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COMPETITIVIDADE DEMOCRÁTICA - por António Vitorino -

COMPETITIVIDADE DEMOCRÁTICA [link]
António Vitorino
jurista
Com a chegada do Outono entramos no ciclo orçamental. Tempo de balanços e de apresentação de perspectivas próximas para a economia do País e das famílias.
Este ano, os termos do debate são mais complexos, na medida em que ainda estão por conhecer todas as sequelas da crise do crédito hipotecário americano. E, se a expectativa portuguesa é de que a crise do subprime terá um impacto directo diminuto entre nós, não podemos, contudo, ignorar que os seus efeitos nas economias europeias, designadamente naquelas para as quais se canalizam as nossas exportações, também nos afectarão indirectamente.
Para já chegam sinais de um certo retraimento da economia espanhola, nosso principal fornecedor e cliente hoje em dia. São más notícias.
Por outro lado, de um efeito colateral da crise financeira decerto não escaparemos: a subida do preço do barril de petróleo que atingiu um valor recorde nos últimos seis anos...
A volatilidade da economia global em que nos inserimos torna as previsões de referência do Orçamento português para 2008 num exercício de alto risco. Sobretudo se tivermos em linha de conta que será no próximo ano que o défice orçamental português deverá descer abaixo dos 3% fixados no pacto de estabilidade e crescimento da União Europeia.
Nesse plano, o próximo Orçamento terá de ser um Orçamento de contenção e rigor no ajustamento das finanças públicas, imprescindível para a credibilidade externa do Estado e para a consolidação de um quadro de referência de estabilidade macroeconómica que potencie a confiança, o investimento e a criação de emprego.
O que merecerá reflexão e debate será, pois, o sentido deste ajustamento e a sua sustentabilidade a prazo.
Quanto ao sentido, as coisas são claras. A despesa pública em relação ao produto terá de continuar a descer de modo a garantir a prazo a observância dos limites decorrentes da participação na moeda única europeia.
Já quanto às prioridades, essa contenção da despesa pública terá de resultar da diminuição da despesa corrente, da eficácia fiscal e do esforço contributivo dos portugueses.
Enquanto não pudermos ter a garantia de que a consolidação orçamental é sustentável não será possível aliviar a carga fiscal de modo significativo. Do mesmo modo, se a reforma da administração pública não contribuir para a quebra da despesa corrente não nos libertaremos de um dos eixos centrais da rigidez da despesa pública global e consequentemente ficaremos numa situação vulnerável a recair em infracção no curto prazo.
Contudo, como é óbvio, a margem de intervenção do Estado na fixação destes parâmetros depende essencialmente do comportamento da economia, em especial do investimento e do crescimento do produto.
Neste aspecto, o ano de 2008 será o primeiro ano de efectiva aplicação do novo quadro financeiro plurianual da União Europeia (2007/2013), alicerçado em novas prioridades que deverão ter como objectivo central a promoção do crescimento económico. A previsão do Governo, de um crescimento de 2,3% do PIB em 2008, parece realista, embora muito dependente da evolução da situação económica global.
Mas importa não perder de vista também o facto de a carga fiscal que um Estado impõe aos seus cidadãos e às empresas ter impacto no clima de incentivo ao investimento e ao consumo (privados) que são decisivos para o próprio crescimento económico. Na economia global e competitiva em que vivemos também há uma concorrência fiscal que condiciona as decisões de investimento, sobretudo do investimento directo estrangeiro. E, se é verdade que em certos casos as condições contratuais desses investimentos podem minorar os efeitos da concorrência fiscal, não é menos verdade que a prazo um desfasamento da tributação nacional em relação ao praticado nos países do nosso espaço económico pode constituir uma vulnerabilidade.
Por tudo isso, mais do que fazer da política fiscal uma arma de arremesso político-eleitoral, melhor seria que tivéssemos entre nós, consensualizada nas suas linhas gerais, uma estratégia clara de evolução a prazo do quadro fiscal para garantir confiança aos investidores, potenciar a criação de emprego e dar aos portugueses um horizonte de certeza quanto ao sentido dos sacrifícios que hoje lhes são pedidos.
Foi assim na Irlanda. Resultou bem e sem perda de competitividade... democrática!
Obs: António Vitorino equaciona a trajectória da política económica deste próximo orçamento, que vive agora sob algum desafogo e ameaços de potencialidade e de crescimento nacionais. Veremos se o jogo de expectativas que balizam o funcionamento da economia internacional também coadjuvam nessa trajectória. Se assim for (até) poderemos replicar um processo desenvolvimentista convergente com o da Irlanda (paradigmático na Europa), como diz e, desse modo, alcançar os níveis de competitividade desejados - convergindo com a UE.
Apenas desconheço é qual é que é o nível de oposição que se faz na Irlanda, mas presumo que tenha mais nível, densidade e espessura política do que em Portugal. Também será isso que ajudará na "competitividade, democrática..."