua opinião. Sabia que aquilo era uma mistificação?
Não sabia, mas estava convencido. E estava convencido de que, mesmo que não fosse, nada justificava o ataque. Como acho que nada justifica um ataque ao Irão, se se viesse a fazer. E que seria uma tragédia para o mundo.
E acha que corremos esse risco?
Acho que não, porque o Presidente Bush já não tem força para isso.
Qual é a alternativa a essa visão musculada que leva os países à guerra? Não sente também que países como o Irão podem aproveitar a fragilidade alheia e avançar para uma situação que depois seja irreversível, numa zona complicadíssima como é o Médio Oriente?
Não, eu penso que as pessoas têm bom senso. E eu não estou convencido, nunca estive - lembra-se? - de que mesmo os terroristas vêm de Marte ou de outro planeta. Estou convencido de que são pessoas como nós.
Mas terão bom senso, os terroristas?
Não sei se têm bom senso. Alguns, do nosso ponto de vista, não têm. Quando um cidadão está disposto a morrer porque lhe prometeram que, no paraíso, tem onze virgens, é natural que eu lhe diga que isso não é uma prova de bom senso. Do meu ponto de vista.
Mas mantém a ideia de que é possível e desejável negociar com algumas organizações terroristas?
É possível, é necessário, é indispensável negociar. Sempre negociar. Porque é a negociar que as pessoas se entendem, é a falar que as pessoas se entendem.
Mesmo com terroristas?
Seja com que for. A propósito da ETA, que são uns terroristas especiais, não confundo a ETA com o terrorismo global islâmico, é completamente diferente, é uma coisa nacionalista, como foi o IRA e outras coisas... Mas o Rei de Espanha, não sei se se lembra, disse "é a conversar que as pessoas se entendem". É evidente.
O Irão está a desenvolver tecnologia nuclear, está numa zona que é um barril de pólvora. Acha que só esse apelo ao bom senso, essa confiança no bom senso, pode resolver?
É preciso ouvi-los, é preciso compreender...
No caso do Irão isso tem sido feito ou não?
Nem por isso.
Há negociações, há encontros...
Não, nem por isso. Às vezes há imposições, há humilhações, há situações de incompreensão com um fanatismo que se opõe a outro fanatismo. Quando isso é assim, a coisa vai mal .
Isso aplica-se à política norte-americana do Presidente George Bush. No futuro, com eleições nos EUA, quem é que vê mais colocado para dar um passo em frente a nível mundial?
Não sigo com suficiente pormenor a situação política americana eleitoral para lhe poder responder a essa pergunta com algum bom senso e alguma certeza. Não sei, não faço ideia. Se me perguntar quem é que eu gostaria que fosse eleito eu dizia-lhe que, pelo que conheço, a pessoa que mais gostaria neste momento era o [Barack] Obama. Neste momento... Podem aparecer ainda outros. Se vier o Al Gore, é caso para pensar...
Por ser democrata?
Não, por ser um homem de bom senso. E um homem que tem uma série de ideias para a América, que quer refazer a linha do Roosevelt. A América teve a vantagem de sempre ter grandes presidentes em períodos críticos. Quando foi do nazismo, do ascenso do nazismo, apareceu o Roosevelt. Se não fosse ele, o que é que teria sido do mundo?
E acha que o facto de ele, Obama, ser negro seria importante para o mundo?
Sim, sim, era importante para a América, sobretudo. Para o mundo era indiferente. Eu sou daqueles que consideram... Sou partidário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que somos todos iguais, independentemente da nossa cor, género ou condição social.
Vamos regressar à actualidade portuguesa. Como é que compara, ideologicamente, o PS de hoje com aquele partido que fundou em 1973?
Bom, o programa é mais ou menos o mesmo, mas o PS de hoje tem de responder a desafios que são totalmente diferentes dos meus. Na altura, a grande força que estava a tentar dominar, sobretudo nos primeiros anos após o 25 de Abril, era o PCP e a extrema-esquerda. E era preciso pôr uma barreira. Mas uma barreira mantendo a legalidade dos partidos, porque quando foi o 25 de Abril houve muita gente que pediu que o partido fosse atirado para a ilegalidade. E o Grupo dos 9, pela boca do Melo Antunes, e o PS pela minha - ambos fizemos declarações, no mesmo dia, sem estarmos combinados - disseram que isso não podia ser. E não foi.
E hoje, o PS?
Bem, hoje o PS está perante uma invasão e uma pressão enorme, não da direita política - que neste momento, representa, infelizmente, pouco... Eu gostaria que a oposição, sobretudo a do PSD, fosse uma oposição forte e coerente, porque isso é útil para um partido de Governo como o PS, sobretudo tendo maioria. Mas a pressão vem do lado direito... Dos interesses, de toda a imprensa, de toda a opinião. A opinião que a imprensa procura fazer vem sempre do lado direito. Se vir hoje, não há nenhum jornal que veicule as ideias da esquerda em Portugal, o que é triste.
A sua opinião sobre a imprensa é curiosa porque é normal ouvirmos políticos de partidos de direita dizer que a generalidade da imprensa é de esquerda. Por isso, a sua opinião aqui é curiosa...
Se calhar alguns dizem isso porque acham que não é suficientemente de direita [risos].
Bom, mas não vamos discutir isso...
[Risos] Não, não vamos, vocês ficariam mal se discutíssemos isso...
Acha que o actual quadro partidário está consolidado ou os próximos tempos podem trazer alguns reajustamentos e impor a necessidade de aparecimento de novos partidos à esquerda e à direita?
O quadro institucional nunca está perfeitamente consolidado. Quando há pluralismo e as pessoas têm possibilidades... Disse há bocado que a imprensa, hoje, quase toda, veicula ideias de direita. Isso parece-me que não é contestável, porque é evidente...
Estamos só a fazer-lhe perguntas...
Eu sei, e estou a responder. Não estou a fazer-lhes perguntas, estou a responder. O que quero dizer é que podem mudar as circunstâncias e o vento soprar de outro lado. E nessa altura aparecem outros jornais. Neste momento não aparecem porque é difícil. Mas nos partidos também. Eu hoje vejo muita gente fora dos partidos... Eu estou até a tentar escrever um livro, estou a começar ainda, mas que é um livro que me parece que tem utilidade e actualidade, que se chama o Elogio da Política. Para chegar ao elogio dos políticos e dos partidos. Porque a política é a actividade nobre do espírito, foi considerada a última das coisas. E as gerações que aí estão, os melhores, são gerações que fogem da política. Porque não sentem lugar, e isso é culpa dos partidos, porque se fecham sobre eles próprios - incluindo o PS. Mas as coisas vão mudar, o mundo muda e portanto a política muda. Tem de mudar.
Sente no PS que pode acontecer, em futuras eleições, aquilo que se passou em recentes eleições, com figuras que saem do partido, o dr. Manuel Alegre, a arquitecta Helena Roseta... É um fenómeno que pode acontecer em eleições futuras?
Não vejo que... Acho que o aparecimento de novos partidos é possível. Apareceu o Bloco de Esquerda, pode aparecer outro bloco de direita. Podem estar em gestação muitas coisas, não sei se estão. Relativamente ao PS, eu gostaria que o PS agora se voltasse um bocadinho mais para a esquerda. E quando digo que é preciso que faça trabalho no sentido de dialogar com os sindicatos, e do mundo do trabalho para resolver problemas graves como as desigualdades sociais e a pobreza, estou a dizer uma coisa muito concreta, que é o que vai ao encontro das grandes aspirações populares. Porque as pessoas que estão aqui querem liberdade, evidentemente, mas estão seguras de que ela existe. Podem ter desconfianças aqui e ali, mas a liberdade existe. Eles não têm medo de falar, ninguém tem medo de falar em Portugal , acho eu, e até muitos falam de mais. Mas a verdade é que eles querem melhorar o seu nível de vida. Hoje, há um bispo que veio dizer, e muito bem, em nome da Igreja, que é preciso lutar contra a pobreza. E a Igreja também. As igrejas, não só a Católica. É indispensável, não podemos continuar assim. E abrir às pessoas caminho, para que a juventude possa ir no caminho em que deseja.
Tem andado envolvido em movimentos de aproximação das pessoas. Já pensou em fazer as pazes com o seu camarada Manuel Alegre?
Não tenho de fazer pazes, não cheguei a ficar... Nós cumprimentamo-nos... Agora, evidentemente, daí a voltarmos às relações que tínhamos é um bocado difícil.
Está arrependido de ter sido candidato a presidente da República? Não, não estou.
Como é que analisa os dois primeiros anos de mandato do Presidente Cavaco Silva?
Considero que tem sido uma figura discreta e que tem tido bastante bom senso na sua actuação. Aliás, era de esperar que assim acontecesse. Tem feito o seu papel com discrição. E bem. Até aqui.
Foi um programa de entretenimento da RTP, mas a verdade é que Salazar venceu os Grandes Portugueses. Isso incomodou-o?
Não, não me incomodou porque não dei importância nenhuma a isso. Foi uma coisa fabricada, que não corresponde à verdade. Se houvesse verdade, havia partidos que se reclamavam da herança de Salazar, e nunca vi nenhum que o reclamasse. Se houvesse algum que o reclamasse, representaria zero, vírgula qualquer coisa por cento da população portuguesa... Portanto, foi uma coisa completamente ao contrário do que é. E as pessoas em Portugal têm bom senso para não se deixarem levar com essas coisas. Nem se indignarem. Eu não me indignei, ri-me.
Nem sequer com o facto de não ter estado nesse lote de dez pessoas? Eu?! Se estivesse é que ficava surpreendido e indignado. Pelo contrário.
PS: Uma entrevista tão boa quanto previsível - por parte de Mário Soares: franca, de resposta fácil, embora sem rasgos - nesse sentido previsível, e com alguma lucidez, sobretudo na sua idade em que parece não querer envelhecer. E ainda bem. Pois se há coisa que Soares se pode regozijar, entre muitas outras (naturalmente), é já ter visto partir muitos dos amigos e companheiros - e isso também é uma prova de vida. Mas gostei daquela tirada em que Soares diz que não é bom em números, por isso confiava nas contas que lhe apresentavam.
Não vamos aqui recordar o que Soares pensava e dizia de Sócrates, nem o que dele dizia Marcelo - (que jurava que Sócrates era de plástico e só sabia falar com teleponto à frente), pois saíu o tiro pela culatra a ambos - que agora têm de engolir em seco. Contudo, Socas tem pela frente uma questão grave - que se liga a outra: o desemprego, o investimento e o crescimento económico. Mexer nesta equação com sucesso é interferir com o futuro de Portugal. Esperemos que seja no bom sentido.